Como foi o golpe com falsos investimentos no day trade em que Madson caiu
O advogado especializado na defesa de investidores vítimas de fraude financeira Jorge Calazans calcula já ter recebido mais de 1.500 novos clientes em seu escritório, na Baixada Santista, desde o início da pandemia de covid-19. Um deles é o jogador Madson, de 34 anos, conhecido por suas passagens por Vasco e Santos e sem clube há quase um ano, desde que saiu do São Caetano.
Desempregado em meio à pandemia, o atleta viu a possibilidade de ganhos financeiros a partir do suposto investimento em ações de bolsas de valores, com promessa de retorno alto e rápido, e acabou vítima de golpe desarticulado recentemente pelo Ministério Público de Minas Gerais, mas que lesou pessoas de 12 Estados do Brasil. Madson não quer revelar o valor perdido.
Durante três meses, o jogador operou pelo celular uma plataforma falsa de day trade (negócio diário, em tradução livre), que é a atividade de comprar e vender ativos financeiros, como por exemplo ações, no mesmo dia e na mesma quantidade para tentar lucro pela diferença.
Jorge Calazans explica que Madson estava sem jogar e decidiu buscar uma nova possibilidade de renda. Ele, então, fez um curso de day trade em um site chamado "Aprenda Investindo", em que teoricamente aprendeu a operar essa ferramenta, além de outros conhecimentos sobre mercado de ações e criptomoedas. Em seguida, um suposto corretor ou consultor da plataforma passou a ser seu conselheiro para investimentos — o primeiro aporte de Madson foi de US$ 250 (R$ 1.400, aproximadamente).
Mostravam uma tela, que é como se fosse um simulador, mas na cabeça do Madson era real. Faziam movimentos e ganhavam 10% de lucro. Ele [Madson] viu que isso deu certo e passou a fazer depósitos para esses ativos serem comprados e vendidos. No começo parece um ótimo negócio, então os golpistas ganham sua confiança e ficam puxando para você investir mais e mais. Quando o Madson percebeu já tinha feito mais de 30 depósitos para essa organização criminosa."
O tal "lucro" das primeiras operações é, na verdade, o dinheiro em recirculação das outras pessoas que também estão caindo no golpe, pago só para que o investidor amador confie na consultoria.
A tela que o jogador via era de um aplicativo criado pelos golpistas como se fosse da Bolsa de Valores, mas só com informações falsas. Nada mais que um simulador, como nos videogames. Madson depositava quantias expressivas nas contas de empresas de fachada imaginando que estivesse comprando e vendendo ações. O dinheiro que ele esperava que estivesse sob custódia da plataforma na verdade estava perdido.
"Esse tipo de golpe envolvendo investimento ou pirâmides financeiras já levou 11 milhões de pessoas no Brasil, não é tão incomum. Esse do Madson só é mais sofisticado, específico. Na pandemia muitas pessoas fizeram como ele e há alguns casos terríveis, que me fizeram praticamente psicólogo. Tem casos de suicídio, depressão, problemas de família e dificuldades financeiras a ponto de o cara colocar todo o dinheiro numa operação e passar fome. É bem nefasto", diz Jorge Calazans, do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados.
Madson notou que era vítima de um golpe quando a plataforma identificou um suposto erro de operação e os responsáveis passaram a cobrar pela assinatura de uma apólice de seguros que o ajudasse a recuperar o valor investido. O jogador, então, procurou um advogado, que acabou colaborando com a operação Black Monday, que já tinha tido início em 2020 após denúncia de uma vítima de Pouso Alegre, em Minas Gerais, que procurou o Ministério Público do Estado.
O esquema, explicou o MP, estimulava as vítimas a realizar transferências bancárias para diversas pessoas jurídicas. No entanto, os valores não eram revertidos no investimento desejado, como é o caso de Madson. O golpe desviou as quantias e as converteu em bitcoins (moeda virtual) e bens de alto valor para os líderes da organização. A fraude recolheu os investimentos por meio dos sites "Aprenda Investindo" e "Investing Brasil", que foram direcionados para as corretoras "VLOM" e "LBLV", entre os anos de 2019 e 2020.
A operação movimentou cerca de R$ 150 milhões. Acusado como líder da quadrilha, Cristiano Bianor dos Santos foi detido em João Pessoa (PB) e encontrado com automóveis de luxo das marcas Lamborghini e BMW, avaliados em R$ 5 milhões. Contas foram bloqueadas, inclusive, carteiras internacionais de criptomoedas usadas para investir o dinheiro dos golpes.
A defesa de Cristiano, representado pelos advogados Samuel Ebel Braga Ramos e Thomas Magnun Maciel Battu, do escritório de Curitiba (PR) Ebel & Battu Sociedade de Advogados, diz que "o momento é de análise dos autos e está à disposição do Ministério Público para todos os esclarecimentos pertinentes para o auxílio da Justiça."
Segundo o promotor de Justiça Eduardo de Paula Pachá, em entrevista à TV Globo, o próximo passo é buscar a reparação das perdas das vítimas. Essa é a atual esperança de Madson.
O que esse caso nos mostra: a primeira coisa a ser feita quando se quer investir é consultar a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que é quem regula a oferta no Brasil. Se a empresa não estiver com registro ativo já saia fora, mesmo que seja investimento em bitcoin, que ainda não tem regulação específica. Também é importante que se pesquise o histórico, quem são os sócios, como são os investimentos deles, uma pesquisa ampla. Nesse caso do Madson a empresa não tinha nem CNPJ. E por fim é importante criar uma educação financeira. Por que repassar para terceiros se com estudo você mesmo pode investir?"
Jorge Calazans, advogado especializado na defesa de investidores vítimas de fraude financeira
Como o advogado de Madson, diversos especialistas no tema têm alertado a população sobre o aumento de golpes relativos ao mercado financeiro em meio à pandemia, quando as pessoas têm procurado novas formas de obter receita e muitas vezes ignorado o risco de certas operações.
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