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Série B - 2021

Cartola admite ofensa a Celsinho. O que cada um disse no julgamento do STJD

Caso de racismo contra Celsinho, meia do Londrina, foi julgado hoje pelo STJD - Marcos Zanutto/AGIF
Caso de racismo contra Celsinho, meia do Londrina, foi julgado hoje pelo STJD Imagem: Marcos Zanutto/AGIF

Colaboração para o UOL, em Santos (SP)

24/09/2021 17h17

O presidente do Conselho Deliberativo do Brusque, Júlio Antônio Petermann, admitiu durante julgamento do STJD realizado hoje (24), em sessão virtual, que se irritou e ofendeu o meia Celsinho, do Londrina, durante partida da Série B que ficou marcada por episódio de racismo. Ele pediu desculpas ao jogador e alegou que a expressão "cachopa de abelha" é comum em sua região.

"Na realidade, o que aconteceu é que eles estavam entre o banco e o alambrado se aquecendo e ali e estavam xingando o Brusque. Teve uma hora em que me irritei e realmente proferi 'cachopa de abelha vai jogar bola'. Isso foi um momento inadequado, onde o jogo estava quente, o pessoal xingando a gente", disse Júlio Antônio durante o julgamento do STJD.

"Queria aproveitar e pedir desculpas, se eu realmente o ofendi, e a todo o pessoal que eu possa ter ofendido. De maneira nenhuma eu quis ofender e não imaginei que pudesse dar essa confusão toda. Nessa região é muito comum chamar pessoas assim (sic) de cachopa de abelha. Jamais iria proferir isso para ofender o Celsinho ou qualquer outra pessoa", acrescentou.

Celsinho relembrou o episódio em que encontrou o filho chorando e disse que o tom usado pelo dirigente foi de raiva.

"É pesado e constrangedor eu ter que dar satisfação ao meu filho mais velho, de 14 anos, que entende mais, que as pessoas ainda usam esse tipo de crime. O maior peso, onde realmente me machucou emocionalmente, foi pelo lado familiar, ver minha esposa chorando, meu filho chorando, meu filho mais novo sem entender e eu tendo que explicar que ele não tem que aceitar isso", afirmou.

"É por isso que eu vou até o final nesses casos, justamente por isso, por mexer com meu lado familiar. Em nenhum momento eu vou ao estádio pedir que as pessoas me insultem. O tom que ele usou foi de raiva, mas o que me incomodou mais foi que ele se sentiu muito confortável em falar isso, como se de fato ele tivesse atingido o que queria, como se fosse algo prazeroso e conseguiu, porque eu fiquei fora de mim", acrescentou.

O meia reforçou ter ouvido claramente a palavra "macaco" vindo das arquibancadas e disse que não relatou ao árbitro para não apontar uma pessoa errada. Posteriormente, o Londrina postou vídeo em que é possível ouvir a palavra.

"A expressão 'macaco' foi no início do segundo tempo, quando saímos do banco de reservas para aquecer, foi onde saiu a palavra macaco, isso eu ouvi bem alto e claro. Só não relatei para não apontar uma pessoa errada. Quando eu fiz a primeira denúncia foi no intervalo do primeiro tempo e o macaco foi no início do segundo tempo e eu confirmo isso ao final da partida quando o repórter me faz a pergunta", declarou Celsinho, que também comentou a nota em que o Brusque o critica e tenta desqualificá-lo.

"Eu não sei o que eu ganho com isso, onde esse 'oportunismo' vai me levar, porque eu não quero meu rosto vinculado de minuto a minuto nas mídias sociais, como se eu fosse um bandido. Eu não vejo como posso ter oportunismo nisso. Eu vou para o estádio para fazer meu trabalho, não peço para ninguém me xingar e aquela nota foi absurda, me tirar de vítima para me incriminar, isso foi ridículo", completou.

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) condenou o Brusque à perda de três pontos na Série B e multa de R$ 60 mil. O dirigente foi condenado a 360 dias de suspensão, além de ter de pagar multa de R$ 30 mil.

Veja os principais trechos do julgamento:

Osvaldo Sestário, advogado do Brusque e do dirigente

"O Brusque não é totalmente o Senhor Júlio, o clube é formado por copeiras, dirigentes, torcidas, atletas brancos e negros. Também louvo a coragem e atitude do Senhor Júlio que poderia negar e não fez. Sei que não é fácil o que o Celsinho passou, mas temos que levar em consideração a conotação que o dirigente quis dar. Uma decisão de um caso desse atinge a todos, porém uma ação isolada pode fazer com que toda a coletividade sofra. O grito foi audível e se fosse a palavra macaco alguém se manifestaria. Ninguém se manifesta e isso tem que ser levado em consideração. Que seja descartada a palavra macaco. Temos que analisar o processo como um todo e a cachopa de abelha nem sempre é uma ofensa. O Senhor Júlio confessa e fala que não sabia que tinha cunho racista. Juntamos laudo linguístico e perícia, mas acho que ficou claro. O fato é grave, sim, é grave, mas temos que analisar o contexto. O artigo fala em considerável número de pessoas. Se não houver o parágrafo primeiro não se pode aplicar o parágrafo terceiro. O Brusque não pode pagar por um ato isolado de seu dirigente. Peço que absolvam o Brusque do artigo 191 e no 243-G. O Senhor Julio confessou e que seja dado uma dosimetria de pena, mas que não pegue ele para Cristo."

