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Mecenas no futebol se dividem entre conquistar títulos e apagar incêndios

Leila Pereira celebra o bicampeonato da Copa Libertadores - Reprodução
Leila Pereira celebra o bicampeonato da Copa Libertadores Imagem: Reprodução

Thiago Braga

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/03/2021 04h00

O Renascimento foi um movimento cultural e que tinha como característica a efervescência artística e intelectual dos séculos 14 a 16. Como muitos artistas não tinham dinheiro para produzir, procuravam as figuras dos "mecenas", que podiam ser comerciantes, príncipes, bispos ou banqueiros e financiavam as obras de arte como maneira de obter prestígio.

No Brasil contemporâneo, a palavra "mecenas" é mais associada a empresários e até mesmo dirigentes que investem grana do próprio bolso nos clubes de futebol dos quais são torcedores.

Exemplos não faltam. A parceria entre a Crefisa de José Roberto Lamacchia e Leila Pereira e o Palmeiras seja talvez a que chame mais atenção, até pelas conquistas que o clube teve depois que a empresa passou a patrocinar o clube, em 2015. Mas é preciso diferenciar "mecenato" de patrocínio.

"Patrocínio é um acordo bilateral em que a empresa se compromete a fornecer alguma vantagem, geralmente dinheiro, e o clube, por sua vez, fornece a possibilidade de expor a marca da empresa", disse o advogado esportivo Luciano Motta. "No caso do mecenato já é uma visão mais ampla. É um qualificativo de uma situação em que indivíduos ou empresas poderosas fomentam projetos de entes que por si só não conseguiriam."

Em outras palavras, geralmente o clube não está funcionando de forma sustentável e se vale desse mecenas para levar a cabo o seu plano de ações."
Luciano Motta, advogado

Em recente entrevista ao canal do Youtube "Nosso Palestra", Leila explicou o modelo de negócios entre a patrocinadora e o Palmeiras e porque não pode perdoar o valor emprestado. São R$ 160 milhões em dívidas que o Palmeiras tem com a patrocinadora por conta da ajuda da Crefisa na hora de contratar atletas - quando não agiu simplesmente como um patrocinador.

"Não há proibição para o empréstimo. Na verdade, a operação que era feita anteriormente acabava gerando uma vantagem tributária para a Crefisa. Sendo certo que a operação declarada como 'despesa com marketing' era, na verdade, um empréstimo. E a Crefisa não questionou esse novo enquadramento feito pela Receita", afirma para o UOL Esporte o procurador da Receita Federal Allan Titonelli.

Conselheira do clube, Leila Pereira agora caminha firme, na reta final de um projeto de longo prazo, para se candidatar à presidência do Palmeiras.

R$ 180 milhões em um ano

Rubens Menin no Atlético-MG - Bruno Cantini/Atlético-MG - Bruno Cantini/Atlético-MG
Rubens Menin, conselheiro e investidor do Atlético-MG
Imagem: Bruno Cantini/Atlético-MG

Na esteira dos ganhos esportivos conquistados pelo Palmeiras e capitalizados por Leila Pereira e Crefisa, surgiu Rubens Menin, dono da MRV Engenharia. Só no ano passado, foram investidos mais de R$ 180 milhões na contratação de jogadores pelo Atlético-MG, além do pagamento de parte dos salários da antiga comissão técnica comandada então por Jorge Sampaoli.

Procurado, o Atlético-MG apenas disse, via assessoria de imprensa, que "tudo o que precisava ser dito sobre o assunto já foi feito pelo sr. Rubens Menin, em entrevistas".

O modelo do Galo é o mesmo do Palmeiras: empréstimo. Se realizar uma venda futura, devolve o dinheiro sem juros ao dono da MRV Engenharia. O Atlético-MG ficaria com uma eventual diferença de valores entre o que foi pago e o que receberia ao vender um jogador.

"Posso dizer que dificilmente outros clubes teriam acesso a linhas como o Palmeiras possui com a Crefisa. Não conheço as condições do relacionamento entre Atlético-MG e Menin. Mas a empresa não é obrigada a fazer operações semelhantes com outros clubes. Isso é mecenato? Depende da visão. Há uma dívida, que em tese deve ser paga. Se fosse uma doação seria algo que certamente poderíamos classificar como mecenato", alerta o economista César Grafietti.

Dois corações colorados

Elusmar Maggi - Divulgação - Divulgação
Elusmar Maggi Scheffer, empresário que fez doação ao Inter por Rodinei
Imagem: Divulgação

No Rio Grande do Sul, o Internacional foi beneficiado pelo amor de dois torcedores. No fim de 2017, com o Colorado pressionado pela Apfut (Autoridade Pública de Governança no Futebol), órgão que fiscaliza o cumprimento do Profut, o empresário Delcir Sonda perdoou uma dívida de R$ 25 milhões que o clube tinha com ele.

