Médico é punido e se demite após cobrar vacinação de técnico do Caxias
O médico Rafael Lessa foi proibido de participar dos jogos do Caxias-RS após cobrar publicamente a vacinação contra a covid-19 do técnico Rafael Jaques, que vinha se recusando a tomar o imunizante. Indignado com a punição, o intensivista e responsável pelo protocolo contra a covid no clube acabou pedindo demissão.
"Eu me importo muito com o Caxias", disse ao UOL Esporte o médico de 38 anos, que também é professor universitário. "O umbigo da minha filha de 3 meses está enterrado no meio campo do Caxias. Não é que eu queira o mal do clube. Mas sou médico intensivista, eu sei o que passamos na pandemia, com todo mundo morrendo. Não posso admitir que eu seja o exemplo do negacionismo."
O treinador Rafael Jaques, que comanda a equipe classificada às oitavas de final da Série D do Brasileiro, chegou a ficar internado com a doença por cinco dias em agosto. Na época, a assessoria do clube informou que ele tinha escolhido não se vacinar, mesmo sendo elegível por sua idade, 45 anos. Na mesma semana, o Caxias viveu um surto de covid, que afastou oito pessoas, entre jogadores e membros da comissão técnica.
Depois de se recuperar, ele passou a desdenhar dos questionamentos sobre sua imunização, de acordo com o médico. Um dos argumentos era o de que ele seria saudável e preferia que outras pessoas se vacinassem antes.
O intensivista afirma ter cobrado diversas vezes que a direção obrigasse o profissional a se vacinar. "Ele se negava a vacinar e ponto final. Se considerava muito bem de saúde. E debochava da imprensa, deixava transparecer esse desdém nas entrevistas", disse o médico, que estava no clube desde 2015.
Segundo ele, a postura era um ponto fora da curva no Caxias, que teve grande adesão vacinal entre os profissionais. "Se pensarmos em partidarismo político, nós temos atletas bolsonaristas e no primeiro dia da vacina do cara, ele foi lá e tomou", afirmou Lessa, se referindo aos discursos antivacina do presidente Jair Bolsonaro.
Após ser pressionado pela imprensa e pelo médico, o treinador acabou se vacinando no dia 14 de setembro, conforme divulgou em uma entrevista na semana passada.
Quatro dias antes, porém, ao ser questionado durante outra entrevista se já havia se vacinado, o treinador preferiu não responder à pergunta e disse apenas: "Próxima". Em nota, o médico considerou essa postura um "show sobre a vacinação". Lessa também disse que o técnico não informou ao departamento médico que já havia se imunizado.
Depois disso, sem saber que o treinador havia tomado a dose, o médico publicou um texto no Twitter cobrando sua vacinação. "Infelizmente, não é possível pegar a mão ou a orelha de um adulto e levá-lo ao posto de vacinação, mesmo que este esteja a poucos metros do campo de trabalho", escreveu ele.
"Engana-se quem acredita que não vacinar é uma resposta ao confronto social ou uma medalha de honra que será exibida e compartilhada em jornais e rádios, muito pelo contrário, você se torna mau exemplo, criticado, e impregna erradamente a sua ideologia imbecilizada aos que formam o seu time de trabalho."
Após a publicação do texto, ele foi procurado pelo presidente Paulo Cesar Santos e pelo vice do departamento médico. Os cartolas teriam afirmado que Jaques e o gerente de futebol haviam determinado seu afastamento dos jogos da equipe. Indignado, o médico resolveu se demitir.
Procurada, a assessoria de imprensa do Caxias confirmou o pedido de demissão de Rafael Lessa e afirmou que "as decisões tomadas pela S.E.R. Caxias sempre são priorizando os maiores e mais sagrados interesses da Instituição, acima de qualquer outro interesse de cunho pessoal de quem quer que seja."
O médico afirmou que tem "grande carinho" pelo presidente Paulo Cesar Santos e que entendeu a decisão de não contrariar o técnico, principalmente após a vitória nos pênaltis contra a Portuguesa no último fim de semana, o que garantiu ao time gaúcho nas oitavas de final da Série D.
Leia a nota do médico Rafael Lessa
Caxias do Sul, 23 de Setembro de 2021
Nota à Imprensa
Assunto: Rafael Jacques proíbe que o médico do S.E.R. Caxias que o cobrou da vacina faça jogos pelo clube.
Fui comunicado, no final da tarde desta quarta-feira (22/09), pelo presidente e pelo vice presidente do Departamento Médico da S.E.R. Caxias, que foi exigido pelo gerente de futebol e pelo técnico, Rafael Jacques, que eu não realizasse mais jogos pelo clube.
Na verdade, nas palavras do Paulo César, a quem nutro respeito, carinho e amizade, foi dito: "Eles me chamaram no quarto do hotel, viram sua postagem com a cobrança e disseram que não querem mais que você faça os jogos. Disseram que você pode continuar a trabalhar no clube e até frequentar o vestiário se for da sua vontade, mas que fazer jogos não".
Aqui, lembro que, desde fevereiro de 2015, tenho participado de todas as campanhas do clube sem qualquer retorno financeiro, nem mesmo com o fornecimento de material esportivo (roupas), as quais eu compro na loja Bravo35. Isto é, qualquer despesa com passagem aérea, hospedagem, gasolina ou roupas, foram custeadas por mim em virtude de uma dedicação ao clube ao longo destes anos. Dedicação esta que não recebe, neste momento, qualquer consideração por parte da direção que aceita os mandos e desmandos daqueles que solicitaram a minha ausência.
