'Era da resposta': Jogadores adotam as redes sociais para rebater críticas
Virou moda. A cada crítica ou palavra que desagrade em programas de televisão, rádio, ou internet, jogadores de futebol decidiram responder. Turbinados pelo público fiel das redes sociais, atletas já não carregam o peso da exposição como antes, mas tomam o caminho do revide público cada vez mais frequente.
Sobram exemplos de jogadores que contrariaram cobranças. Neymar, Richarlison e Douglas Luiz puxam a fila dos atletas de seleção brasileira que optaram por um posicionamento diante de opiniões contrárias nos últimos tempos. É esta nova era, de respostas públicas de atletas a jornalistas e torcedores, que o UOL Esporte tenta entender.
Mudança de comportamento
Conviver com críticas sempre esteve no "pacote" de jogar em um grande clube do futebol brasileiro. O esporte mais popular do país é movido pela paixão dos torcedores, que acaba refletida nos comentários veiculados pela imprensa.
O novo — ou não tão novo assim — ingrediente é a rede social. Com contato direto e próximo com seus seguidores, os atletas abrem um novo espaço de manifestação e sentem-se autorizados a expor sua contrariedade.
"Hoje em dia cada ser humano é uma mídia. A diferença é para quantas pessoas cada um fala. Alguns para centenas de milhões, outros para milhões, outros para somente algumas. Mas todos são mídias, cada um em seu nível, todos são formadores de opinião", disse o especialista em marketing esportivo Rafael Plastina, CEO da empresa Sport Track, especializada em inteligência de mercado, ao UOL Esporte.
Para o professor de comunicação digital da PUCRS André Pase, o jogador se sente, também, mais confortável com o espaço para suas manifestações em redes sociais.
"A rede social incentiva isso. É natural, as pessoas têm o direito de se expressar, e quando se é uma personalidade pública, isso se torna ainda mais forte. Não se leva em consideração apenas o desempenho do atleta como desportista, mas hoje em dia muitos percebem a chance de virarem influenciadores no fim da carreira, e precisam construir uma forma de se manifestar", afirmou.
"A rede social deixa o jogador mais seguro porque é o espaço dele, o tempo dele, para passar a mensagem que quiser. Ele não terá nenhum tipo de edição, de interrupção, e vai atingir o público que o acompanha, seus fãs. A estrutura, o tempo de resposta, tudo isso incentiva. O problema, às vezes, é o conteúdo. Você tem uma janela, cabe decidir o que fará com ela", completou.
Protestos seriam reflexo do que sai na mídia
Na avaliação de Rafael Plastina, as manifestações dos jogadores firmam a personalidade que eles têm perante seus seguidores, mas acontecem como reflexo do comportamento da mídia tradicional.
"Me preocupa muito a dificuldade da mídia tradicional de gerar conteúdos que não sejam polarizados, que provoquem briga, que coloquem uns contra outros. O esporte vive disso também. Agora, com atletas mais preparados para responder perguntas, quando notam uma segunda intenção, como eles também são mídias e têm seguidores que acompanham essencialmente o que eles falam, se cria uma equação bombástica. Quem pode mudar isso é a mídia, com pautas mais inteligentes e enriquecedoras para gerar conteúdo", disse.
A agilidade do posicionamento também pesa para utilização do meio de resposta. Esta é a análise de Maurício Pinto Marques, doutor em psicologia do esporte.
"A rede social tira barreiras, cria uma resposta instantânea, une as pontas da comunicação. Antes havia intermediários, que foram caindo. Tudo se espalha mais rápido. Infelizmente não há, muitas vezes, preparo para lidar com isso. A educação precisa ser fomentada pelos grandes clubes, uma preparação para este tipo de situação", opinou.
Pressão cedo demais gera ansiedade nos atletas
Mauricio ainda explica que a pressão excessiva e muito cedo sobre os jogadores cria tal ambiente de tensão e pode ter reflexos na saúde mental deles.
