São Januário se torna patrimônio do Rio em meio à polêmica com Maracanã

A Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro aprovou um projeto de lei que reconhece "como de interesse histórico, cultural, desportivo e social para o Município do Rio de Janeiro o Estádio Vasco da Gama, conhecido como São Januário". O avanço na pauta acontece, coincidentemente, em meio à polêmica que envolve a mudança de nome do Estádio Jornalista Mario Filho, popularmente chamado de Maracanã.

O projeto de lei é de 2017, de autoria dos vereadores Tarcísio Motta e Paulo Pinheiro, e do ex-vereador Renato Cinco, todos do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

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"Fizemos esse projeto como uma forma, de fato, do município atestar o reconhecimento de que São Januário faz parte da memória da cidade do Rio de Janeiro, da memória da Zona Norte, do futebol, da política, do subúrbio carioca. E é exatamente ao contrário do que estão fazendo na questão da mudança do nome do Maracanã, que é, na verdade, apagar uma memória, que é a memória do Mario Filho, da própria construção do Maracanã. São projetos opostos", disse, ao UOL Esporte, Tarcísio, que completou:

"Uma coisa é reconhecer a história, a memória, valorizar ela tal qual está sendo escrita e destacar pontos importantes. São Januário foi fruto do trabalho dos sócios do Vasco, para enfrentar, inclusive, a perspectiva da colocação dos negros no futebol no Campeonato Carioca, como exigência de resposta a isso, uma luta de seus torcedores. E se tornou um estádio tão importante para a cidade. É reafirmar a importância histórica, e não tentar apagar ou mudar alguma coisa. A gente acha que esses elementos são muito importantes. Em um momento difícil do clube Vasco da Gama, em um momento difícil que São Januário passou tantos meses sem público, sem cumprir sua função, quisemos dar um reconhecimento. Isso também faz parte de questões importantes para a cidade. Já tínhamos aprovado em primeira votação antes da pandemia, e, agora, resolvemos aprovar em segunda votação porque acharmos que era o momento para também lembrar a todos que São Januário é um lugar de vida e voltará a ser depois da pandemia".

Renato Cinco, por sua vez, indica não ter uma íntima ligação com futebol, mas se mostra contrário ao que apontou como elitização dos centros esportivos.

"Esse projeto é uma das marcas menos pessoais do meu mandato. Eu nem vejo futebol, não tenho time, mas a gente entende que um mandato de vereador não se resume à personalidade do vereador. E o futebol é um marco absolutamente decisivo da nossa cultura, da nossa tradição. Perceber uma série de estratégias ao longo dos últimos anos de elitização dos espaços esportivos, como foi feito no Maracanã, com redução de público em vários momentos diferentes, desde quando acabaram com a geral até a última reforma... E há um projeto, que não foi à frente, de transformar aquilo tudo em um shopping. O futebol seria um programa de classe média. Não acho bom para a população essa elitização. Então, indicar São Januário como patrimônio histórico vem no sentido de tentar afirmar essa tradição popular do futebol do Rio de Janeiro, sentido de resistência".

Na justificativa, os vereadores apontam que "São Januário, inaugurado em 1927, é patrimônio histórico da cidade do Rio de Janeiro e um dos mais emblemáticos templos do futebol mundial. De notável arquitetura neo-colonial, palco de alguns dos mais importantes eventos esportivos, culturais e políticos do país durante o século XX, a casa do Club de Regatas Vasco da Gama é também um símbolo da luta contra o racismo no esporte e até hoje um exemplo de espaço popular de lazer no subúrbio carioca".

Além disso, recorda-se que "nas décadas de 30 e 40, o presidente Getúlio Vargas costumava arrastar multidões para seus comícios no estádio. Em um deles, no dia 1º de maio de 1940, anunciou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as primeiras leis trabalhistas do Brasil. Naquele mesmo ano, a "Colina Histórica" - como também é conhecido o estádio - foi o palco da apresentação de um coral composto por mais de 40 mil estudantes e regido pelo maestro Heitor Villa-Lobos. Cinco anos mais tarde, durante o processo de redemocratização do país, Luis Carlos Prestes reuniu mais de 100 mil pessoas em um comício que foi fundamental para trazer o Partido Comunista de volta à legalidade. Também em 1945, o estádio recebeu o desfile das escolas de samba, vencido naquele ano pela Portela".

Durante a votação do projeto, Cesar Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro e torcedor declarado do Botafogo, lembrou o pai vascaíno.

"São Januário, o maior estádio do Brasil até a construção do Maracanã. Eu ia com o meu pai aos jogos. Papai era do Conselho Deliberativo do Vasco e me ensinou, nos anos 40, que quando um ano somava ímpar, o Vasco era campeão. Eu acho que essa homenagem é para todos os vascaínos. Não é o meu caso, mas é o caso do meu pai, que Deus o tenha", apontou.

Tal reconhecimento de São Januário acontece em meio a uma polêmica envolvendo o Maracanã. Os deputados da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) aprovaram, na última terça-feira, o projeto de lei que que altera o nome do estádio, atualmente Jornalista Mario Filho, para Edson Arantes do Nascimento - Rei Pelé. O projeto ainda depende da sanção do governador em exercício Claudio Castro.

De autoria do deputado André Ceciliano (PT), Bebeto (Pode), Marcio Pacheco (PSC), Eurico Junior (PV), Carlos Minc (PSB), Coronel Salema (PSD) e Alexandre Knoploch (PSL), o projeto 3.489/21 mantém o nome antigo apenas ao complexo esportivo. O caso gerou muitas críticas e até mesmo campanhas para que a mudança seja vetada.

"É uma coisa de quem não entende de futebol, de história. Se quisessem homenagear alguém, que homenageassem o Garrincha. Estou chateado? Sim, mas não vou ficar mais, pois meu avô não brigou por esse estádio para 70 mil pessoas. Em virtude das pessoas que estão na Alerj, não me surpreende", disse Mario Neto, neto do jornalista e escritor, em recente entrevista ao UOL Esporte.

Vice do Flamengo se absteve

Marcos Braz, vice-presidente de Futebol do Flamengo, rival do Vasco, preferiu se abster da votação sobre São Januário. Ele é vereador pelo Partido Liberal (PL).

A campanha de Braz a vereador, inclusive, gerou polêmica no clube. O conselheiro José Carlos Pereira, o Peruano, chegou a pedir uma investigação do Conselho de Administração por entender que o vice de Futebol utilizou o Rubro-Negro para pedir votos. O caso, porém, foi arquivado.