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Brasileiro interrompe carreira na Europa para cuidar do filho com câncer

Patrick Maia e o filho Lucca, de dois anos, que faz tratamento contra o câncer - Arquivo pessoal
Patrick Maia e o filho Lucca, de dois anos, que faz tratamento contra o câncer Imagem: Arquivo pessoal

Ana Flávia Oliveira

Do UOL, em São Paulo

13/10/2021 04h00

O atacante brasileiro Patrick Maia, de 32 anos, pode finalmente respirar aliviado. Ele sabe que não venceu a guerra, mas cada batalha ganha é motivo de comemoração na família. É que seu filho Luca, de apenas dois anos, teve alta na última sexta-feira (9), depois de 45 dias internado em um hospital de Sutton, no sul de Londres, onde faz tratamento para o câncer.

Em abril deste ano, o menino foi diagnosticado com neuroblastoma, um tipo de câncer que atinge as células do sistema nervoso simpático, que faz parte do sistema nervoso autônomo, responsável por controlar a respiração, a pressão arterial, o batimento cardíaco e a digestão. No caso do Luca, quando foi descoberto, o tumor já havia desenvolvido metástases nos ossos e no sangue.

Na época, Patrick era jogador do Marsa, time da segunda divisão de Malta e morava no país europeu com as duas filhas — Clara, de 11 anos, e Nina, de 10 anos —, a esposa Tadira e o pequeno Luca. Mas, com a descoberta da doença, tudo mudou.

Patrick interrompeu a carreira para dedicar, ao lado da esposa, 100% dos cuidados ao garoto. A mãe não saiu nenhum dia do hospital, enquanto Patrick, o único que fala inglês na família, chegava todos os dias no local por volta das 8h, e só saia por volta das 22h, para assegurar que tivesse alguém acompanhando todas as explicações e orientações médicas. As meninas tiveram que voltar ao Brasil, já que a família não tem condições de mantê-las lá, e estão com os avós maternos, em Belém.

A ideia é, até o fim do ano, reunir a família novamente. Mas, para isso, é preciso dinheiro. Em entrevista ao UOL, Patrick conta que o tratamento, que pode chegar a 1 milhão de euros (quase R$ 7 milhões, na cotação atual) está sendo custeado graças a uma parceria entre os governos de Malta e do Reino Único.

Isso alivia e muito as coisas, mas o acordo não banca as despesas da família na Inglaterra. O casal tem contado com a ajuda da comunidade brasileira em Malta. Além disso, promove vaquinhas e rifas online para levar as filhas de volta para Europa.

Patrick Maia, a esposa Tadira, as filhas Clara e Nina, e o filho Luca - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Patrick Maia, a esposa Tadira, as filhas Clara e Nina, e o filho Luca
Imagem: Arquivo Pessoal

A gente não pode trabalhar, mas tem que comer, se locomover, se vestir, e está chegando o inverno aqui. É algo que a gente precisa desse suporte para poder seguir com o Luca sem ter um desespero grande além do que a gente já está vivendo."

A ideia é arrecadar R$ 230 mil na vaquinha online. Até esta terça-feira (12), as doações somavam quase R$ 63 mil.

O casal ainda tem recebido a solidariedade de jogadores como Thiago Silva, do Chelsea e da seleção brasileira. O zagueiro doou uma camiseta do time inglês autografada pelos companheiros, mas Patrick já disse que essa ele vai guardar para o filho.

"O Luca ainda não entende a grandeza que é um Thiago Silva. Mas quando estiver maior, pode ter certeza, que ele vai ver um dos melhores e maiores zagueiros do futebol. Imagina se eu rifo uma camisa dessa, e o Luca vira fã de futebol no futuro. Ele me bate. Vou fazer um quadro e colocar no quarto dele", planeja o pai.

Tratamento pode durar pelo menos um ano e meio

A família descobriu a doença depois de uma queda do garoto. Patrick conta que, embora os dois eventos não tenham relação, após o acidente doméstico, Luca perdeu o apetite, o sono e o equilíbrio, acendendo o alerta nos pais.

"Ele sempre foi brincalhão, corria a casa toda, comia bem, dormia bem e só vivia sorrindo. Depois, ele mudou totalmente, começou a não comer mais, a não dormir bem, a ter febre. Tudo que ele tentava comer, vomitava, já não tinha mais alegria. Então a gente começou a se preocupar."

Quando ele e Tadira levaram o filho ao hospital, receberam diagnóstico.

Foi um baque enorme. A gente sempre imagina nossos filhos como os mais fortes, os melhores do mundo, os mais inteligentes. A gente ficou devastado naquele momento e foi algo que demorou alguns dias para cair a ficha. Foi bem difícil de assimilar."

Imediatamente, o garoto foi submetido à primeira etapa do tratamento, que deve durar pelo menos um ano e meio.

Patrick Maia, a esposa Tadira e filho Luca, que faz tratamento contra o câncer em hospital na Inglaterra - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Patrick Maia, a esposa Tadira e filho Luca, que faz tratamento contra o câncer em hospital na Inglaterra
Imagem: Arquivo pessoal

"Ele teve a fase de quimioterapia em Malta, ficou no hospital 93 dias. Só que em Malta, eles não têm o suporte necessário para todo tratamento porque é muito longo e tem algumas coisas que eles não têm lá", explica.

Nesta primeira fase, os médicos esperavam que o tumor, alojado na região do tórax e ligado à coluna, diminuísse em 50% para que ele ficasse apto à cirurgia, que seria realizada na Inglaterra.