Ressalto ainda que, em especial, desde o retorno das atividades esportivas, quando redigi, de próprio punho, o protocolo do clube para retomada do futebol, tenho sofrido, calado, "engolindo sapos", as mais variadas ofensas ao meu trabalho quando a decisão médica contraria aqueles que comandam o futebol. Deixo claro que são decisões médicas de caráter técnico e nunca de cunho pessoal. Relembro, por último, que fomos o primeiro clube do interior gaúcho a redigir tal documento e que fomos amplamente elogiado por seu conteúdo.
Contextualizando o momento, ele tem início no diagnóstico de Covid19 do treinador Rafael Jacques, no início do mês de agosto. Naquele tempo, se tornou pública que tal profissional tinha optado por não se vacinar e, desde então, esta polêmica tem sido uma constante no dia a dia do clube e na sua relação com a impressa, com falas recheadas por sarcasmos. Infelizmente, o Sr. Rafael Jacques, necessitou de internação hospitalar, como é de conhecimento público. A partir deste momento, um calvário se formou e, mesmo que outro médico possa atestado o contrário, fui extremamente questionado por seguir a Nota Técnica GVIMS / GGTES / ANVISA N 07/2020, que classifica em gravidade e determina o prazo de isolamento dos pacientes com Covid 19. A determinação, com base em tal documento e no perfil de sua internação, de que o treinador deveria ampliar o isolamento até completar 20 (vinte) dias foi recebia como uma afronta ou um desejo de prejudicar a equipe.
Fui rigoroso sim, enfrentei (a palavra é esta mesmo: enfrentar - por que fui chamado até para briga, além de ter sido caracterizado com os adjetivos de mais baixo calão) quando me sugeriram não respeitar as diretrizes de saúde pública. É de conhecimento público que a S.E.R.
Caxias possui inúmeros respeitosos médicos no seu departamento; assim como é de conhecimento público que eu, Rafael Lessa Costa, era o responsável por todo assunto relacionado aos cuidados em virtude da pandemia. Por isso, assumi toda a responsabilidade, expus o correto e tenho sido julgado por isto.
Desde aquele período, as minhas cobranças se tornaram constantes em relação à imunização, entretanto, parecem nunca terem sido levadas a sério por quem tem o poder de cobrar o funcionário do clube. Na última semana, o presidente do clube, Paulo César, em entrevista, disse que o assunto "imunização do Rafael Jacques" estava a cargo do departamento
médico. Ora, mesmo com todas as cobranças, inclusive na semana anterior, ainda estava a cargo do departamento médico que nada podia fazer além de pedir. A direção do clube, sim, tinha o poder de cobrar de forma mais enfática.
A cronologia da história deixa claro que, somente após o meu desabafo público, no Twitter, é que o Sr. Rafael Jacques decidiu parar de dar show sobre a vacinação, com respostas do tipo "próxima", quando já tinha se vacinado e escondeu isto, até mesmo, do departamento médico do clube. Ressalto, a minha postagem somente ocorreu depois de longo período em que eu vinha cobrando um posicionamento tanto do presidente do clube, Sr. Paulo César, quanto do gerente de futebol, Sr. Ademir Bertoglio, sobre o assunto - o que não fizeram e permitiram que o treinador se comportasse de forma inadequada em entrevistas, dando exemplo público do que não fazer.
Reforço que são estes exemplos e entrevistas como aquelas que acostumamos a escutar nos últimos meses após os jogos que afasta não somente o sócio da S.E.R. Caxias, mas investidores e patrocinadores, porque expõe um ambiente descontrolado.
Por cobrar neste momento em que um técnico tomou a direção do clube em suas mãos em virtude da classificação do último sábado, fui proibido, conforme solicitação do Sr. Ademir Bertoglio e do Sr. Rafael Jacques, com a concordância do presidente do clube, Sr. Paulo César, de participar dos jogos; sendo me dado a opção de "frequentar o vestiário" caso fosse meu desejo.
A partir do momento que o meu trabalho passa a ser questionado, a partir do momento em que eu corro o risco de deixar de ser exemplo aos meus alunos e residentes, chega a hora de tomar uma medida mais ríspida, como foi o texto publicado no Twitter e, hoje, de me desligar do clube.
A partir do decepcionante posicionamento da direção do clube, quando, mais uma vez se acovarda diante do correto, desligo-me da S.E.R. Caxias. Acredito que o futebol é importante, mas não a ponto de precisar deixar seus princípio e valores de lado. Se para chegar lá você precisa prejudicar outra pessoa, já está completamente perdido. Você até se torna um ótimo jogador, treinador ou dirigente, mas é um ser humano desprezível. Eu não fui criado para ter meu caráter e minha honra questionados quando luto pelo correto.
Cordialmente,
Rafael Lessa Costa
Leia a nota do Caxias
Referente a Nota à Imprensa tornada pública pelo Dr. Rafael Lessa Costa.
A S.E.R. Caxias esclarece que:
1º) O Departamento Médico da S.E.R. Caxias é comandado pelo Vice-Presidente Médico Dr. Aloir Neri de Oliveira;
2º) A não continuidade do Dr. Rafael Lessa Costa é uma decisão pessoal dele;
3º) A gestão do Departamento Médico da S.E.R. Caxias, comandada pelo Dr. Aloir Oliveira, tem ao longo de muitos anos prestado inestimáveis serviços à S.E.R. Caxias, portanto, tem todo o respaldo da Direção na condução do Departamento Médico, seja em decisões clínicas, seja em decisões administrativas.
4º) As decisões tomadas pela S.E.R. Caxias sempre são priorizando os maiores e mais sagrados interesses da Instituição, acima de qualquer outro interesse de cunho pessoal de quem quer que seja.
Dr. Aloir Neri de Oliveira
Vice-Presidente do Departamento Médico
Paulo Cesar dos Santos
Presidente da S.E.R. Caxias
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