Em carta a federações, Caboclo nega crime e fala em golpe de Del Nero
Presidente afastado da CBF, Rogério Caboclo enviou hoje (23) uma carta aos presidentes das 27 federações estaduais com o intuito de se defender diante deles e buscar apoio. O dirigente está fora temporariamente do cargo por causa de uma decisão da Comissão de Ética do Futebol, diante da denúncia assédio moral e sexual feita por uma funcionária da entidade.
Caboclo não entra nos meandros dos episódios registrados em áudios pela cerimonialista com quem trabalhava, mas alega estar sendo alvo de uma "tentativa de golpe de estado" e nomeia Marco Polo Del Nero como responsável. No documento obtido pelo UOL Esporte, o dirigente ainda alega, que segundo advogados penalistas, "os fatos denunciados não constituem infração penal".
No comunicado às federações, Caboclo pontua 18 itens a respeito da situação toda. Ele disse que teve acesso aos autos do processo na comissão de ética em 15 de junho. Incentivado por uma manifestação do vice-presidente Gustavo Feijó — em acordo com os outros vices —, o órgão foi responsável pela decisão que o afastou por pelo menos 30 dias do comando da entidade, enquanto conduz a investigação desencadeada a partir da denúncia de uma funcionária. Há provas em áudio e depoimentos já foram colhidos.
A tentativa de angariar aliados junto às federações é estratégia porque, caso haja uma decisão da comissão de ética determinando a saída definitiva de Caboclo do poder, são elas que vão referendar a decisão. Das 27 federações, são necessários três quartos dos votos (21) para sacramentar a saída. Se Caboclo tiver sete aliados, em tese, ele conseguiria ficar na função.
As alegações de Rogério Caboclo
O presidente afastado optou por não dar detalhes sobre os eventos registrados pela funcionária, prometendo se "manifestar no momento oportuno e de forma específica". Mas adotou a versão de que ela apresentou pedido de afastamento do trabalho no dia 9 de abril, enquanto a gravação inserida no processo teria sido feita em 10 de março. Os áudios foram reproduzidos pelo "Fantástico", da TV Globo.
Caboclo relata às federações que no dia 12 de abril recebeu a visita de um "alto dirigente da CBF" com a gravação feita pela funcionária. Naquele momento já houve a sugestão para que ele "tratasse o caso com bastante cuidado".
O dirigente reforça ainda que foi procurado por pessoas que supostamente estariam representando a funcionária, exigindo inicialmente R$ 12 milhões de indenização, com demissão imediata. O valor corresponderia aos salários até aposentadoria dela. De acordo com Rogério, a proposta final baixou para R$ 8 milhões e o último contato teria ocorrido na manhã de 4 de junho, dia na qual a denúncia foi formalizada na comissão de ética e no departamento de compliance da CBF.
No relato às federações, Rogério traz um episódio que corresponde a um contato que houve com o então secretário-geral da CBF, Walter Feldman, no estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. "Fui instado por um dirigente da CBF a pedir afastamento do cargo para me defender, sob a alegação de que patrocinadores poderiam romper contrato. Considerei esse fato uma ameaça", escreveu ele. Feldman chegou a ser demitido por Caboclo, mantido no cargo pelo Coronel Nunes, presidente em exercício, mas foi sacado da função na semana passada.
Rogério Caboclo também critica diretores da CBF e diz que alguns deles mantêm Del Nero no grupo de Whatsapp da diretoria e que eles "participam toda segunda-feira de jogos de carteado em sua casa". O dirigente afastado, ao mesmo tempo, diz que "jamais participou" desses eventos.
Com a guerra política deflagrada, Caboclo diz que Del Nero, "em ato de ingratidão, busca retomar o poder na CBF colocando no cargo de presidente alguém que obedeça às suas ordens, tudo aquilo que não obteve de mim".
Semana passada, Marco Polo já tinha rebatido essa acusação, dizendo que "só com mente perversa alguém pretende querer denegrir quem sempre lhe fez bem". Del Nero ainda acrescentou que Rogério "deve procurar a quem lhe denunciou sobre o assédio e entender o caráter ilícito do fato para tirar conclusões racionais".
