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Patrono do futebol de Brasília levou Nilton Santos e Djalma Santos para DF

Wander Abdala (e) e Nilton Santos (d) durante período de ex-jogador em Brasília - Arquivo Pessoal
Wander Abdala (e) e Nilton Santos (d) durante período de ex-jogador em Brasília Imagem: Arquivo Pessoal

Marinho Saldanha

Do UOL, em Brasília (DF)

02/07/2021 04h00

Contratar nomes de peso do futebol para atrair atenção a um campeonato. Assim começou o desenvolvimento da MLS (Liga Norte-Americana de Futebol), do futebol japonês, chinês, e tantos outros mercados alternativos do mundo. Mas a ideia não é inovadora —tampouco define modernidade de gestão. Nos anos 1980, Wander Abdala, patrono do futebol de Brasília, já tinha feito algo semelhante com Nilton Santos e Djalma Santos no Distrito Federal. E outros nomes históricos também passaram pelos campos da capital do país.

Aos 84 anos, Abdala é histórico no futebol da capital. Foi atleta, treinador, fundou um clube e trabalhou em ao menos outras cinco equipes como dirigente. De tantas passagens importantes para fomentar o futebol local, não é exagero estabelecer a ele o título de patrono do futebol de Brasília.

Nilton Santos não gostava de ser treinador

Em entrevista ao UOL Esporte, Wander Abdala sorriu ao lembrar de Nilton Santos. Contou que ele chegou em 1987 para ser treinador do Taguatinga, time que já não existe mais e deu origem ao atual Brasiliense. Era uma ideia de renovação de elenco, com plano de trazer um nome de peso para dar relevância ao grupo.

"A expectativa era divulgar o futebol de Brasília, de Taguatinga (cidade-satélite). Ele era muito conhecido pela imprensa, queríamos atrair interesse ao futebol do Distrito Federal", disse.

Mas Nilton Santos não gostava de ser treinador. Não foi nada fácil convencer o bicampeão da Copa do Mundo com a seleção brasileira e ídolo histórico do Botafogo a aceitar a rotina do reservado.

"Ele era muito gente boa, contava muitas histórias pessoais dele, acontecimentos na vida de jogador. Ensinou muito para todos nós, como agir nos jogos. Foi muito importante a vinda dele", contou Wander, que na época era diretor de futebol do clube. "Mas ele não gostava de ser treinador, então, depois de um ano, não quis mais", completou.

O Taguatinga com Nilton Santos no reservado foi vice-campeão do Distrito Federal. Após desligamento, o ícone do futebol brasileiro seguiu na cidade trabalhando na Secretaria de Esportes do DF, e até assinou uma coluna no jornal Correio Braziliense.

Wander Abdala (de pé, primeiro à esquerda) e Niton Santos (de pé, segundo da esquerda para direita)  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Djalma Santos cobrou reforços e queria mais treinos

Já Djalma Santos não foi trazido por Wander para trabalhar no Taguatinga, e sim no Clube de Regatas Guará, que no futuro viria a revelar o pentacampeão Lúcio e posteriormente fechar as portas atolado em dívidas.

Presidente do clube em 1989, Abdala contratou Djalma Santos com objetivo semelhante ao que teve com Nilton. Também campeão de duas Copas do Mundo, 58 e 62, o já ex-lateral ganhou reforços no time.

"Trouxemos o Mauro, que jogou no Corinthians (zagueiro), o Ataliba, que era atacante (ex-Santos e Corinthians), Beijoca, que tinha jogado no Bahia (um dos maiores atacantes da história do Bahia). Ganhamos o primeiro turno do Estadual, mas o Dema (ex-Santos) teve um problema pessoal e precisou ir embora. Quando ele foi, nosso time teve uma queda vertiginosa. Não conseguimos o título", afirmou Wander.

O Guará teve oito vice-campeonatos do Estadual em sua história. Este foi um deles. "O Djalma ficou este ano e voltou para Uberaba, onde também trabalhou na Secretaria de Esportes. Ele era um cara muito humilde, solícito, atendia bem todo mundo. Nos honrou com a presença dele aqui", contou.

