Do "parafuso de caminhão" à Série A: rigor em contas marca gestão do Cuiabá
"Na Série A, os salários são muito mais altos, então temos que investir para tentar evitar ao máximo que esses jogadores fiquem de fora. Se eu tenho um jogador que ganha R$ 300 mil e ele fica um jogo ausente, estou jogando R$ 10 mil fora".
O trecho do depoimento de Cristiano Dresch ao UOL Esporte reflete a rígida filosofia de gestão financeira e administrativa de uma família que construiu um império no ramo da borracha e que, ao investir em um até então modesto clube de futebol de Mato Grosso, o levou à Série A do Brasileiro com menos de 20 anos de fundação.
"A gente foi criado assim pelo nosso pai. Quando trabalhava com ele, iam consertar um parafuso do caminhão e ele queria saber o que era, para onde era... No Cuiabá existe um orçamento e controlamos isso com muito vigor. O segredo está aí, respeitar o seu dinheiro", ressalta Cristiano, vice-presidente do Cuiabá Esporte Clube, uma agremiação tocada à rédea curta pela família Dresch.
Ele e o irmão, Alessandro, comandam o clube e tomam decisões em todas as esferas. Desde as administrativas até as contratações de jogadores para a equipe. Seu pai, Manuel, e o tio, Aron, são os investidores que, em 2009, resolveram comprar a agremiação comandada pelo ex-atacante Gaúcho, que jogou pelo Flamengo na década de 90.
"Na época foi a oportunidade [de investimento] que havia no Mato Grosso, já que os clubes tradicionais estavam tendo problemas de gestão. A gente se aproveitou desse vácuo deixado aqui", destaca Cristiano, citando Mixto, Dom Bosco e Operário de Várzea Grande, agremiações com décadas de história no futebol mato-grossense.
Sócio-torcedor e loja em shopping
A ascensão no futebol nacional faz com que o Cuiabá busque a expansão do alcance de sua marca. Hoje o clube possui um programa de sócio-torcedor chamado "Dourado" com seis categorias, que vão da "mirim" — pela qual é cobrada somente a taxa de adesão — até a "diamante", com valor de R$ 399,90 e que, além de todos os benefícios inclusos nos demais, ainda oferece serviço de camarote open bar na Arena Pantanal (em jogos com público) e camisa exclusiva.
Na avaliação de Cristiano Dresch, o Cuiabá - que carrega o slogan de "Orgulho do Mato Grosso" — já possui a maior torcida do Estado e tem lastro para expansão:
"A questão da torcida ainda se tem muito para crescer dentro do próprio Estado. Podemos conquistar torcida também no Mato Grosso do Sul, Rondônia, sul do Pará... Com o tempo vamos conseguir ter torcedores nesses lugares também. Goiás não falo porque tem os clubes tradicionais de lá. Mas aqui temos espaço para crescimento: são cerca de 3,5 milhões de habitantes e uma renda per capita muito alta. É um Estado rico".
"Modelo associativo é um modelo político"
Com a proposta de ser um clube-empresa desde o ano de sua compra, o Cuiabá Esporte Clube está atento às movimentações de outras agremiações neste sentido. Tanto as que já têm esse perfil quanto as que são tradicionais e que veem com bons olhos essa transformação.
Na avaliação de Cristiano Dresch, a principal dificuldade em gerir clubes associativos, como são os mais tradicionais, é a falta de se ter total controle da administração. Porém, o vice-presidente do clube cuiabano faz questão de ressaltar que se transformar pura e simplesmente em clube-empresa não é o suficiente.
"Não vejo que clube-empresa seja a salvação, salvação está na boa gestão, numa condução íntegra. Há clubes associativos que estão muito bem, casos de Grêmio, Athletic-PR, Flamengo... Mas o modelo associativo é terrível para quem quer ter controle na tomada de decisão. O que se vê hoje no modelo associativo nada mais é que um sistema político, muito parecido com o de governo, que funciona por interesses próprios. O clube é usado o tempo todo. Infelizmente arrebentaram com essas instituições, e hoje é difícil arrumar", avalia.
O UOL Esporte solicitou que Cristiano Dresch apontasse semelhanças e diferenças entre o Cuiabá e o Red Bull Bragantino, outro clube que está na Série A com perfil empresarial.
"Red Bull é um clube que estava na Série D e uma empresa chegou e comprou o clube. O Bragantino é um misto de empresa com clube associativo. Já o Cuiabá é originalmente uma empresa, saiu de divisão por divisão, subiu a escadinha. São objetivos um pouco diferentes, o do Red Bull é mais global, de contratar jogadores brasileiros mais baratos, o nosso é esportivo", analisa.
"O retorno que tivemos é quanto o clube vale hoje"
A subida à Série A trouxe maiores cotas, porém exigiu mais investimento. Além da necessidade de reforçar a equipe e lidar com salários mais elevados, o Cuiabá precisou investir em estrutura.
Apesar de já oferecer condições necessárias para a prática do trabalho, o CT passa por obras. Um prédio de três andares será construído para servir de concentração. Além disso, o clube investiu pesado em máquinas para os setores de fisiologia e preparação física.
O aumento no quadro de funcionários do departamento de futebol também é visível comparando as fotos ano a ano. Ao longo das temporadas, ele praticamente triplicou.
Mesmo com todo o investimento, a abastada família Dresch ainda não vê retorno do ponto de vista prático.
"O clube não teve retorno. O retorno que tivemos é quanto ele vale hoje, porque o que foi investido é menor do que o clube vale estando na Série A".
Objetivo é se manter na Série A; Valentim é avaliado como erro
Porém, nem tudo são flores na caminho do Cuiabá. O clube teve um início de temporada turbulento com a saída do técnico Alberto Valentim logo após a primeira rodada, quando a equipe empatou com o Juventude na Arena Pantanal.
Muitos estranharam a demissão tão cedo, embora o treinador já tivesse sido eliminado precocemente da Copa do Brasil para o modesto 4 de Julho, de Teresina (PI). Segundo Cristiano Dresch, a escolha por Valentim foi um erro.
"Não víamos que o trabalho que estava sendo feito ia ser necessário. Eu assisto todos os treinos, são gravados, eu sou muito ativo no dia a dia. Mesmo não estando presente fisicamente pela pandemia, temos um sistema bom de controle. Via que o trabalho não estava sendo bem feito, apesar da boa relação que ele tinha com o elenco e diretoria. Alguns se assustaram, mas antecipamos algo que, mais cedo ou mais tarde, iria acontecer", avalia Cristiano.
Além do empate com o Juventude em casa por 2 a 2, o Cuiabá sofreu uma derrota para o Fluminense por 1 a 0 no Rio de Janeiro. O jogo contra o Atlético-GO, pela terceira rodada, foi adiado, e agora o Dourado encara o América-MG, amanhã (17), em Belo Horizonte (MG).
Debutante na Série A, o clube tem o objetivo claro de tentar permanecer na elite em sua primeira participação.
"O objetivo inicial é bem claro de manutenção na Série A. Vai ser um campeonato muito difícil, equilibrado, uma briga grande para ficar e esperamos que a nossa equipe vá melhorar. Ela tem uma margem de evolução muito grande com toda a condição que estamos dando. O futebol tem altos, baixos e estabilidade. O Cuiabá está numa baixa, mas já, já vai entrar numa ascensão", garante Cristiano Dresch, que ainda não definiu o novo treinador.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.