Seleção tem torcida após 830 dias na cidade que simbolizou a pandemia
As cenas do começo do ano de hospitais de Manaus sem oxigênio para tratar pacientes de covid-19, pessoas com outras doenças sem chance de atendimento e valas comuns sendo abertas para suprir a lotação dos cemitérios correram o mundo e comoveram. A capital amazonense foi símbolo da aparente negligência de autoridades e do sofrimento do brasileiro em dois colapsos do sistema de saúde e quase 10 mil mortes.
Por força do destino, será na cidade o primeiro jogo da seleção brasileira de futebol masculino com público desde o começo da pandemia. Brasil e Uruguai se enfrentam hoje, às 21h30 (de Brasília), pela 12ª rodada das Eliminatórias da Copa do Mundo do Qatar, num clima muito diferente do que já foi.
Ontem (13), Manaus registrou apenas nove casos e nenhuma morte por covid-19 - se considerado todo o Estado, são 34 casos e uma vítima. Mais de 70% da população da capital já foi vacinada com a primeira dose, enquanto 46,84% têm o esquema vacinal completo. Aos poucos, a vida passa a ter um princípio de normalidade. Mas ainda há um outro lado cruel.
"A única coisa que consigo sentir quando vejo um evento como este, liberado pelas autoridades locais, é indignação e dor pelas futuras vítimas. Por que elas, de fato, ocorrerão. E esse sentimento, para mim que sou familiar de vítima, é como uma trauma, quase que inevitável de sentir", diz Paola Falceta, presidente da Avico (Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19), grupo criado em abril para lutar "por justiça aos nossos familiares, melhor acesso à saúde e políticas públicas que apoiem as famílias enlutadas".
Quinze associados da Avico são manauaras, o que mostra o alcance a gravidade desta questão na capital, como diz Falceta: "Ficou escancarado para o mundo todo o descaso e negligência dos governos municipal, estadual e federal com a população de Manaus. Deixar as pessoas morrerem sem oxigênio beira a tortura. E não foi uma, foram várias. É algo para nunca mais ser esquecido."
O Governo do Amazonas, a Prefeitura de Manaus e demais autoridades públicas locais investiram na ideia de tornar este Brasil x Uruguai um momento simbólico. Houve o sorteio de 3 mil ingressos para pessoas que comprovassem estar vacinadas, por exemplo. Além disso, os dez mil torcedores que compraram ingressos só poderão acessar a Arena da Amazônia mediante apresentação da prova de que têm duas doses ou dose única da vacina até 29 de setembro. Caso a imunização tenha ocorrido depois desta data será necessária testagem.
"Estamos trabalhando para organizar não só o jogo em si, mas também valorizar a imagem da imunização. Nossa orientação é mostrar que sem a vacinação e os protocolos de saúde os grandes eventos não poderão acontecer, o esporte e o entretenimento não voltarão como eram antes. Isso traz consciência para a população da importância da vacina", disse ao UOL Jorge Oliveira, presidente da FAAR (Fundação Amazonas de Alto Rendimento).
O técnico Tite também tem feito apelos pela vacinação e seguimento de protocolos. Após o treino aberto para 200 crianças na terça-feira, ele disse que só posaria para fotos com quem estivesse usando máscara. Ontem (13), deu entrevista coletiva com um bottom que tinha a imagem do Zé Gotinha, mascote da imunização no país, na camiseta.
Vacina não tem nenhuma conotação política. Ela proporciona a volta do torcedor ao estádio, emprego e possibilidade de interação com pessoas.
A seleção brasileira jogou para 5,5 mil convidados a final da Copa América de 2021 no Maracanã e jogaria para 1,5 mil no clássico contra a Argentina no último mês de setembro, na Neo Química Arena, em São Paulo, mas a partida acabou suspensa. Assim, ficou para Manaus a missão de ser a primeira casa da equipe no país com torcedores que compraram ingressos desde o início da pandemia.
O Brasil não jogava com público local pagante desde a final da Copa América de 2019, em 7 de julho. Dois anos e três meses depois, ou 830 dias, os cantos de "mil gols, mil gols, mil gols, mil gols, só Pelé, só Pelé..." voltarão a ser entoados junto com a esperança de dias melhores em meio à dor.
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