Djalma Santos escreveu relatório cobrando reforços e novas condutas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Antes de sua saída, em relatório (trecho acima), Djalma Santos cobrou a chegada de reforços, a presença de um médico com maior frequência no clube e a possibilidade de treinar em dois turnos durante ao menos dois dias da semana. As ponderações do ídolo histórico brasileiro foram levadas em conta, mas não evitaram a queda de rendimento da equipe.

Nilton e Djalma jogaram juntos

Wander Abdala (e), Djalma Santos (centro) e Maranhão (d) em encontro de ex-atletas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Em 1989, ainda, ocorreu um fato histórico. Como Nilton Santos tinha permanecido a cidade trabalhando na Secretaria de Esportes do DF e Djalma Santos treinava o Guará, Wander e um grupo de amigos organizaram um jogo festivo em um clube social da capital federal. Reuniram ex-jogadores, dirigentes e alguns políticos do universo do futebol. Em uma das equipes escalaram os dois laterais bicampeões do Mundo com a seleção brasileira, que na época já estavam aposentados. "Imagine você que em Brasília conseguimos colocar de novo os dois do mesmo lado", sorriu.

Aílton Lira é convencido a abandonar aposentadoria

Entre os vários jogadores com histórico importante no futebol brasileiro que foram levados a Brasília por Wander, Aílton Lira mereceu referência. Parte do histórico time dos "Meninos da Vila" do Santos, o meio-campista marcou sua trajetória no futebol brasiliense dentro e fora de campo. E o curioso é que antes de decidir atuar pelo Guará, Lira já tinha abandonado os gramados e foi persuadido a voltar a calçar as chuteiras.

"Ele já tinha parado de jogar, era treinador do Itumbiara (GO). Eu conversei com ele e convenci a voltar a jogar aqui conosco. Por aqui ele fez de tudo. Gol de falta, de pênalti, era um super-craque. Foi um dos maiores meias armadores que o Brasil já teve, mas o pessoal jovem não conhece", contou.

Além disso, chamou atenção sua conduta fora de campo, sempre exemplar. "Era um grande homem, humilde, correto, educado, dedicado, foi uma excelente passagem por aqui", disse.

Fundação de clube e apelido dado por radialista histórico

E nem só de grandes contratações viveu Wander. Logo de sua chegada a Brasília, ele fundou um clube de futebol. O Departamento de Força e Luz. O nome era muito grande e acabou sendo reduzido a um apelido por um radialista histórico.

Um quadrangular, que também contava com Atlético-MG, Cruzeiro e Guará, no início dos anos 1960 seria transmitido pela TV Nacional e o encarregado de fazer a narração dos jogos era Jorge Curi, que transmitiu nove Copas do Mundo pela Rádio Globo.

Para ele, era muito complicado, na velocidade das partidas, falar "Departamento de Força e Luz" para definir o time. E uma alternativa foi "rebatizar" a equipe.

"Ele estava instalando os equipamentos e testando. Falava o nome do time, dizia que era complicado. Uma hora ele disse, não vou chamar pelo nome, nem de DFL, vai ser Defelê", relatou.

E o apelido pegou. Até hoje, o clube — que já fechou as portas — é lembrado como Defelê. O estádio onde tudo isso ocorreu está sendo utilizado como campo de treinamentos para Copa América e já recebeu as seleções brasileira, argentina, peruana e colombiana, além de ser sede das partidas do Real Brasília, após passar por reforma.

E hoje, o que há com o futebol de Brasília?

Com tanta história no futebol local, Wander Abdala hoje é pouco esperançoso. Ele considera que o futebol local está muito aquém do que poderia apresentar.

"Hoje quem está melhor é o Brasiliense, porque não tem problema financeiro. O Gama é um time tradicional, já foi o melhor de Brasília e acho que é o único que realmente tem torcida. Mas o futebol daqui não tem torcida, não tem renda, não tem patrocínio. Aqui estão as maiores construtoras do país, mas nenhuma tem interesse em investir em futebol. Se cada construtora de Brasília encampasse um time, teríamos condições, fora isso, não tem jeito. Os jogadores vão embora muito cedo, todo jogador que começa carreira em Brasília quer ir para outros Estados e outros clubes para jogar", lamentou quem, sem dúvida, mais entende do futebol local.