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Efeito Fred: por que clubes decidiram contratar celebridades da internet?

Youtuber Fred participou da pré-temporada e´de um torneio amistoso pelo Magnus Futsal em 2020 - Guilherme Mansueto
Youtuber Fred participou da pré-temporada e´de um torneio amistoso pelo Magnus Futsal em 2020 Imagem: Guilherme Mansueto

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

22/03/2021 04h00

Sósias profissionais de Gabigol, Ibrahimovic e Ronaldinho Gaúcho têm conversas em andamento com um time do Nordeste. "Gabigordo", outro indivíduo muito parecido com o atacante do Flamengo, diz que tem propostas para jogar o Campeonato Carioca - competição para a qual está inscrito o jornalista Lucas Strabko, conhecido como Cartolouco. Já no Campeonato Paulista, o São Bento quase registrou o youtuber Juninho Manella, enquanto o radialista Duda Garbi sonha com uma chance pelo São José no Gauchão.

O que há em comum entre todos os episódios: clubes de futebol que desejam aumentar sua base de seguidores nas redes sociais a partir de uma experiência inovadora de comunicação para gerar receitas e patrocínios; personalidades da internet que buscam novos assuntos para suas plataformas; e uma provável inspiração na série "Vai Pra Cima, Fred" estrelada pelo influenciador do canal "Desimpedidos" no ano passado.

Conteúdo original do YouTube disponibilizado em oito episódios entre abril e junho de 2020, a série conta a jornada de Fred para tentar jogar entre os profissionais do Magnus Futsal, de Sorocaba, em formato de reality show. Foi um sucesso porque alcançou mais de 8,5 milhões de espectadores únicos e bateu 27 milhões de visualizações, entre outros números que provam força.

O maior legado que deixamos para o mercado é que é possível conciliar entretenimento, marketing e ativação dos patrocinadores sem atrapalhar performance esportiva, até porque no ano de produção da série pela primeira vez ganhamos a Liga Nacional de forma invicta. O que muda na vida no Resende o Cartolouco ficar alguns dias vendo treinos e gravando? Nada. Juninho no São Bento? Nada. E ao mesmo tempo, fora das quatro linhas, você cria uma base digital."
Fellipe Drommond, presidente do Magnus Futsal.

Segundo ele, o projeto da série "Vai Pra Cima, Fred" começou em 2018, quando estudos encomendados pelo clube mostraram que 60% do público que acompanhava o Magnus Futsal tinha mais de 50 anos. Ou seja, era preciso se comunicar com os jovens para manter relevância a longo prazo, ainda mais na iminência da aposentadoria do ídolo Falcão. A ferramenta escolhida para a aproximação foi o YouTube. O cara para isso, Fred.

Fred - Guilherme Mansueto - Guilherme Mansueto
Copa Internacional vencida diante do River Plate foi criada para ambientar a série
Imagem: Guilherme Mansueto

"Começamos a relação recebendo o Superclássico Desimpedidos na Arena Sorocaba, até porque eles também queriam testar a força de um evento presencial. Dali tivemos a ideia de crescer ainda mais em parceria com a NWB, produtora do canal. A coisa funcionou, mas foi discutido durante um ano para poder ir ao ar. Por isso tenho medo de alguns desses projetos atuais serem desordenados. Vou contratar um youtuber, ok. Mas o que vou ter por trás disso?", questiona o dirigente.

No caso do Magnus Futsal, o clube ampliou o departamento de comunicação antes do início da produção da série com Fred e mantém uma grade de conteúdos próprios depois, só que com uma base de inscritos no YouTube que pulou de 18 mil para 140 mil e no Instagram de 100 mil para 400 mil seguidores. Os índices de audiência dos jogos na TV também subiram 25%. Todos os envolvidos ganharam.

Juninho, Cartolouco e Duda

O São Bento, da elite do Campeonato Paulista, anunciou a contratação do youtuber Juninho Manella em dezembro do ano passado. A ideia era que ele participasse da pré-temporada e disputasse uma vaga entre os inscritos para o Estadual - tudo isso retratado em uma série de vídeos no "Vosso Canal", do YouTube.

Juninho - Divulgação/São Bento - Divulgação/São Bento
O youtuber Juninho Manella durante treino do São Bento em 2021
Imagem: Divulgação/São Bento

"A Grande Chance" foi exibida entre janeiro e março em 18 episódios. Vídeos sobre dois amistosos de preparação do São Bento bateram 600 mil visualizações, enquanto os dois primeiros se aproximaram da marca de um milhão. Juninho acabou não sendo inscrito no Paulistão por limitação de vagas. Por fim, o clube cresceu em todas as suas plataformas de mídia, assim como os perfis pessoais dos outros jogadores, e não estão descartadas novas ações - inclusive uma possível atuação como profissional em outra competição.