"É comprovado em diversos estudos que o atleta, especialmente o de futebol no Brasil, tem três vezes mais chances de sofrer de ansiedade e depressão. E se soma a isso ao fato de o Brasil ser o país com maior índice de ansiedade no mundo, e um dos maiores em usuários de redes sociais do mundo. Um alavanca o outro. E isso mostra como ainda temos que crescer como sociedade", disse.
"O jogador, em geral, está muito bem protegido quando adolescente, quando surge na base e vai para o profissional. Mas tudo gira muito rápido. Quando fecha o primeiro contrato, ele é muito bajulado. Depois, porém, a crítica vem na mesma proporção, ainda mais no Brasil, onde as coisas mudam tão rápido. O jovem é muito cobrado e não tem condições de responder ainda como adulto. Falta base, e se vai de um oito para oitenta, de um completo anônimo até ter que responder por um lance que errou com estádio inteiro vendo", acrescentou Mauricio.
"O futebol ainda tem muito a crescer. Hoje se vê ex-atletas tratando tudo isso como bobagem. As gerações anteriores não entendem como tudo isso funciona, e o jovem de hoje já chega com outra mentalidade. Não é que aconteçam mais casos de depressão ou ansiedade, é que se detecta mais, com os departamentos de psicologia nos clubes. O atleta brasileiro, seja de futebol ou de outros esportes, é muito pressionado, o tempo todo", completou.
André Pase também citou a pressão excessiva como justificativa para o revide dos atletas.
"A rede social é o espaço da devolução da crítica. Um jogador de futebol tem uma dinâmica específica, ele trabalha sob pressão o tempo todo, dentro e fora de campo. Você tem as redes sociais para promover o trabalho, mas com muita crítica, briga e cobrança, vira algo muito peculiar. Ao passo que você pode falar o que pensa, também recebe pressão ali. É uma engrenagem que não é fácil. Quando se está em um momento bom, ok, mas quando o momento é ruim, é muito complicado", acrescentou.
Como lidar com isso?
A forma de lidar com a crítica tem dois lados. Para Rafael Plastina, as posições dos atletas mostram a construção de sua personalidade pública e podem até fomentar novos negócios.
"Pensando sob ponto de vista do marketing, hoje as marcas têm personalidades, têm cara nas redes sociais, opinião, senso de humor. O atleta vai ocupando um espaço, seja de bom moço, mais despojado, sofisticado, tem o 'bad boy'... Esses personagens podem fazer determinadas marcas se interessarem em negócios com eles no futuro ou não. Messi, Neymar, Cristiano Ronaldo, são personalidades totalmente diferentes e cada um deles atrai um conjunto de marcas", explicou.
Para João Paulo Fontoura, jornalista, ex-assessor de imprensa do Grêmio e autor do livro "Jornalismo e Vestiário", os clubes devem dar mais atenção a este tipo de situação, para que a abordagem ao atleta não ocorra como é feita atualmente, de forma reativa, após uma eventual publicação.
"Eu vejo que vários clubes de futebol têm um gap, um gargalo para ser preenchido por um departamento de redes sociais. Não de divulgação de conteúdo, mas neste sentido de abordagem. De como o jogador de futebol é consumido na mídia. É uma demanda que a assessoria de imprensa não tem condição de suprir", disse.
"Eu vejo que hoje as orientações são muito mais reativas do que preventivas. É uma reação ao que o jogador fez. Ter departamentos de comunicação, rede social, não quer dizer que alguém assuma isso. Há algum tempo, o jogador de futebol não precisa mais da imprensa para se comunicar. E é tentador e sedutor para alguém deste meio responder de forma direta, não precisar de ninguém para isso. O problema é que às vezes se tropeça em saber como lidar com este espaço", completou.
João Paulo ainda recordou que há jogadores capacitados a gerenciar suas redes da melhor forma, mas também há casos em que tal exposição pode ser prejudicial ao atleta e seu ambiente de trabalho.
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