Sal vira protagonista no Brasileiro, mas será que influencia no resultado?
Nas últimas semanas o sal grosso se tornou protagonista em jogos da série A do Brasileiro. Na partida entre Santos e Grêmio, um torcedor jogou o sal no VAR e no jogo entre Atlético-GO e Atlético-MG, um funcionário do time goiano espalhou o tempero por todo o campo. No clássico entre São Paulo e Corinthians, o sal grosso foi atirado no túnel do vestiário e nas arquibancadas do Morumbi. Coincidência ou não, os mandantes ganharam as partidas.
Mas será que o sal grosso teve tanta influência assim no resultado?
Figura mítica do futebol brasileiro, pai Robério de Ogum, que foi por anos conselheiro do técnico Vanderlei Luxemburgo, diz que sim -- ele mesmo já diz ter usado sal em trabalhos espirituais em times pelos quais passou.
"Nós fomos jogar contra o Flamengo. Eu estava no Bragantino. Nós chegamos no campo, o que tinha no campo, no vestiário? Tinha uma coisa horrível. Tinham feito um despacho feio. Era no Maracanã. Renato Gaúcho era o ponta direita. A coisa estava feia, mas feia mesmo. O negócio impressionante. Como eu chegava antes, eu falei: 'preciso de sal grosso, pimenta..." Eu peguei aquele sal grosso, mexi a pimenta e joguei dentro do vestiário. Fomos e ganhamos do Flamengo no Maracanã."
No entanto, o médium explica que há uma série de conjunturas para que o tempero atraia boa sorte.
"O sal grosso corta a má intenção, tira a presença da força do inimigo, a presença de espíritos obsessores, tira o mau-olhado e dá força para quem você rezou. Mas ele vai ter todo esse efeito se o outro lado estiver num mau dia, estiver enfraquecido, não tiver bem, porque se sal grosso resolvesse tudo, não haveria problema no mundo. Ele valeria muito caro", explica o médium.
Santista, ele diz que assistia pela TV ao jogo do seu time no último dia 10 e viu quando o torcedor temperou a cabine do VAR. "Danadinho esse cara. Ninguém podia imaginar que ele ia jogar ali e ele jogou." O Santos venceu o Grêmio por 1 a 0, com gol que só foi validado após interferência do VAR. O resultado tirou da zona de rebaixamento o time da Vila Belmiro, que elegeu o sal grosso como o "craque do jogo".
Robério de Ogum também crava que o tempero ajudou na vitória por 2 a 1 do Atlético-GO sobre o Galo, que defendia uma invencibilidade de 18 jogos contra os goianos, que não venciam havia 10 rodadas.
Esse sal, com certeza, influenciou no resultado. Quem jogou fez com muita fé. Naquele momento devia ter espíritos ali que quiseram comprar aquela demanda porque se você jogar o sal e não tiver nenhum espírito por perto e Deus não permitir, não vai acontecer nada. Ele jogou na hora certa, soube pedir, soube vibrar, e tinha espíritos ali que entenderam e deram ao time do Atlético-GO uma energia espiritual muito forte."
Pai Robério de Ogum
Maykol Kuramoto, funcionário do Atlético-GO, responsável por temperar o campo, contou ao UOL que a estratégia na hora de esparramar o sal é "ir jogando e orando, pedindo a Deus proteção ao nosso time".
Ele revelou que aquela não tinha sido a primeira vez, mas que costumava jogar o sal na véspera. Como deu certo, já pretende mudar o hábito.
"O dia, fé, orações... Tudo favoreceu", afirmou ele, que se diz um religioso católico, mas que frequenta outras igrejas também. Tudo em nome da fé.
Outra pessoa conhecida por suas superstições e fé, o técnico Cuca estava no banco adversário. Mas, segundo Robério, o treinador do Galo "perdeu a briga espiritual" para Maykol.
"O Cuca é um homem de muita fé. Eu nunca trabalhei com ele, mas o vejo muito indeciso. Ele pensa muito. Ele tem uma intuição muito aguçada, que mexe muito com ele. O time foi abalado dentro de campo por essa força espiritual que foi jogada, e o Cuca não conseguiu imanar a mesma força para o time. E essa energia do sal grosso tirou a paz de espírito dos jogadores do Cuca. Eles se perderam espiritualmente. O time espiritualmente não estava bem. Isso pode significar, daqui para frente [um alerta para] o Cuca ter mais atenção com esse time."