Mais recentemente, já neste ano, o Inter contou com a ajuda do empresário Elusmar Maggi, que doou R$ 1 milhão para que a multa que impedia Rodinei de ser escalado contra o Flamengo fosse paga.

"Considero o Sonda um amigo. Nas experiências que nós tivemos, foram relações juridicamente transparentes e benéficas. Todo negócio tem de ser feito juridicamente perfeito, não vejo isso com maus olhos, não", recorda o ex-presidente do Internacional Marcelo Medeiros

A assessoria do presidente do Internacional informou que "o estatuto do clube prevê que conselheiros não podem ter participação em negócios e porcentagem de jogadores. Delcir Sonda hoje é conselheiro. Elusmar Maggi fez uma doação para o clube e não tem participação na vida política e de negócios do Internacional".

Negócios à parte

Sonda é um nome conhecido no esporte, e não só no Internacional. Apesar de ter ajudado o clube de coração a contratar jogadores como D'Alessandro, Kleber, Aránguiz, entre outros, ele atuou em outros estados, especialmente depois da fundação da DIS, investindo na compra de direitos econômicos e na representação de atletas, como Neymar —com quem brigou na Justiça— e Paulo Henrique Ganso.

"Outro aspecto dessas transações é quando elas estão relacionadas à contratação de atletas, que deixam os custos salariais com os clubes. Clubes com menos receitas do que deveriam para bancar elencos caros costumam enfrentar dificuldades em pagar contas. Há uma ideia equivocada de que elenco forte vai se transformar em conquistas, que se transformarão em dinheiro. Há uma relação direta entre investimentos e conquistas, mas, quando há mais de um concorrente com a mesma característica, a chance passa a ser dividida, e vence quem fez o melhor trabalho", pontua o economista César Grafietti.

Assim, quando falta o dinheiro para pagar salários, ou mesmo o valor do investimento para a contratação de jogadores, o clube fica vulnerável. Pode, pela legislação nacional, perder o atleta após três meses de salário atrasado. E, se ficar devendo a um clube, pode perder pontos, como aconteceu com o Cruzeiro na Série B do ano passado. Por não quitar o valor referente à contratação do volante Denílson, o clube mineiro foi punido pela Fifa e teve seis pontos subtraídos na tabela.

Para evitar que outros pontos fossem descontados, o Cruzeiro recorreu ao patrocinador, e parceiro de todas as horas, Pedro Lourenço. O empresário, mais conhecido pelo apelido de Pedrinho BH, por ser dono dos Supermercados BH, não quis revelar para a reportagem quanto tem a receber do clube celeste. Mas demonstrou que os dias podem estar contados para o fim da parceria.

"O Cruzeiro me deve muito, muito dinheiro. E amanhã [hoje] vai acabar meu vínculo, vou me desligar do Cruzeiro", afirmou à reportagem Pedro Lourenço. Depois disso, o conselheiro não atendeu, retornou ou respondeu às mensagens enviadas.

Presidente empossado, com crédito

Andres Rueda, presidente do Santos - Ivan Storti - Ivan Storti
Andres Rueda, presidente do Santos, em reunião na Vila Belmiro
Imagem: Ivan Storti

Para não deixar o Santos seguir o caminho do Cruzeiro, o conselheiro e então candidato à presidência do Santos Andres Rueda, emprestou ao clube da Baixada Santista R$ 15,6 milhões. Assim, evitou que o Santos fosse punido pela Fifa por não pagar o Hamburgo-ALE pela contratação do zagueiro Cléber. O Santos inclusive já recorreu a este expediente em outras ocasiões, sobretudo quando o ex-presidente Marcelo Teixeira comandava o clube.

"Em relação ao ex-presidente Marcelo Teixeira, está tudo quitado. Sobre o Andres Rueda, ainda não foi pago nada do valor emprestado, mas deixamos claro que o próprio Rueda emprestou o dinheiro antes de ser presidente do clube e que sempre externou ser totalmente contrário ao empréstimo, que só fez por ser uma situação extrema", respondeu o Santos, por meio de sua assessoria de imprensa.

É importante ressaltar que mesmo com todos esses problemas gerados por essa relação muitas vezes umbilical, no Brasil, desde que tudo esteja devidamente documentado, não há prejuízo esportivo. Na Europa, em função do Fair Play Financeiro, algumas formas de manifestação podem gerar problemas.

"O maior problema dessas operações é que passa a existir uma relação de dependência do clube com o credor, e isso costuma se traduzir numa força política que acaba ditando o ritmo das coisas nos clubes. Há uma pressão implícita, pois quem vai questionar o credor que pode exigir o pagamento ao seu vencimento?", questiona Grafietti.