"A gente veio [para Londres] para fazer a cirurgia. Mas quando o cirurgião, responsável pelo caso do Luca, viu os exames e não ficou satisfeito com o tamanho do tumor. Tinha que diminuir mais. Foi aí que entraram as doses extras, mais elevadas, de quimioterapia."

Além de atrasar um pouco mais o final do tratamento, que consiste em quimioterapia, cirurgia, radioterapia e redenção (acompanhamento para evitar o retorno do tumor), a aplicação das altas elevadas devastou o sistema imunológico do garoto.

Para a gente, pai e mãe, foram os piores dez dias do tratamento. Foi terrível ver ele na cama, sem força nenhuma porque a imunidade foi totalmente destruída. Ele fez um transplante de células-tronco para recuperar. São muitos sintomas, tem vômito, diarreia, dores pelo corpo, tanta dor que ele ficava direto na morfina."

A fase mais difícil do tratamento até aqui já ficou para trás, e pai e mãe já puderam comemorar mais uma batalha vencida por Luca, que continua voltando ao hospital semanalmente e fazendo exames para que os médicos avaliem se será necessária mais uma rodada de quimioterapia ou ele já está apto para cirurgia.

"A gente está muito feliz com a alta. Podemos respirar um ar diferente do ambiente hospitalar. Nosso alívio foi por ele ter passado por mais uma etapa sem complicações extras, além dos efeitos esperados do tratamento, que é super perigoso, inclusive com risco de morte, e ele venceu."

Problema cardíaco quase impossibilitou a carreira

O atacante Patrick Maia foi revelado nas categorias de base do Remo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O atacante Patrick Maia foi revelado nas categorias de base do Remo
Imagem: Arquivo pessoal

E vencer batalhas parece não ser novidade para a família de Patrick. Ele mesmo quase teve que desistir de jogar futebol por causa de um problema cardíaco descoberto quando tinha apenas 20 anos.

Natural de Salinas, no litoral do Pará, Patrick subiu para o profissional do Remo em 2007. Depois de uma temporada emprestado ao futebol do Suriname, o jogador, que ainda atuava como volante, voltou para o time paraense.

No final de 2008, foi submetido aos exames de rotina de início de temporada e diagnosticado com uma anomalia chamada Síndrome de Wolff-Parkinson-White, que consiste em via adicional que permite passagem de impulsos elétricos extras no coração, causando arritmias, tonturas, desmaios, entre outros sintomas.

É comum que pessoas com a síndrome não tenham sintomas e nem desenvolvam a doença. Mas, como Patrick é jogador de futebol, se viu entre duas opções: cirurgia, que, segundo ele, tinha 99% de chances de dar errado, ou desistir da carreira.

Foram seis meses até optar pela cirurgia. Ele foi operado em junho e em setembro estava de volta aos gramados. Foi nessa época, que conheceu o técnico Sinomar Naves, que o convenceu a deixar a posição de volante e virar atacante.

"O treinador me chamou e falou: 'Tu tens uma finalização muito boa, és alto, tens um porte bom. Vamos treinar no ataque?' Eu falei: 'Não tenho nada a perder. Já venci uma doença no coração, o que são uns treinos de atacante?' No primeiro treino, um coletivo contra uma das categorias de base, eu fiz três gols. Ele falou: 'Patrick, tu não és volante, és atacante agora."

Apesar da boa temporada, ele não renovou com o Remo e passou um período atuando em times menores do interior do Pará, do Amapá e do Tocantins, até que em 2016 teve o que chama de "a grande oportunidade da vida". Foi um convite para atuar no Hamrun Spartans, um dos maiores clubes de Malta.

"Nem todo jogador que joga na Europa é milionário", diz ele. "É a mesma coisa que jogar em time pequeno do Brasil. A diferença é que a gente tem um ano inteiro de contrato. No Brasil, joga três, quatro meses no estadual e tem que dar a vida para conseguir algo para viver no resto do ano".

Patrick ainda passou por Santa Lucía, de Malta; Deportes Quindío, da Colômbia, e Deportivo San Pedro, da Guatemala. Quando estava neste último, o filho nasceu no Brasil. O jogador só foi conhecê-lo depois de cinco meses.

Patrick Maia em jogo pelo Marsa, de Malta - Arquivo pessoal/ Foto: Jonathan Bugeja - Arquivo pessoal/ Foto: Jonathan Bugeja
Patrick Maia em jogo pelo Marsa, de Malta
Imagem: Arquivo pessoal/ Foto: Jonathan Bugeja

Durante suas andanças pelo futebol, a distância da família incomodava Patrick. Por isso, quando o atacante recebeu a proposta de voltar para Malta, dessa vez para o Marsa, exigiu que pudesse levar a esposa e os filhos. O Marsa aceitou prontamente, e a família e desembarcou na Europa em setembro de 2020. Um mês depois, a família inteira foi diagnosticada com covid, inclusive Patrick ficou três dias internado.

Apesar disso, marcou oito gols na temporada 20/21. Logo depois, com o endurecimento das medidas sanitárias em Malta, o campeonato foi suspenso, e em julho, o contrato do atacante foi encerrado.

Diante de tantas batalhas vencidas pela família Maia, Patrick tem certeza de que a luta contra o câncer será mais uma delas.

O Luca é o carinha mais forte que eu já conheci na vida. Ele é um exemplo, uma inspiração. Quando as pessoas falam: 'Nossa, vocês são muito fortes'. Eu aceito elogio. Mas, para mim, quem é forte realmente é o Luca porque, mesmo com tudo que está passando, está sempre sorrindo, brincando e tentando tirar um sorriso nosso."