O treinador concorda. "Temos que saber administrar o tropeço e ter a responsabilidade maior. Às vezes não entendemos as obras de Deus num primeiro momento, mas tudo tem um motivo na vida. Tenho muita fé que as coisas acontecem para te abrir o olho", disse Cuca, em entrevista coletiva após a partida.
"Crenças ligadas estão ligadas à história da humanidade"
Com propriedades místicas ou não, o fato é que o sal é usado desde a antiguidade como elemento de boa sorte e para afastar maus espíritos. Há registros de usos espiritualísticos do tempero na civilização egípcia, entre romanos, gregos e hebreus. Na Idade Média, ele era usado contra bruxas e demônios. No quadro "A Última Ceia", Leonardo Da Vinci pintou um saleiro derrubado diante de Judas.
A psicóloga Katia Rubio, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, ressalta que as superstições são anteriores às atividades esportivas e estão intimamente ligadas à história da humanidade.
"A gente cria um campo anedótico para essa relevância da superstição, mas desde que o ser humano se tornou produtor de cultura, essa dimensão divina está na vida dos seres humanos. Então, eu tenho que justificar a seca, rezando, eu tenho que justificar o dilúvio, rezando, eu tenho que justificar a doença, rezando...Na mitologia havia o sacrifício aos deuses para ganhar a guerra, para perder a guerra. O que tem de objetivo nisso? Absolutamente nada. Mas é da dimensão simbólica, faz o ser humano pensar e define a condição de humano."
Segundo ela, as crenças e superstições ajudam as pessoas diante das dificuldades. "O comportamento supersticioso está relacionado diretamente à busca de apoio para superar uma dificuldade. É curioso como isso faz parte da cultura de pessoas ou grupos sociais que têm nesse comportamento mágico e às vezes religioso a busca para solução desses problemas. O que está em jogo é a busca desse apaziguamento da tensão gerada pelo inesperado, pelo desconhecido, pelo incontrolável. Mas acima de tudo, a superstição está relacionada a algo não racional. A superstição caminha muito longe da racionalidade", explica Katia.
O esporte é um campo privilegiado de produção de certas atitudes imaginárias. Por quê? Porque está trabalhando com binarismo vitória x derrota. Fica fácil falar ganhou ou perdeu por causa disso."
Katia Rubio
Bianca Cristina do Prado Silva, graduanda na Faculdade de Esporte e Educação na USP e autora do estudo "Entre a superstição e o ritual - elementos para compreensão de gestos repetitivos no esporte", afirma que há duas maneiras para explicar os mecanismos das crenças nas atividades esportivas: a psicológica e a antropológica.
"Na parte mais psicológica, eles [jogadores] pensam [na superstição] por causa da ansiedade ou incerteza que tem antes de um jogo, de uma competição. Então fazer algum ritual, ter algum objeto ou outra atividade [supersticiosa], acalma, fazendo com que a pessoa consiga se concentrar melhor e ter um melhor resultado. E tem o lado que é mais da sociologia e antropologia, que tem a ver com o envolvimento com o lugar e as pessoas que com quem você está. Um jogador que vê treinadores e companheiros de time fazendo determinados rituais vai começar a se questionar: 'se eu fizer também? Não vai me trazer nada de ruim, mas pode me ajudar a melhorar'. Então vai ter a influência das pessoas ao redor, a influência social."
Dentro da lógica do viés antropológico, Bianca prevê que o uso do sal grosso em jogos do Campeonato Brasileiro pode aumentar depois dos exemplos bem-sucedidos de Santos, Atlético-GO e São Paulo.
"Primeiro começou pela crença que é mais simplista e conhecida no Brasil inteiro. A pessoa trouxe para o time dela, para o esporte. No primeiro funcionou. Obviamente ela vai influenciar outras pessoas que estão envolvidas naquele campo, que estão na parte social dele, que ele vai interagir, e vai levar outras pessoas a seguir [o ritual]: 'Por que eu não faria isso? Já tive uma prova concreta que ajudou'. E isso vai influenciar outros. Tem estudos que abordam justamente a questão de jogadores que imitam outros. Tem essa relação de ser influenciado por outras pessoas do time. Eu acredito que com fãs é a mesma coisa."
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