Time da várzea de SP combate preconceito em camisa que tem até braille
O Inajar de Souza, time com 42 anos de história no futebol de várzea de São Paulo, lançou sua nova camisa no último domingo (25). A novidade chama atenção logo à primeira vista, porque abaixo do escudo e do logotipo da fornecedora de material esportivo está escrito "Inajar" de três jeitos diferentes: com o alfabeto romano usado na língua portuguesa; em libras (gestos que representam a Língua Brasileira de Sinais, usada por pessoas com deficiência auditiva); e no alto-relevo do braille (sistema de escrita e leitura tátil para pessoas com deficiência visual).
Ainda há na camisa outros sete símbolos que remetem à campanha de lançamento do uniforme, "Xô, preconceito".
Além da mensagem sobre respeito às pessoas com deficiência auditiva e visual, estão representadas na parte de trás do uniforme as lutas contra a discriminação às pessoas com deficiência física ou de mobilidade, autismo e síndrome de down, e ainda o punho cerrado do combate ao racismo, as cores do arco-íris da bandeira LGBT e o símbolo universal de respeito aos idosos. Nos ombros da camisa estão os emblemas da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre acessibilidade.
O tema da inclusão, principalmente relacionado ao preconceito racial, existe no nosso DNA há um certo tempo. Somos um time de comunidade, de favela, como temos a honra de falar, e sentimos na pele o preconceito. Quem sofre discriminação fora da favela, em que até emprego é difícil conseguir, aqui dentro é a maioria de nós. Então quando você levanta uma bandeira por inclusão já abraçam a causa."
Ricardo Boga, conhecido como "Magrão Inajar", diretor de esporte da equipe.
A história da campanha é mais ou menos assim: a fornecedora de material esportivo do Inajar de Souza, Kings Sports, decidiu confeccionar uniformes especiais para seus times mais importantes. A ideia era representar as maiores conquistas do time dentro de campo, mas o debate foi levando para um lado de homenagem ao povo que veste a camisa e suas lutas. Durante uma das reuniões é que nasceu o lema "Xô, preconceito", porque alguém lembrou que era um bordão de Regina Casé no programa "Esquenta", da TV Globo.
Mas decidiram trabalhar melhor o conceito. Ou, como dizem, "engrossar o caldo do feijão". O Bloco Carnavalesco Inajar de Souza, fundado em 2005 e que desfila no Grupo Especial de Blocos da UESP (União das Escolas de Samba de São Paulo), terá o "Xô, preconceito" como enredo em 2022. O samba foi composto por Mestre Colorado, Erik Kim, João e Maurício do Cavaco e um pedaço da letra também está na camisa do time.
Sem racismo no caminho que a favela vai passar."
Hoje os campeonatos de futebol na várzea estão suspensos em São Paulo. Há uma perspectiva de que a volta aconteça no segundo semestre de 2021, mas nada confirmado à espera do abrandamento dos números da pandemia da Covid-19. Esperam ansiosos não só o time, que tem um título do tradicional Desafio ao Galo no currículo, como o bloco de Carnaval e a torcida "Mil Grau" com sua bateria "Fúria do Índio" conhecida na Favela da Divineia, no bairro da Vila Nova Cachoeirinha (zona norte de São Paulo).
O lançamento da nova camisa foi feito pelas redes sociais, mas a diretoria do clube garantiu a princípio apenas 200 modelos com a fornecedora para venda, podendo ampliar em caso de sucesso. O Inajar de Souza paga o custo e reverte o lucro das vendas para financiar o time. "Temos que ter o pé no chão, somos um time de pobre. Não podemos nos comprometer com uma grande produção, ainda mais que hoje nas comunidades o dinheiro que chega é para comer. Mas temos esperança de a mensagem cativar o pessoal", diz Ricardo Boga.
Para quem não for da comunidade haverá venda por meio do WhatsApp com seis vendedores: Marcelinho (011 949 005 740), Eliel (011 989 453 922), Valdemar (011 954 660 388), Dika (011 985 979 957), Diego (011 982 935 396) e Dodô (011 967 094 953).
Assim diz Ricardo Boga: "Disseram que estamos fazendo uma coisa corajosa que ainda não se faz nem no futebol profissional. Podem surgir comentários de que é muito 'mimimi', alguma coisa assim, mas eu não estou preocupado. Quero fazer um trabalho de conscientização contra o preconceito. Nosso objetivo é disseminar essa mensagem no mundo varzeano e atingir outros segmentos. Eu tenho 62 anos, já fiz brincadeiras com falta de respeito, mas fui corrigido pelos meus filhos e hoje tento ter um pensamento mais abrangente. Nossa ação no mínimo provoca reflexão. E quando tem muito elogio já inibe o cara que vai falar mal. A vergonha mudou de lado (risos)."
Veja a letra do samba "Xô, preconceito":
A.C.E.B.C.Inajar de Souza
Carnaval 2022: Xô Preconceito
Compositores: Mestre Colorado, Erik Kim, João e Maurício do Cavaco
"Eu não sou igual a ninguém
A sua diferença me faz tão bem
Sou Inajar peço respeito
Xô, preconceito
Que a igualdade se revele
Tenha a consciência do seu valor
Admiro a sua pele e você respeita a minha cor
Quando o direito é roubado
Fortalece o pecado, entristece o criador
Viva a diversidade pro mundo dignidade, tolerância e amor
Pare de julgar, mude o seu conceito
Discriminação já não aceito
Hoje a Divineia te convida pra sambar
Sem racismo no caminho que a favela vai passar
Vejam... tem que ser respeitado
Gordo, magro ou sarado
Cadeirante ou pastor
A mulher conquistou o seu espaço
Cabe o mundo nos seus braços, tem família e poder
Respeite a velha guarda que amanhã será você
O índio reuniu toda a cidade
Preconceito é maldade
Meu bloco é só felicidade".
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