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Zé Rafael, o volante boxeador que encantou Abel: 'Nem sabia que fui ponta'

Zé Rafael comemora gol do Palmeiras contra o Universitario na Libertadores - Andre Penner - Pool/Getty Images
Zé Rafael comemora gol do Palmeiras contra o Universitario na Libertadores Imagem: Andre Penner - Pool/Getty Images

Diego Iwata Lima

De São Paulo

20/07/2021 04h00

Alguns dias depois da conquista da Copa do Brasil, em março deste ano, Zé Rafael pediu para conversar com o técnico Abel Ferreira e seus auxiliares no Palmeiras. "Eu fui perguntar se eu já podia voltar para a ponta", contou o jogador ao UOL.

"Eles não entenderam muito bem: 'Por quê? Como assim, ponta?'", conta Zé, que explicou então que sua posição de origem era no ataque e que a temporada 2020 tinha sido sua primeira como volante. "Eles não acreditaram: 'Não, não é possível que você já não era volante antes'. O Abel nem sabia que fui ponta", disse Zé, entre risos. "Eles também acharam graça. Mas não me voltaram para a ponta, não", acrescenta o camisa 8.

A culpa do desconhecimento também é de Zé Rafael, por dois motivos. Quando chegou ao clube, Abel pediu para que cada jogador se colocasse em fila por posição. "E eu fui para a de volante, nem pensei em ir para a de ponta, porque já vinha jogando assim há quase seis meses", diz. O outro motivo é o próprio desempenho do jogador.

Atualmente, mesmo que dissesse que era goleiro de origem, dá para imaginar que Abel o manteria como cabeça de área. Zé Rafael foi titular nas três decisões jogadas pelo Palmeiras na temporada 2020 —no Paulista, ainda com Vanderlei Luxemburgo. Soma 25 jogos na atual temporada, 14 como titular, e é o quarto em número de desarmes —em 2020, foi o vice no quesito, além de líder em dribles.

Depois da vitória sobre o Atlético-GO na rodada 12 do Brasileiro, Abel se derreteu ao falar dele: "O Zé Rafael é um exemplo. Tenho que tirar o chapéu para ele. Quando cheguei, estava em uma forma excelente. Já disse que ele passou por um período muito difícil com a lesão no pé. Passou um período muito mal. As críticas foram muito duras, mas ele nunca desistiu. Renovou e houve quem questionasse. É guerreiro", bradou Abel.

A escolha das palavras de Abel é interessante porque a faceta guerreira de Zé Rafael aparece mesmo quando ele está fora do campo, em seus hobbies.

Fã de Anderson Silva, Zé Rafael pratica boxe e joga Call of Duty

Paranaense, o jovem Zé Rafael era muito fã de MMA. E tinha como ídolo um paulista morador de seu estado, em Curitiba: "Eu gostava do Spider [Anderson Silva]. Era o auge dele, ali por 2012, 2013", relembra-se. "Eu sempre quis lutar e há um tempo, peguei gosto, e comecei no boxe. É mais tranquilinho [que o MMA], mas é puxado"

Em algumas semanas, Zé Rafael consegue ter até três aulas de boxe. embora, na média, não ultrapasse duas. "Tem me ajudado bastante, tanto física quanto mentalmente, tem tirado um pouco a pressão do futebol da cabeça. É bom gastar energia com outra coisa, faz bem", explica.

Dos ringues para o gramado, Zé Rafael leva a questão da disciplina. "Você só melhora quando treina, quando pratica, quando se dedica. Do boxe para o futebol, o que dá para levar é isso. Qualquer outra coisa, ia acabar me dando suspensão", brinca.

Zé influenciou alguns colegas. Gustavo Gómez, Wesley e Mayke também já fizeram algumas aulas da nobre arte. Mas um sparring na concentração do time está fora de questão. "Ia acabar virando briga de verdade, se alguém acerta um soco, de repente", imagina.

De levar soco, o volante entende. Na ida das quartas de final da Libertadores, Zé levou um upper de Leiva, da Universidad Católica (CHI). "Sangrou e incomodou até o final do jogo", conta.

Outro passatempo dele é o videogame Call of Duty. Zé Rafael se avalia como um gamer 7,5. "Dá pra jogar, se divertir. Dá pra enganar", diz ele. Desempenho muito diferente do que ele vem tendo como volante do Palmeiras.

O apelido "Trem" tem a ver com Fagner

Quem segue Zé Rafael nas redes sociais já notou que o jogador às vezes usa a hashtag "ehotrem" quando posta fotos suas em campo. Tudo isso começou por causa de uma dividida com Fagner, lateral do Corinthians.

"Os meninos já vinham cantando uma música e dizendo que eu era um trem, pelo jeito que chego nos adversários. Até que na final do Paulista de 2020, houve uma dividida com o Fagner, e na foto mostra que estou passando por cima dele, mesmo. Ali, eu postei aquela foto e coloquei a hashtag. E a torcida gostou, porque não gosta muito do Fagner, né?", diz ele.

Naquela partida, aliás, Zé atuou como um falso ponta-esquerda. "O Vanderlei pediu para eu ficar ali só para impedir o jogo do Fagner, para travá-lo", conta. "Era na ponta, mas como um jogador de marcação", explica.

O tornozelo machucado e o estilo dos companheiros

Zé vem atuando com dores no tornozelo há mais de um ano. Em 2020, quando começou a viver o seu então melhor momento e lesionou o tornozelo direito, o jogador decidiu se submeter a injeções de corticoides para seguir jogando. Os analgésicos mascaram a dor, mas não tratam o problema, que só se resolve mesmo com um mês e pouco de descanso. Muito longe dos nove dias de folga que ele teve no começo do ano.

"E com o nosso calendário, em um mês, você perde muitos jogos. Faço fortalecimento todo dia, mas só vou resolver quando puder parar mesmo", afirma. "Eu nunca jogava com proteção extra, só a meia. Hoje em dia, não tem um jogo em que eu não precise colocar algo a mais para estabilizar e proteger", diz.

Perder jogos é perder espaço, algo que quase nenhum jogador do Palmeiras pode se dar ao luxo de fazer, muito menos os volantes, posição em que seis jogadores brigam por duas vagas. E Zé Rafael tem um papel diferente quando atua com cada um deles.

"Com o Felipe [Melo] e o Danilo, eu tenho mais liberdade para chegar, porque são os caras que tem a marcação como maior característica. Com o Patrick, tem que ser mais dividido, porque ele gosta de chegar para finalizar, tem que saber a hora de ir pra não ficar muito exposto. É o mesmo com o Gabriel [Menino] que gosta de fazer ultrapassagem pelo lado. Já o Danilo Barbosa faz passagem por dentro", explica. "No fim, muda só a característica do atleta, mas na nossa equipe, todos se conhecem bem e isso facilita para jogar com qualquer companheiro", afirma.

Ao que parece, Zé não precisa se preocupar muito com a disputa. Foi titular nos últimos seis jogos do Palmeiras e tudo indica que continuará assim na partida de quarta-feira, contra a Universidad Católica, no Allianz Parque.

"Não podemos ter só tocadores de piano. Uma orquestra também tem jogadores que tocam bumbo", disse Abel Ferreira, ao falar do jogador. E no Palmeiras do técnico português, Zé Rafael, o ponta que virou o principal volante do time, vem batucando com afinação de violinista.