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Na seleção, protesto no Paraguai fechará enredo tenso antes da Copa América

Tite, técnico da Seleção - Reprodução/CBF
Tite, técnico da Seleção Imagem: Reprodução/CBF

Igor Siqueira

Do UOL, no Rio de Janeiro

08/06/2021 04h00

Não há gravação de série na preparação atual da seleção brasileira, mas a sensação é que o jogo de hoje, contra o Paraguai será como um capítulo final de uma temporada muito conturbada. Mais do que o duelo, em si, pelas Eliminatórias, o estádio Defensores Del Chaco, em Assunção, será o palco para o desfecho de um enredo intenso, ambientado no núcleo mais profundo da delegação do técnico Tite. O roteiro aguardado é a manifestação de protesto dos jogadores em relação à Copa América 2021. E uma nova temporada dessa série começará já na semana que vem, com o início da competição continental.

Aconteceu quase de tudo desde que os jogadores começaram a se apresentar na Granja Comary. O enredo parecia cíclico, uma pegada "vale a pena ver de novo", porque foi aberto com uma polêmica envolvendo Neymar, uma acusação de abuso sexual a uma funcionária da Nike, que colocou a seleção — institucionalmente — no meio de uma briga entre seu craque e sua fornecedora de material esportivo.

Mas surgiram mais elementos inéditos para a geração atual, como suspensão de entrevistas coletivas, uma reunião dos jogadores e da comissão técnica com o então presidente da CBF, Rogério Caboclo, além de declarações que indicaram descontentamento de Tite e do grupo. A situação de Neymar, inclusive, esfriou. O escândalo que ganhou proporção estratosférica foi trazido pelos áudios da denúncia feita ao comitê de ética, apontando assédio moral e sexual por parte de Caboclo a uma funcionária da CBF.

Os meandros dessa história toda ajudam a traçar o cenário do "capítulo final" no Paraguai. Esportivamente, não se questiona a efetividade recente da seleção, que ficou cerca de sete meses sem se reunir por conta de obstáculos trazidos pela pandemia — a data Fifa de março foi cancelada. O aproveitamento nas Eliminatórias é de 100%. O grupo, fechado com Tite, fez um pacto para tentar não perder o foco dos compromissos na rota rumo ao Qatar.

Ninguém nega a insatisfação. Boicotar a Copa América seria uma medida extrema, que, segundo relatos vindos do círculo da seleção, não chegou a ser sacramentada entre os jogadores. O mesmo vale para a hipótese de um pedido de demissão da comissão técnica.

Na avaliação interna, segundo o UOL Esporte apurou, um argumento técnico: abdicar dos possíveis sete jogos da Copa América causaria uma defasagem ainda maior em relação aos europeus, principais adversários do Brasil na Copa do Mundo de 2022. A seleção brasileira está em fase de ajuste de sistema de jogo e entrosamento. No Velho Continente, a agenda conta com a Eurocopa agora em junho.

Publicamente, o incômodo dos jogadores só se materializará, de fato, no manifesto esperado para a noite de hoje. Mas é possível antecipar o tom da reclamação. As vozes nos bastidores dão conta de que a seleção se insurgiu, na origem, pela demora da Conmebol em resolver o destino do torneio para o qual eles já estavam preparados para disputar. Primeiro, saiu a Colômbia. Depois, a Argentina. Na segunda-feira (31), a Conmebol oficializou o Brasil.

O movimento interno dos jogadores cresceu com a condução de Caboclo no caso. A falta de cuidado com a imagem diante da opinião pública — exemplificada pela ausência de uma manifestação para explicar as razões para trazer a Copa América ao Brasil — fez com que os jogadores tivessem nas redes sociais um termômetro do problema criado. Por dois dias, ninguém abriu a boca na seleção. Coletivas canceladas.

E o desenrolar da história foi além quando houve uma politização da situação. Bolsonaro tentou trazer para o governo federal a capitania do torneio, tanto que anunciou quais seriam as sedes, depois de uma saga da CBF para encontrar capitais disponíveis.

A seleção se viu encurralada pela polarização. Jogando da Copa América, ela "faria a vontade" de Bolsonaro, o que desagrada quem é contra o governo. Por ouro lado, quando revelou a reunião com Caboclo, Tite passou a ser alvo dos bolsonaristas, que passaram a defender sua saída da seleção. O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, disse que o técnico era "puxa-saco" de Lula. O treinador optou por evitar o confronto direto com a turba.

"Eu tenho muito respeito ao meu trabalho, respeito à seleção brasileira, a esse momento da Copa do Mundo, de Eliminatórias, e a melhor maneira de retribuir essa confiança das pessoas que estão a meu favor e respeito daquelas que são contra é fazer meu trabalho possível e que a seleção jogue bem e possa vencer. Essa é minha atribuição, meu lugar de fala e a isso que vou me ater, disse na coletiva de ontem (7).

A saída de Caboclo no domingo apaziguou os ânimos na seleção. A ponto de Tite dizer que estava "em paz", não necessariamente sobre esse tema, mas num aspecto geral. O fato é que a diretoria que tomou as rédeas da CBF com o afastamento do presidente — que teve saia-justa no vestiário ao proferir um discurso que constrangeu os jogadores — tratou de recolocar o coordenador Juninho Paulista e o técnico Tite no alinhamento com o que se deseja da seleção na sede da Barra da Tijuca.

Cinco vice-presidentes se mobilizaram de forma mais ativa para tocar o barco, enquanto o Coronel Nunes se assenta oficialmente na cadeira: Fernando Sarney, Gustavo Feijó, Castellar Neto, Francisco Novelletto e Ednaldo Rodrigues. Pelo tempo de casa e prestígio junto a Fifa e Conmebol, Sarney é proeminente nos acertos nos bastidores.

A lista dos que disputarão a Copa América será formalizada amanhã (9). A seleção entra de folga nos próximos dias e se reapresenta na sexta-feira. O começo da "nova temporada" será em Brasília, contra a Venezuela, domingo.