Em março, o Resende apostou em algo parecido ao anunciar a contratação do youtuber Cartolouco para o Campeonato Carioca. Ele foi inscrito no torneio, que não tem limitação como o Estadual de São Paulo, e até agora postou três vídeos com bastidores do dia a dia do clube em treinos e jogos, tendo participado até de um rachão com os outros jogadores. A websérie se chama "Um Dia D" e tem se preocupado em mostrar e humanizar profissionais do clube, como roupeiros.

Cartolouco mostrou o trabalho da rouparia durante o jogo de estreia do Carioca, a vitória do Resende sobre o Fluminense, e foi atacado por um profissional não identificado do time tricolor: "Deboche do caralho, hein? A gente trabalha nessa porra aqui, a gente vive disso."

Não foi a única reação negativa. Ídolo do Flamengo, Zico questionou "a que ponto chegamos?" sobre Cartolouco ter sido relacionado para um jogo. O youtuber respondeu: "Assiste o episódio contra o Fluminense, segunda-feira vai sair o do Flamengo. Para você entender o que aconteceu. O que estou fazendo é tentar valorizar o Campeonato Carioca e os times pequenos."

Pelo Twitter, o volante Rodrigo Yuri, que joga no Madureira, mostrou um lado controverso dessa novidade.

No Rio Grande do Sul, outro caso chama atenção: o jornalista Duda Garbi deixou seu emprego de 14 anos no Grupo RBS para se dedicar a um canal no YouTube e à série "Duda vai a campo - Bastidores do futebol raiz", que mostrará detalhes de sua vivência entre os jogadores do São José. O primeiro vídeo será lançado na quinta-feira (25), e a promessa é de acesso total. Um dos planos do produtor de conteúdo é atuar profissionalmente pelo time gaúcho.

É a hora dos sósias

"Estamos sendo sondados por alguns clubes do Rio, e o meu empresário está vendo qual a melhor proposta para fecharmos contrato", disse em uma entrevista recente o influenciador Jeferson Sales, conhecido como "Gabigordo", sósia do atacante do Flamengo.

Ibra - Pedro Henrique Silva Campos - Pedro Henrique Silva Campos
Sósia de Ibrahimovic, o Ibra Brasileiro
Imagem: Pedro Henrique Silva Campos

Ele não é o único sósia que pode se aventurar no elenco de clube de futebol nos próximos meses. Pedro Henrique Silva Campos, que é um dos responsáveis pela gestão de imagem de alguns sósias, diz que "Gabigol da Favela", imitador paulista de Gabigol, "Ibra Brasileiro" e "Gaúcho Ronaldo" conversam com um clube de segunda divisão do futebol nordestino para ações de marketing.

"Nunca tínhamos pensado nisso, até porque alguns dos sósias não possuem certas habilidades com a bola (risos). Mas recentemente surgiu essa oportunidade em um clube para atrair mais público, vender produtos e futuramente ingressos. Neste caso eles também iriam participar de alguns jogos", conta Campos.

Muitos dos sósias não vivem dos personagens e trabalham como barbeiro, padeiro ou motorista de aplicativo. A imitação rende participações em festas de aniversário, presença VIP em eventos e comerciais. Antes da pandemia, alguns chegaram a gravar episódios do programa "A Praça é Nossa", no SBT.

"O trabalho feito por essas figuras públicas nas redes sociais gera um retorno muito grande, e o alcance chega a ser maior que de alguns clubes, que veem isso e apostam", entende Pedro Henrique Silva Campos, que admite inspiração na série "Vai Pra Cima, Fred".

Sósias - Pedro Henrique Silva Campos - Pedro Henrique Silva Campos
Sósia de Ronaldinho Gaúcho e sósia de Gabigol: cabem no seu time em 2021?
Imagem: Pedro Henrique Silva Campos

Fellipe Drommond, o presidente do Magnus Futsal, é mais cauteloso: "Eu não poderia colocar o Fred para jogar a Liga Nacional de futsal, então criamos um torneio, porque a torcida não vai pegar no pé se perder. Essa falta de planejamento é que faz com que você perca de vista o que é profissional, desempenho esportivo, e o que é branding e construção de marca. Essas coisas trabalham juntas só se houver planejamento."