Machismo fez Brasil perder fenômeno do futebol feminino para os EUA
Uma reportagem do Correio Braziliense, de 30 de novembro de 2008, avisava: "Aos 9 anos, menina é um prodígio no futebol". A garota mencionada é a maranhense Catarina Macario, que se destacava contra os meninos e caminhava para ser uma estrela brasileira no futuro. Pouco mais de 12 anos depois, a atacante chegou à seleção, mas não para jogar ao lado de Marta. Sem chances no Brasil, se mudou para os Estados Unidos na adolescência e agora defende a equipe mais vezes campeã do mundo entre as mulheres.
Catarina se destacava no futsal e no futebol de campo, mas os questionamentos sobre sua presença aumentavam conforme crescia. "A gente teve que fazer todo o meio de campo para explicar que ela não atrapalhava em nada a categoria. Ela tinha grande destaque nas competições", relembra André Amâncio, que treinou Catarina dos 8 aos 10 anos no PIN/Asbac, time de futsal de Brasília.
Foi quando estava perto de completar 12 anos que ela viveu o caso que fez a família pensar em mudança. O pai José Macario conta que a filha iria disputar um torneio de futsal com os meninos, mas, na última hora, foi impedida de participar. "É muito dolorido você ver alguém dizer que sua filha não pode jogar. Não pode por quê? Aquilo ali foi algo terrível para mim", diz. Incomodado, escreveu um e-mail para uma escola em San Diego, nos Estados Unidos, pedindo uma chance para Catarina. Ela foi aceita e deixou o Brasil. Abandonou também o sonho de vestir a camisa da seleção brasileira.
"Eu não tive mais oportunidade de jogar com os meninos no Brasil, porque tinha uma regra que não me deixava jogar com eles depois dos 12 anos. Também não tinha nenhum time feminino que eu sabia que era bom. A única outra opção era ir para os Estados Unidos", explica Catarina.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tentou convocá-la aos 13 anos para disputar um torneio sub-17. Catarina não quis. "Claro que eu fiquei muito honrada, mas foi uma decisão em família. Eu me senti acolhida pelos Estados Unidos, porque era como se eles não gostassem apenas do que eu estava fazendo lá, mas eles valorizavam o futebol feminino em todos os lugares. E naquele momento eu só queria focar no meu novo país, nos meus estudos. Isso tudo fez com que a decisão fosse mais fácil", explica Catarina.
Enquanto a CBF tentava recuperar a joia que se foi, os Estados Unidos apostavam na permanência de Catarina. Com a ajuda da ex-técnica da seleção local Jill Ellis, a família deu entrada no visto de permanência da menina de 13 anos por habilidades especiais, dado apenas para pessoas que demonstrem capacidades extraordinárias em sua área de atuação. O processo durou três anos.
"A Jill comprou nossa história. Ela ficou muito sensível a isso. Para Catarina ganhar esse green card, precisou de dez cartas de pessoas do ramo do futebol dos Estados Unidos de alto saber dizendo que ela tinha um talento extraordinário", explica José Macario.
A CBF ainda tentou outros convites, mas Catarina sempre reforçou o desejo de defender os Estados Unidos. No ano passado, a técnica Pia Sundhage tentou a última cartada. Catarina agradeceu, mas recusou pela última vez. "Quando a gente conversou, meu coração já era todo americano. Ela foi muito gentil, só estava perguntando se tinha alguma maneira que eu pudesse mudar de ideia", explica.
O status de promessa do futebol se confirmou na universidade. Em Stanford, onde cursou Comunicação, a brasileira conquistou duas vezes o conceituado troféu Hermann, entregue aos destaques no futebol dos Estados Unidos, tanto no masculino quanto no feminino, além de ser eleita por três anos a "Jogadora do Ano" pela ESPNW. Ela ainda foi campeã duas vezes da NCAA, principal torneio universitário dos Estados Unidos.
"Agora que já estou aqui, não mudaria nada do que aconteceu. Mas não foi de nenhuma maneira uma decisão fácil mudar para outro país. Foi muito difícil para mim e para a minha família. Talvez se tivesse tido oportunidades no Brasil... Mas como eu disse, eu não mudaria nada", reflete Catarina.
Aos 21 anos, Catarina está em sua primeira temporada pelo Lyon, o maior vencedor da Liga dos Campeões da Europa feminina. Recentemente, em 18 de janeiro, estreou pela seleção dos Estados Unidos no amistoso contra a Colômbia. Em sua quarta partida, acompanhou do banco de reservas a vitória americana sobre a seleção brasileira.
"Foi um momento especial enfrentar o Brasil, mas agora, infelizmente, tenho que tratar como quando enfrento qualquer outra seleção. Mas foi muito legal ver a Marta e as outras jogadoras de perto. Fiquei feliz que os Estados Unidos saíram com a vitória", completa.
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