Topo

Internacional

Aguirre elogia onda de técnicos de fora, mas avisa: "sou metade brasileiro"

Diego Aguirre, técnico do Inter, aceitou oferta antes mesmo de analisar detalhes - Ricardo Duarte/Inter
Diego Aguirre, técnico do Inter, aceitou oferta antes mesmo de analisar detalhes Imagem: Ricardo Duarte/Inter

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

24/09/2021 04h00

O Brasileirão está repleto de treinadores estrangeiros. Oito já passaram por times da Série A desde o início da disputa. Mas um deles não se sente de fora no país. O uruguaio Diego Aguirre, treinador do Internacional, já morou em três cidades, em seis oportunidades diferentes no Brasil. "Metade brasileiro", como ele mesmo diz, o técnico falou, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, que aceitou a oferta do Colorado antes mesmo de ver os detalhes, tudo pela identificação com o clube.

"Quando eu recebi a proposta do Inter, falei: 'Vou'. Antes de falar de qualquer coisa, dinheiro, nada", assim Aguirre começou a explicar a segunda passagem no reservado vermelho. Ele já tinha comandado o time em 2015, conquistado Gauchão, caído apenas na semifinal da Libertadores, e perdendo o emprego em uma decisão questionável da diretoria da época.

Mas a ligação ao Colorado não fica apenas no comando. Diego foi atacante do Internacional entre 1988 e 1989. "Estou em casa no Inter. Estou integrado, perto da minha casa no Uruguai, da família, conheço a cidade há muito tempo, tenho muitas lembranças, bons amigos, a torcida sempre me tratou com muito respeito. São coisas que eu valorizo muito. A proposta veio, a decisão já estava tomada", completou.

Aguirre vive sozinho na capital gaúcha. A família ficou no Uruguai e visita o treinador eventualmente. No pouco tempo livre que a rotina do futebol autoriza, ele se divide entre alguns jantares, caminhadas, academia. "Me sinto feliz com o trabalho. Para mim, ficar quatro, cinco, seis horas no clube trabalhando em coisas sobre o time me faz feliz", contou.

Mais brasileiro dos estrangeiros

Diego Aguirre, 56, foge ao padrão de treinadores de fora do país. Normalmente avessos a entrevistas — alguns não falam nem antes dos jogos — ríspidos, cheios de exigências, os treinadores de outras nacionalidades preferem o isolamento do campo. Diego não. Solícito, educado e calmo a cada manifestação, Aguirre diz entender cada parte do processo do futebol e se sente até "metade brasileiro".

Em 2015 eu era o único estrangeiro no Brasileiro [Osorio assumiu o São Paulo com o campeonato em andamento] e se dizia em programas esportivos que treinadores estrangeiros não dão certo no Brasil, não se adaptam. Era uma coisa que o tempo mostrou que não era verdade. Para mim é muito bom que as portas se abriram para os estrangeiros. Há um intercâmbio cultural de futebol, como acontece na Inglaterra, Espanha e Itália. Por que não no Brasil?"

"Mas eu não me sinto estrangeiro. Já joguei no Brasil [em Inter e São Paulo], comandei três times [Inter, São Paulo e Atlético-MG], morei em São Paulo, Belo Horizonte, em Porto Alegre é minha terceira vez. Me sinto metade estrangeiro, metade brasileiro, essa é a verdade", sorriu.

Como o Inter se recuperou?

"Eu entendo as críticas, tento não ficar chateado, não guardo rancor, entendo que faz parte do trabalho de vocês [imprensa]. E muitas vezes gosto que os jornalistas mudem de opinião. Que algo de ruim vire bom. É isso que eu quero. Que o time fale no campo", disse o treinador no bate-papo com a reportagem. E tal afirmação monta exatamente o cenário que está conseguindo no Beira-Rio.

Quando Diego Aguirre assumiu o time, o Colorado lutava contra a linha de rebaixamento, era criticado por vazar em bolas aéreas, recebia pressão da torcida até com protestos violentos pela conduta dos jogadores, Edenilson e Guerrero chegaram a admitir a intenção de deixar o clube, até a preparação física era alvo de reclamações. E o dia a dia de hoje não lembra em nada a tempestade que passou.

Diego Aguirre, técnico do Inter, em sua segunda passagem pelo clube - Ricardo Duarte/Inter - Ricardo Duarte/Inter
Imagem: Ricardo Duarte/Inter

"Você sabe que quando os times mudam de treinador é que alguma coisa não está bem. Havia muitas críticas, se falava que o time não tinha personalidade, que defensivamente estava muito mal, que era psicologicamente abatido, muitas coisas ruins. Pouco a pouco fomos melhorando, passamos confiança para os jogadores. Hoje o time é organizado, luta muito, acredita, e estamos evoluindo a cada jogo", disse.

