Eliminatórias: Brasileiro guia seleção de país caribenho de 52 mil pessoas
Brasil, África do Sul, Mianmar, Tanzânia, Jamaica, Tailândia e agora São Cristóvão e Névis. Sete países, quatro continentes e um currículo difícil de ser alcançado em qualquer profissão. Este pertence a Léo Neiva, técnico brasileiro de 43 anos de idade - e já 14 de carreira. Antes de tudo isso, ele chegou a jogar profissionalmente, mas parou cedo, justamente para estudar e se dedicar ao que mais tinha vontade: ficar à beira do gramado.
Agora, depois de rodar o mundo, Léo Neiva se prepara para um trabalho inédito e cobiçado por muitos: disputar as Eliminatórias da Copa do Mundo pela seleção de São Cristóvão e Névis, país localizado no Caribe e que tem uma das menores populações da região - cerca de 52 mil habitantes. O primeiro jogo da qualificatória será nesta quarta, dia 24, e esse é um dos vários temas abordados por ele na entrevista concedida ao UOL Esporte.
"Eu sabia que [São Cristóvão e Névis] existia no mapa [risos], mas somente pelo nome. Aí surgiu o convite, imagino eu, devido à minha passagem pela Jamaica, que é top 5 da Concacaf e tem um peso muito grande no Caribe. Acho que me escolheram também por ser muito rodado e pelo futebol daqui ser semelhante ao que se pratica na África", analisou.
Realista, Léo Neiva se diz consciente de que uma eventual classificação para a Copa do Mundo seria algo extraordinário. Seu trabalho, porém, não se resume a treinar o time principal.
"Sabemos que o país está em desenvolvimento no futebol, o trabalho é a médio e longo prazo. A gente tem que ser realista, uma classificação seria ultra inédita. É muito difícil concorrer. Mas o fato de você poder competir uma Eliminatória agrega muito na carreira, no currículo. É uma oportunidade única", contou o treinador, natural do Rio.
"Nosso trabalho é no intuito de desenvolver o jogador local e tentar exportá-los. Quanto mais jogadores saírem daqui para atuar em um mercado mais competitivo, mais a seleção evoluirá. Quero deixar um legado. Seria muito fácil ficar só chamando os caras de fora, então queremos construir uma seleção forte também", disse. "Além de ser treinador da seleção, também vou capacitar os técnicos. Fazer clínicas e workshops para facilitar os locais", acrescentou.
Covid complica trabalho inicial
O elenco da seleção de São Cristóvão e Névis reúne nomes "estranhos" aos brasileiros, mas relativamente conhecidos em terras britânicas. Um deles é o meio-campista Romaine Sawayers, do West Bromwich, time que disputa o Campeonato Inglês. O jogador, porém, pegou covid e não poderá estar presente nas primeiras partidas das eliminatórias.
"A covid aqui está prejudicando muito. O protocolo do Governo é muito rígido. Na minha chegada [ao país, em janeiro], tive que ficar de quarentena, e qualquer seleção que viesse aqui jogar teria que passar pela quarentena, por isso perdemos o mando de campo do primeiro jogo, contra Porto Rico. Teremos que viajar para a República Dominicana para jogar lá", explicou.
São Cristóvão e Névis faz parte do Grupo F das eliminatórias da Concacaf, no qual também estão Guiana, Porto Rico, Bahamas e Trinidad e Tobago. Nesta fase, só uma das cinco seleções avança.
"O primeiro jogo vai ser na República Dominicana, no dia 24, próxima quarta, contra Porto Rico. No sábado, 27, pegamos a seleção de Bahamas, lá. Quando voltarmos, dia 28, toda delegação terá de passar pela quarentena e ficar 14 dias no hotel", esclareceu.
"Já convoquei a seleção: são 23 atletas, sendo 13 locais e dez internacionais. A grande maioria de fora joga na Inglaterra, além de Estados Unidos e Honduras. São jogadores que atuam em um mercado muito acima. Além do Romaine Sawayers, do West Bromwich, tem outros das divisões de baixo da Inglaterra, além de outro da MLS [liga dos Estados Unidos]", disse.