Dentro do xadrez, Caboclo se diz "vítima de escutas absolutamente ilegais" dentro de sua sala, na CBF, desde abril de 2018. O conteúdo dos grampos foi revelado pela ESPN. "Essa situação foi uma das maiores decepções que tive na vida", afirma o presidente afastado.
Rogério Caboclo, inclusive, admite que "considerando o ambiente de desconfiança criado, posso ter me tornado uma pessoa ríspida, reservada e seletiva nas conversas internas". Na argumentação, ele diz que "a relação com as seleções masculina e feminina, de todas as categorias, é excelente". O dirigente se despede das federações citando a família e afirma ter o apoio dela, mediante a "certeza que a justiça prevalecerá".
Apesar da tentativa de Caboclo de angariar o apoio das federações, o cenário de confiança na CBF de que o dirigente não voltará ao cargo permanece. Membros da gestão que assumiu e presidentes de federação entendem que o retorno de Rogério é "inviável" frente às acusações da funcionária. Se isso acontecer via comissão de ética e com a confirmação das federações, uma eleição será convocada. Dela, só poderão participar os vice-presidentes para concluir o mandato até abril de 2023.
A íntegra da carta de Caboclo
"1 - Em relação à denúncia apresentada por uma funcionária da CBF, eu me resguardo o direito de me manifestar no momento oportuno e de forma específica, com a maior transparência e de acordo com a verdade dos fatos, após estar a par de todo o conteúdo da acusação, tendo em vista que tive acesso à íntegra dos autos do processo no último dia 15/06, terça-feira. Segundo alguns dos maiores advogados penalistas do país, os fatos denunciados não constituem infração penal.
2 - Embora a gravação objeto da denúncia tenha sido feita no dia 10 de março, a funcionária apresentou atestado médico pedindo afastamento, para tratamento de saúde motivado por problemas familiares, conforme atestado por ela apresentado no dia 9 de abril. No dia 12/04, segunda-feira, recebi a repentina visita de um alto dirigente da CBF portando uma gravação clandestina realizada pela denunciante, e sugerindo que eu deveria tratar o caso com bastante cuidado.
Tenho provas de que terceiras pessoas, falando supostamente em nome da funcionária, procuraram entabular negociação em que exigiram inicialmente 12 milhões de reais, a título de indenização, correspondente ao pagamento de seus vencimentos mensais até a ocasião de sua aposentadoria, ou seja, por 30 anos, mediante sua imediata demissão para que essa denúncia não fosse tornada pública. Ao final, fizeram proposta definitiva de 8 milhões de reais.
3 - O fato objetivo é um só: eu preservei o caixa da CBF e não cedi à chantagem, pois sou um dirigente seguro, corajoso e austero - como comprovam os resultados da entidade. Tenho 20 anos de atividade no futebol em cinco instituições distintas e mantenho uma trajetória absolutamente impoluta.
4 - Rejeitei a negociação e encerrei o assunto no dia 04/06/21, às 11h28, para os mesmos interlocutores que me trouxeram as propostas e que me cobravam uma posição urgente. Curiosamente, a denúncia contra mim foi protocolada no mesmo dia às 13h55.
5 - A despeito do sigilo processual decretado, a denúncia já foi veiculada pela imprensa no mesmo dia, por volta das 18h, aproveitando-se da mídia por se tratar de dia de jogo da Seleção pelas Eliminatórias para a Copa.
6 - Durante o jogo da Seleção, fui instado por um dirigente da CBF a pedir afastamento do cargo para me defender, sob a alegação de que patrocinadores poderiam romper contrato. Considerei esse fato uma ameaça. Trata-se de alegação oportunista e inverídica pelo pouco tempo decorrido entre a veiculação da notícia e o período da partida. Ainda mais por se tratar de empresas zelosas e extremamente responsáveis em relação às suas políticas internas e contratos, e conscientes dos princípios constitucionais da presunção de inocência e da ampla defesa. Até então, ninguém tinha tido acesso aos autos e nem sequer certeza da existência das acusações ou de seu conteúdo.