São sete partidas de invencibilidade no Brasileirão. Há quase dois meses sem conhecer derrota, a equipe está firme na briga por uma vaga na próxima Libertadores. Lutar contra o rebaixamento — a realidade na chegada de Aguirre — passa longe da pauta do Colorado atualmente.

"É verdade que havia algumas dificuldades de pressão, os jogadores não estavam muito felizes [quando chegou ao clube]. Mas são coisas que acontecem. Sei que peguei um time com dificuldades. Mas sempre achei um elenco muito bom", disse. "O mais importante é que os jogadores voltaram a ter confiança, sentir identificação com seu futebol, passa por aí. O principal que fizemos é com que se sintam felizes novamente", comentou.

Taticamente, a mudança foi nítida. De um time que sofria muitos gols para uma defesa sólida que ficou nove jogos sem ser vazada e o objetivo de crescer na fase ofensiva como próximo passo. "Eu gosto de construir meu time de trás para frente. Tem que segurar, fechar, não levar gols, para as coisas acontecerem. É verdade que recebemos algumas críticas e sei que temos que melhorar na construção do jogo e na fase ofensiva. Mas as críticas defensivas, sobre emocional, já não se fala mais, ficou para trás", pontuou.

2015 e as marcas do passado

A passagem pelo Inter em 2015 ainda traz lembranças para Diego Aguirre. Um bom trabalho interrompido de forma abrupta por problemas que não diziam respeito diretamente ao campo. A direção da época, cujo presidente era Vitório Píffero, criticava publicamente o treinador e não deu respaldo para sequência. Aguirre foi demitido em agosto. No ano seguinte, o Inter foi rebaixado para Série B. Anos mais tarde, a gestão da época foi excluída do clube por gestão temerária e é alvo de ação do Ministério Público.

Diego Aguirre, técnico do Internacional, durante partida no Beira-Rio - PEDRO H. TESCH/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO - PEDRO H. TESCH/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: PEDRO H. TESCH/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

"É verdade que se interrompeu um trabalho que foi bom. Sabemos que no Brasil é assim, se interrompe muitas vezes o trabalho. Eu sentia que tinha muito a dar ainda. Recomeçamos neste ano o que deixamos há seis anos. O caminho é longo, temos muitas coisas pela frente, mas pensamos e acreditamos em fazer um bom ano", contou.

"A demissão... Nós estávamos muito iludidos de ganhar aquela Libertadores [o Inter caiu na semifinal contra o Tigres, do México]. Eu senti que era injusto porque o ano tinha sido bom. Mas eu não gostaria de falar do que aconteceu depois. São coisas feias, tristes", acrescentou.

Modelo de jogo e futuro

Diego Aguirre assinou com o Colorado até o fim de 2022. Hoje, se vê mais maduro, experiente e pronto para dar continuidade ao trabalho que tinha ficado interrompido em 2015, mas foi retomado. E mira solidificar um modelo de jogo que traga a essência do Inter vencedor de novo ao gramado.

Não existe nada melhor que a experiência. A experiência não se compra, você tem que viver para pegar. Depois do Inter eu estive em grandes clubes. San Lorenzo, São Paulo, Atlético-MG... No Qatar se amadurece muito também como pessoa. Hoje meus filhos estão maiores, eu estou mais calmo, aprendi a conviver melhor com a pressão, e não tenho dúvida que sou melhor treinador."

"Obviamente, temos muito a melhorar dentro do nosso modelo de jogo. Eu gostaria que o Inter jogue melhor. Os jogadores não tiveram dificuldades de entender nosso modelo porque é um modelo identificado com o Inter. Joguei no Inter, treinei o Inter, e isso facilitou muito", continuou.

"Hoje o clube vive uma realidade diferente [de 2015]. Eu sei que não podemos fazer grandes contratações. A parte financeira é importante, e o Inter tem dificuldades. Mas a direção me disse isso lá no começo, eu sempre soube que seria assim. Peguei o time e sabia o que aconteceria. Eu me adapto ao momento do Inter e tento ajudar colocando os jovens para jogar. Obviamente que alguma contratação vamos fazer. O que não muda é o objetivo de ser protagonista. O Inter é um clube gigante que deve sempre estar olhando para cima", finalizou.

Internacional