Brasil troca campanha perfeita nas Eliminatórias pelo fardo da Copa América
"Eu quero é comemorar um pouquinho."
A declaração de ontem (8) do técnico Tite causa até estranheza: foi depois de uma vitória por 2 a 0 sobre o Paraguai que manteve a seleção brasileira com 100% de aproveitamento nas Eliminatórias e já perto de vaga na Copa do Mundo do Qatar. Esse quase pedido de permissão para ficar feliz, em meio a uma entrevista em que esteve desconfortável e impaciente, é demonstração do fardo que será a disputa da Copa América a partir do domingo, dia 13.
Depois das desistências de Colômbia e Argentina, o torneio teve a sede alterada para o Brasil no dia 31 de maio, menos de duas semanas antes do jogo de abertura. A decisão incomodou jogadores e comissão, que divulgaram um comunicado dizendo ser contra o torneio, mas assegurando que jogariam. A Copa América ganhou uma dimensão política indesejada pela seleção e inevitável pelo contexto brasileiro, o que significa que as próximas semanas tendem a ser agitadas e de mais motivos para aflição do que felicidade de seu treinador.
Até ontem (8), o argumento de Tite para não responder sobre a insatisfação em relação à Copa América era a necessidade de foco nas Eliminatórias, que tinham rodada dupla no calendário. O Brasil venceu os dois jogos por 2 a 0, contra Equador e Paraguai, e abriu seis pontos de vantagem em relação à Argentina, segunda colocada na tabela de classificação após seis jogos.
Se for levada em conta a pontuação média para classificação à Copa do Mundo via Eliminatórias no atual formato com 18 jogos (ou seja, sem contar o ano de 2014, quando o Brasil não jogou por ser sede), são necessários 28,25 pontos para conseguir uma das quatro vagas. Ou seja, o Brasil já tem 63,7% dos pontos necessários para isso em apenas um terço (33%) dos jogos. É uma campanha histórica sob todos os pontos de vista.
Mas não há dentro da seleção espaço para comemorar feitos como esse. Hoje (9) já é dia de convocação para a Copa América, quando os questionamentos em relação à postura crítica — mas sem ação prática — da comissão técnica e dos jogadores vão reaparecer.
Essa cobrança por posicionamentos mais diretos leva em conta o cenário da pandemia de covid-19: ontem, o Brasil chegou a 477.307 mortes pela doença, sendo o segundo país com mais mortes no mundo. O tema não foi mencionado na manifestação dos jogadores.
Após o jogo contra o Paraguai, o coordenador da seleção Juninho Paulista esteve ao lado de Tite para um pronunciamento em sua defesa e também dos jogadores. "Tivemos duas semanas difíceis emocionalmente", ele afirmou, em sinal de que os bons números das Eliminatórias nada dizem em relação às preocupações internas com o andamento da Copa América e o afastamento do presidente da CBF, Rogério Caboclo, por denúncia de assédio sexual e moral a uma funcionária da entidade.
O que se prevê nos bastidores nos próximos dias é uma tentativa de afastar a dimensão política da Copa América, o que já não parece ser possível, porque o torneio tem sido usado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores como instrumento de afirmação de ideias e por opositores como meio de enfrentamento.
Do ponto de vista esportivo também há uma espécie de fardo, porque a seleção brasileira foi campeã da Copa América em 2019 e há discussão sobre o valor esportivo que ela tem depois de tão pouco tempo. Para piorar, em 2019 houve fortes críticas aos gramados escolhidos para sediar os jogos, o que deve se intensificar dessa vez, já que houve muita dificuldade para escolher sedes alternativas num curto espaço de tempo. Os jogos serão em Brasília (Mané Garrincha), Cuiabá (Arena Pantanal), Goiânia (Olímpico) e Rio de Janeiro (Nilton Santos e a final no Maracanã).
Da satisfação pelos 100% de aproveitamento nas Eliminatórias com passaporte praticamente carimbado para o Qatar, a rotina da seleção agora passa a ser a preparação para um torneio que ninguém quis sediar, excita rivalidades políticas e tem um significado esportivo questionável.
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