Brasileiro do Sheriff torceu para pegar PSG e quer mata-mata na Champions
Zebra? Só se for para quem não conhece o Sheriff Tiraspol, time de um "país inexistente" que lidera o grupo D da Liga dos Campeões da UEFA. Após vencer o Real Madrid no Santiago Bernabéu e chocar o mundo da bola, a equipe quer chegar ao mata-mata da maior competição de clubes da Europa. É o que garante o lateral brasileiro Fernando Costanza, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
"Tem gente que não conhece tanto e não se informa, que acha que é saco de pancadas, vai ser zebra, mas nós sempre sabíamos que era possível. Agora que vencemos o Real Madrid no Santiago Bernabéu, chamamos a atenção e as pessoas abriram os olhos. A gente quer mais. Almejamos uma vaga nas oitavas e vamos em busca disso", disse o jogador revelado pelo Botafogo.
Na teoria, o Sheriff é o representante da Moldávia na competição europeia. Mas na prática, Tiraspol, cidade do clube, é a principal cidade da Transnístria, uma região que se declarou independente do país após uma guerra no início dos anos 1990. Fundado em 1997, o clube é o principal símbolo esportivo nacional, e está fazendo história em 2021.
Mas nem a Rússia, que apoiou a Transnístria com suas tropas no conflito, reconhece a independência do "país". Muito menos a Moldávia, a Organização das Nações Unidas (ONU) ou a Uefa. A Transnístria possui uma "soberania nacional", com bandeira, forças armadas, banco central, lideranças políticas e até uma alfândega própria. Hoje adaptado e com elogios ao país, o próprio Fernando se surpreendeu ao chegar.
"Por causa dessa situação separatista, a gente passa por duas 'imigrações'. Apresenta os documentos para as autoridades da Moldávia, e aí precisa apresentar um monte de outras coisas para as autoridades da Transnítria também. Precisa ter tudo, eu não esperava, por sorte estava tudo certo com a ajuda do clube e dos agentes. É documento e carimbo para caramba, e a língua é muito difícil, ainda mais na chegada [risos]", lembra o lateral.
Também por isso, os moldavos não são tão próximos do clube, embora venham das principais cidades do país para acompanhar os jogos do Sheriff nas competições europeias.
"O futebol é o esporte que eles mais acompanham. A torcida faz bastante festa nos nossos jogos, muita gente vem da Moldávia para ver nossos jogos nos estádios. Quando viemos da capital [Chisinal] para Tiraspol, todos que passavam pelo nosso ônibus, que é personalizado, buzinavam, acenavam, comemoravam. Chegamos de madrugada, as ruas estavam com pouca gente, mas as pessoas no aeroporto e na rua vibravam com a gente, foi bem legal", conta Fernando.
Surpresa no Bernabéu
Invicto na fase de grupos da Champions, o grande feito do Sheriff foi mesmo calar o Estádio Santiago Bernabéu. Na histórica vitória sobre o Real Madrid, Fernando Costanza foi quem mais roubou bolas. O lateral teve a missão difícil de marcar Vini Jr, que já conhecia dos tempos de clássicos no Rio de Janeiro.
"Ele é um grande jogador, vai sempre para o um contra um, busca muito o drible. Precisa ficar sempre atento e tirando os espaços dele. Deu tudo certo, meu jogo individual foi bom, o coletivo da equipe funcionou, foi uma noite muito especial", conta.
Se Fernando preferiu a "diplomacia" e elogiou o atacante do Real e da seleção brasileira, a internet não perdoou a má atuação do ex-Flamengo no confronto. A torcida do Botafogo entrou na brincadeira e aproveitou para criar memes com o ex-lateral alvinegro.
Em campo, a vitória do Sheriff ficará para sempre na história. Mas a ficha demorou alguns dias para cair. O sonho realizado por Fernando só ficou factível já de volta à Transnístria.
"A gente pensa, mas demora um pouco para cair a ficha. Já é um sonho realizado jogar contra o Real Madrid no Santiago Bernabéu em uma Champions League. Chegar e vencer ainda, surpreendendo, ainda mais na primeira participação do Sheriff na competição, é muita coisa para processar. A ficha só foi cair hoje [quinta], dois dias depois do jogo, quando nos reunimos no clube, li notícias. Até o dia seguinte, ainda estava parecendo que era um sonho", admite.
Moleza? Time torceu para pegar o PSG
Antes mesmo de desbancar o Real Madrid fora de casa, o elenco do Sheriff Tiraspol mirou em grandes desafios. Durante o sorteio da fase de grupos, já classificado após eliminar Teuta Durrës, da Albânia, Alashkert, da Armênia, Estrela Vermelha, da Sérvia e Dínamo Zagreb, da Croácia, os jogadores queriam enfrentar o Paris Saint-Germain de Messi, Neymar e Mbappé.
"Quando rolou o sorteio, nós queríamos enfrentar esses grandes times, esses caras, porque é a graça de disputar o melhor torneio de clubes do mundo. Queríamos o PSG, quem sabe nas oitavas de final. Enfrentar Messi, Neymar, Mbappé, seria muito legal, um sonho, sem sombra de dúvidas. Todos os jogadores do nosso time queriam. E ficamos felizes que tinha Internazionale, Real Madrid e Shakthar Donetsk no nosso grupo", conta o jovem de 22 anos.
Agora mirando o mata-mata, Fernando lembra que poucos meses atrás, jogava contra as mesmas estrelas do futebol europeu. Só que no videogame.
"É diferente, são jogadores que a gente se acostuma a ver na TV, no videogame, e de repente, estamos enfrentando em campo, num jogo de Champions League. Marcar Benzema, Modric, Casemiro... A gente acredita, claro, mas é um sonho também. Na hora que estamos em campo, entretanto, são 11 contra 11, como mostramos no jogo. Não só nos realizamos de jogar uma Champions League, mas de vencer um grande rival".
Idioma difícil, frio e "resenha" sul-americana
Desde fevereiro na Transnístria, Fernando Costanza ainda não sabe o que é perder em campo. O lateral direito está invicto com a camisa do Sheriff Tiraspol e vivendo bem. De difícil, o inverno rigoroso e o idioma russo —a Moldávia fala romeno, mas a maioria da população da entidade autônoma utiliza a língua do país vizinho.
"Minha adaptação foi bem tranquila. Não tenho muita dificuldade para me adaptar. Até gosto pela experiência. De ruim, só o frio. Pegou bastante quando cheguei, no inverno, chegou a fazer -15 graus Celsius. O idioma é difícil, mas tem os tradutores —Fernando fala inglês, francês e "arranha" espanhol— e os brasileiros, então, está sendo bem legal viver aqui", conta.
Em campo, a comunicação na defesa é mais simples, já que o lateral esquerdo Cristiano é brasileiro, e os zagueiros são o colombiano Arboleda e o peruano Dusanto. O "portunhol" serve para os ajustes. Nos treinos com o ucraniano Yuriy Vernydub, entretanto, o inglês e o "dialeto universal" da bola precisam entrar em ação. Já fora das quatro linhas, os sul-americanos se unem para a resenha.
"Nos encontramos muito fora de campo, não só os brasileiros, mas tem outros sul-americanos. A gente está sempre junto, com as famílias, fazemos as coisas junto. Pior que tem resenha [risos]. Pelo idioma, você fica mais próximo de quem você consegue entender melhor. Os sul-americanos ficam mais junto, mas os africanos gostam da resenha, os europeus chegam também quando percebem que está engraçado, a gente se entende, está dando certo", contou.
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