7 - Para minha máxima surpresa, mesmo sendo eu ocupante do cargo de presidente da CBF, fui afastado de minhas funções por 30 dias no domingo (06/06), dois dias após apresentada a denúncia, sem sequer ter sido ouvido sobre esses fatos. Foi uma decisão sem precedentes para casos análogos e que destoa dos quase 500 processos já apreciados pela Comissão de Ética até maio de 2021.
8 - Até mesmo a troca de avião da CBF, em condições extremamente vantajosas, serviu de pretexto para ataques contra minha pessoa, ignorando-se que a transação foi aprovada e assinada por todos os diretores responsáveis da entidade para esta contratação. A decisão de comprar o novo avião foi planejada por diversos meses e feita para atualizar o patrimônio da entidade. Com a transação, a CBF trocaria uma aeronave de menor tamanho e menor autonomia, do ano de 2009, por uma maior, mais moderna e de maior autonomia, ano 2015. A aeronave antiga tinha 2.550 horas voadas enquanto a nova, apenas 490 horas de voo. Sem falar de seus altos gastos de manutenção, que custaram aos cofres da entidade neste ano 370 mil dólares.
9 - Ressalto que minha relação com as seleções masculina e feminina, de todas as categorias, é excelente. Inclusive recebi mensagens de apoio e carinho de alguns dos mais importantes personagens das seleções principais masculina e feminina, e olímpica, antes e depois da tal denúncia. É notório e amplamente reconhecido que nunca nenhuma gestão da CBF trabalhou tanto e desenvolveu tão solidamente o futebol feminino. Este é o legado definitivo que demonstra meu maior e mais profundo respeito e apreço pelas mulheres e pela defesa da modalidade. É um fato inédito no mundo o comando do futebol feminino de seleções e competições estarem a cargo exclusivamente delas. Além disso, também promovi a equiparação das remunerações e premiações das seleções feminina e masculina, fato que rendeu notícia em todo mundo.
10 - Posso informar que minhas relações com as autoridades constituídas do país e com os entes internacionais do futebol sempre foram e continuarão a ser as melhores possíveis.
11 - Fui vítima de escutas ambientais e telefônicas absolutamente ilegais dentro da minha própria sala na CBF desde abril de 2018, quando fui eleito. Essas escutas foram, ao que tudo indica, instaladas por pessoas relacionadas à CBF com o intuito de controlar a entidade durante meu mandato. Áudios meus gravados dessa forma foram vazados à mídia e divulgados para me prejudicar, coincidentemente no momento em que foi deflagrada uma campanha para minha saída da CBF. Posso afirmar que essa situação foi uma das maiores decepções que tive na vida. Considerando o ambiente de desconfiança criado, posso ter me tornado uma pessoa ríspida, reservada e seletiva nas conversas internas.
12 - Para atacar minha imagem, meus detratores chegaram a difundir absurdas acusações em relação ao meu comportamento na entidade. Fatos absolutamente impossíveis de comprovação e merecedores das devidas medidas legais contra aqueles que perpetram tais ataques. O meu perfil firme, rigoroso e de resultados, que colaborou com todos os recordes administrativos e financeiros da entidade, agora serve de base para essas infundadas ilações. A CBF tinha, em 2010, um faturamento bruto de 263 milhões de reais e logo no primeiro ano da minha gestão, em 2019, o faturamento bruto alcançou 957 milhões de reais (crescimento de 264% frente uma inflação de 75% no mesmo período). O patrimônio da entidade, que em 2010 era de 229 milhões de reais, saltou para 1,248 bilhão de reais (crescimento de 445% frente uma inflação de 75%).