Nós vamos ter de dois a três locais com chances reais de serem titular nessas Eliminatórias. A gente quer aumentar esse número. Tentar igualar. Isso é bom porque tira o jogador internacional da zona de conforto. Muitos deles nasceram na Inglaterra e têm passaporte de São Cristóvão porque são filhos de são-cristovenses, e, assim, podem atuar na seleção. Isso é muito comum aqui, no Caribe."
Aposentadoria precoce como jogador
Léo chegou a passar pela base do Fluminense (no futebol de salão) e por clubes como Bonsucesso, Juventude, Portuguesa Santista, Jacarepaguá FC (onde se profissionalizou), Vilanovense, de Portugal, e Nova Cidade-RJ antes de pendurar as chuteiras aos 23 anos e iniciar a carreira de técnico - a princípio como auxiliar.
"As coisas não estavam acontecendo da maneira que eu pensava. Entra naquele processo de disputar o Estadual, depois ficar três a quatro meses desempregado, tem que esperar o Estadual do ano que vem... Aí eu pensei: 'Quer saber? Vou focar nos estudos'". E assim fez.
"Eu comecei a faculdade de educação física em 1999, e fui levando com o futebol. Consegui conciliar trancando um período aqui, outro ali, e me formei em 2002. Meu último ano como jogador foi 2001. Aí já acabei a faculdade e emendei uma pós-graduação em gestão esportiva", completou.
Essa é a vantagem de parar cedo, para um jogador que não estourou. Você ganha tempo, antecipa anos e anos do processo de transição de jogador para técnico, ou uma comissão"
Campeão da principal liga da Jamaica pelo Montego Bay United na temporada 2015/2016, o treinador também acumula títulos nacionais na Tanzânia e na África do Sul.
A treajetória de Léo Neiva
- 2007 - Brasil (auxiliar do América-RJ)
- 2008 e 2009 - África do Sul (base do Royal Bafokeng Platinum Stars FC)
- 2009 - Brasil (base do Bonsucesso-RJ)
- 2010 a 2012 - Mianmar (base Yadanaborn FC e time principal do Rakhine United FC)
- 2013 - Brasil (Francana-SP)
- 2014 - Tanzânia (Young Africans SC)
- 2015 e 2016 - Jamaica (Montego Bay United)
- 2016 - Mianmar (Yadanarbon FC)
- 2017 - Tailândia (Thai Honda FC)
- 2019/20 - Brasil (Atlético de Itapemirim-ES)
- 2021- São Cristóvão e Névis (seleção principal)
Mais trechos da entrevista
Sem mortes por covid no país
Quando cheguei, tinham seis casos, e a última informação que obtive era de dois. E não houve relato de morte aqui. O controle está sendo absurdo, realmente. Também já me vacinei. E por ser um país pequeno, até o controle e a resposta da vacina serão melhores. Eles vão conseguir vacinar toda a população em pouco tempo.
Favorito nas Eliminatórias tem outro técnico brasileiro
Não pudemos realizar amistosos internacionais contra equipes daqui, então, a preparação não está sendo ideal. Nós temos cinco times no grupo: Trinidad & Tobago é a seleção mais forte, jogadores internacionais de um nível mais elevado que disputam competições mais pesadas, e eles estão trabalhando desde setembro do ano passado. A outra favorita é a seleção da Guiana, que também tem um técnico brasileiro, meu amigo Márcio Máximo, que já está há dois anos no comando da seleção e tem um trabalho já consolidado.
Volta ao Brasil nos planos
A gente sempre pensa em voltar, né? Somos brasileiros. Deixei minha esposa e minha filha no Brasil... Às vezes, elas conseguem vir, às vezes não. Depende das circunstâncias. Mas lembrando sempre do processo de não queimar etapas. Seria bacana assumir um time da Série B, que está muito forte, até pelo número de campeões nacionais. E um outro caminho que poderia ocorrer é um time de transição em uma equipe de Série A...
Tanzânia: Atmosfera incrível
Foi sensacional a passagem por lá. Tem bairro que você parece que está na Europa. E clube grande, estrutura muito boa dentro e fora de campo, um país muito bom para se viver e uma atmosfera muito parecida com o que temos na Série A: estádios bons, lotados, bons gramados. Todos os nossos jogos na Tanzânia lotavam.
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