Eduardo Vargas, advogado do Londrina

"Apenas trazer umas questões que merecem atenção. Nós vivemos, infelizmente, em um país impregnado de atos racistas. Estamos expostos a um racismo estrutural e no desporto não é diferente. Essa questão foi amplamente debatida nessa tarde, mas separamos essa situação e dois aspectos distintos. Entendemos que o laudo não serve uma vez que a perícia não identificou a palavra cachopa e que foi confessada. O termo cachopa foi confessado e foi dito de maneira rude, ofensiva e com o intuito de causar desconforto e teve objetivo de injúria racial e não pode se falar em capitulação diferente. O vídeo é audível que ocorreu sim a palavra macaco e o atleta foi claro ao dizer que não conseguiu identificar [quem falou]. Cada parágrafo do artigo fala uma coisa e a conduta do Brusque foi grave quando tentou intimidar a vítima na nota oficial. Na nossa concepção, o parágrafo terceiro tem, sim, que ser considerado e o clube punido para que sirva de paradigma e que outros racistas tenham medo de cometer atos dessa natureza. A Fifa tem agido dessa forma e puniu essa semana a Hungria de forma severa."

Auditor João Gabriel Maffei, relator do processo

"Considero incontroversos os fatos em razão da confissão do denunciado. Houve ato discriminatório em razão da raça e cor? Sim, uma pessoa branca ofendeu o cabelo de um jogador negro. Jamais o jogador seria chamado assim se fosse branco. O objetivo foi atingir e ofender o jogador. Afirmo que o denunciado tinha ciência das histórias anteriores sofridas. A provocação trazida pela defesa não pode legitimar um revide em ato discriminatório. Refuto também a defesa que a cachopa de abelha tinha o contexto cultural e sim de ofensa e ridicularização. Muito me entristece saber que os filhos do Celsinho chegaram às lágrimas e deve ser muito difícil sofrer um ato discriminatório. Se o dirigente não for punido à altura, com que moral poderemos exigir a conduta dos torcedores? Voto pelo afastamento por 360 dias e multa de R$ 30 mil ao dirigente Júlio."

Auditor Vanderson Maçullo

"Primeiro caso que vejo um dirigente de um clube praticar uma injúria racial. Esse se valeu da condição de dirigente para estar na partida. Ser dirigente traz um caráter de institucionalidade ao caso e não vejo como não configurar a responsabilidade do clube."

Auditor Eduardo Mello

"O que foi dito é de extrema gravidade. Pra mim, um ato de racismo teria eu ter o banimento perpétuo. Acompanho o relator na pena ao dirigente de suspensão e multa. O Brusque soltou uma primeira nota querendo condenar o ofendido e isso mostra a responsabilidade do clube. O Brusque não foi atrás para punir o ofensor e não agiu contra a infração e isso mostra a extrema gravidade do fato. Acompanho integralmente o relator na multa de R$ 60 mil e a perda de três pontos ao Brusque."

Auditor Gustavo Caputo

"Não são torcedores naquilo que quis dizer o código no parágrafo segundo. Confesso minha dificuldade em acompanhar o relator nesse parágrafo por não ficar demonstrado que além do dirigente outros torcedores ou dirigentes tenham também participado dessa ofensa racial. A palavra macaco ficou muito clara pra mim, mas lamentavelmente a pessoa não foi identificada. Deixo de aplicar o parágrafo segundo, mas acompanho na pena do dirigente e na perda de pontos ao Brusque. Toda vez que a discriminação de cor bater na porta da Justiça Desportiva ela tem que ser apenada com muito rigor."

Auditor Otacílio Araújo, presidente da Quinta Comissão

"Por qual motivo vamos discriminar um atleta pela sua cor? Isso é inconcebível pra mim. Temos que evoluir. O dirigente disse estar afastado, mas está falando do clube. O clube ainda soltou uma nota bizarra. Infelizmente, não tenho como tirar uma vírgula do voto do relator. Vamos acabar com isso, vamos acabar com gritos homofóbicos. Hoje isso é inaceitável e não cabe mais."