13 - Estou sendo vítima de verdadeira tentativa de "golpe de estado" perpetrado por pessoas que sei perfeitamente identificar e conheço bem as suas motivações e interesses, seja no campo administrativo ou de recursos humanos. Assumi o cargo de presidente da CBF em abril de 2019 e, de forma generosa e inadvertida, mantive todos os diretores da antiga gestão, sendo certo que boa parte deles hoje se insurge e conspira contra mim. Alguns deles que, por exemplo, mantêm o ex-presidente (banido do futebol) no grupo de WhatsApp da diretoria da entidade e que participam toda segunda-feira de jogos de carteado em sua casa, dos quais asseguro que jamais participei.
14 - O pior é que agora tenho conhecimento, por inúmeras fontes, que Marco Polo Del Nero, banido do futebol pela FIFA e impedido de viajar em razão do alerta internacional da INTERPOL (segundo noticiário), que responde a inúmeros processos criminais das mais diversas naturezas, em ato de ingratidão, busca retomar o poder na CBF colocando no cargo de presidente alguém que obedeça às suas ordens, tudo aquilo que não obteve de mim. Durante todas as suas gestões fui leal, responsável, zeloso e trabalhador incansável. Mas não posso me dizer surpreso, pois assim já agiu contra Eduardo José Farah, Reinaldo Carneiro Bastos, Ricardo Teixeira e José Maria Marin.
15 - Num exercício desesperado para que eu não retome o cargo de presidente, tenta-se até mesmo tolher contatos meus com federações, diretores e funcionários, no afã de gerar meu isolamento - o que, na prática, não conseguem.
16 - Tenho conhecimento de que foi instalado um regime de intimidação e "terrorismo" por alguns diretores contra funcionários dentro da entidade, com a realização de demissões, afastamentos, instalação de sistema de home office obrigatório, ameaças de demissão (inclusive por justa causa), ameaça de monitoramento por câmeras internas e rastreamento da utilização de telefones da instituição. Até mesmo práticas autoritárias como a inquirição informal de funcionários para identificar eventuais críticas ao meu comportamento ou notícias de suposto assédio foram conduzidas por diretores da entidade, como se fossem integrantes da Comissão de Ética. Práticas que podem ser identificadas como crimes. O fato é que não há nenhuma proibição, por quem quer que seja do sistema do futebol, de manter contato comigo, de acordo com o procedimento instaurado pela Comissão de Ética. Tal fato tem sido comunicado internamente como se uma regra fosse.
17 - A despeito da reiterada e desesperada estratégia de fazer crer que meu afastamento é irreversível, estou seguro e confiante de que terei, com sobra, todo o apoio necessário para que esse verdadeiro golpe contra minha pessoa, contra a CBF e contra os clubes não se concretize. Um motivo que causa revolta é a descontinuidade da minha bem-sucedida gestão até aqui e a simples notícia da perspectiva da volta de Marco Polo Del Nero ao comando do futebol brasileiro por meio de terceiros.
No programa "Bem, Amigos" da última segunda-feira (21/06), referiram-se à CBF como uma entidade atualmente acéfala, com a prática de "desmandos" internos. Abordaram a questão da possível criação de Liga de Clubes da Série A. Questionavam também com ênfase sobre as ausências de jogadores da equipe de Tite e de alguns clubes na lista olímpica do treinador André Jardine. Posso afirmar, por exemplo, que estavam sob meu comando essas composições para liberação de atletas, e que em razão do inoportuno afastamento que me foi imposto, inúmeros pré-acordos foram descumpridos e relegamos à Seleção defender a medalha de ouro olímpica sem sua principal força. Lamentavelmente, esses fatos repercutidos pela imprensa em geral demonstram a atual fragilização da imagem da CBF.
18 - Por fim, quero lembrar que tenho esposa, filho, mãe, pai, irmã e irmão, além de uma grande família, que sofrem com a injustiça e as inverdades noticiadas. Isso gera um sofrimento e uma comoção familiar que não desejo a ninguém, nem mesmo aos meus inimigos, pois não sou um homem rancoroso nem revanchista. Tenho o apoio irrestrito e diário de toda família, que tem certeza que a Justiça prevalecerá."
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