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Quem é o técnico brasileiro que fez história no oitavo menor país do mundo

Léo Neiva comandou a seleção de São Cristóvão e Névis nas Eliminatórias - Divulgação/SKNFA
Léo Neiva comandou a seleção de São Cristóvão e Névis nas Eliminatórias Imagem: Divulgação/SKNFA

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

28/10/2021 04h00

Provavelmente você pouco ouviu falar das ilhas de São Cristóvão e Névis. Trata-se do menor Estado soberano das Américas, tanto em extensão quanto em população, segundo dados do ano passado. É o oitavo menor país do mundo, com área próxima a 261 Km². E certamente você também nunca ouviu falar da seleção de futebol do país. Pois bem, foi um treinador brasileiro que comandou a equipe na melhor campanha de sua história, que contaremos a seguir.

Naturalmente já seria difícil para São Cristóvão e Névis ser uma potência no futebol. O país, formado pelas duas ilhas que lhe dão nome (a de São Cristóvão e a de Névis) possui, segundo dados de 2020, aproximadamente 53.192 habitantes. Ou seja, se fosse um município brasileiro, estaria na posição 640 na lista dos mais populosos, segundo estimativa do IBGE também de 2020. Colocado entre as cidades de Paracambi, no Rio de Janeiro, e Lagoa da Prata, em Minas Gerais. Com pouca gente, é naturalmente mais complicado ter opções valiosas em campo.

Até este ano, o país nunca havia passado da primeira fase das Eliminatórias da Concacaf para a Copa do Mundo. Eis que entra o trabalho de Léo Neiva em ação.

O treinador de 43 anos chegou à seleção respaldado por trabalhos em quatro continentes. Antes, teve passagens pelo futebol brasileiro, da Tailândia, da África do Sul, da Jamaica e de Mianmar.

"Pela minha experiência em quatro continentes diferentes, sinto que o treinador brasileiro é visto como um profissional versátil, criativo e de fácil adaptação. Além de sermos conhecidos em ter um bom vestiário, que significa ter um bom relacionamento com os jogadores", contou em entrevista ao UOL Esporte.

Comissão técnica da seleção de São Cristóvão e Névis - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"O futebol asiático tem uma característica de muita velocidade e transições rápidas. Já o africano trabalha mais com força mesclada à habilidade natural do jogador, com um modelo de jogo apoiado em mais posse de bola. A região do Caribe já é muito semelhante à África, porém com a influência do jogo inglês. Todos esses continentes, eu vejo que têm uma carência muito grande de tomada de decisão no último terço do campo, principalmente quando se trata de finalização. Vejo como um trunfo meu esse conhecimento de diferentes estilos de jogo. Aliado a isso, temos o intercâmbio natural das escolas, pois enfrentamos treinadores do mundo todo", acrescentou.

Pode parecer pouco, mas São Cristóvão e Névis fez algo inédito. Sob comando de Neiva, a equipe terminou em primeiro no grupo F da primeira fase das Eliminatórias da Concacaf. Foram 9 pontos em 4 jogos, oito gols marcados e apenas dois sofridos. Na chave estavam países com alguma importância no futebol local, como Trinidad e Tobago, que participou da Copa do Mundo de 2006, por exemplo. Porto Rico, Guiana e Bahamas fechavam o grupo.

"Acredito que esse feito tenha sido excelente para o meu desenvolvimento como treinador, pelos desafios que enfrentamos na preparação e também nos jogos. Bem como para o desenvolvimento do futebol no país, por poder classificar uma seleção considerada pequena e ainda de forma antecipada em um grupo onde tínhamos Trinidad e Tobago como cabeça de chave. Além disso, fomos a única seleção que não era cabeça de chave a se classificar", disse.

Léo Neiva (c), técnico da seleção de São Cristóvão e Névis - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"Conseguimos, na primeira fase, ser muito felizes e objetivos na nossa proposta de jogo. Com certeza essa campanha deixou um legado", completou.

Na fase seguinte, porém, apareceu um rival muito mais forte. Contra El Salvador, a equipe de Neiva sofreu duas derrotas e acabou eliminada do sonho de chegar a uma Copa do Mundo. El Salvador está disputando o octogonal que levará à Copa, mas está fora da zona de classificação.

'Sugar Boys' tem locais e "estrangeiros"

Os 'Sugar Boys' (meninos do açúcar, em tradução livre), como é apelidada a seleção, não têm uma história muito rica no futebol. A seleção disputa as Eliminatórias desde os jogos classificatórios para Copa do Mundo de 1998 e nunca conseguiu se classificar para uma Copa Ouro (torneio continental da Concacaf).

"Em São Cristóvão e Névis, eles adoram o futebol. Mas o críquete também é muito forte no país, além do atletismo. Pela proximidade com os americanos, eles também têm muita influência na cultura de lá, apesar de terem sido uma colônia britânica", contou.

A seleção é formada por jogadores nascidos no país, ou que nasceram em outras localidades mas possuem a nacionalidade. É o caso do principal nome da equipe, o meia Romaine Sawyers, de 29 anos. Nascido na Inglaterra, ele tem nacionalidade do país e defende a seleção, além do Stoke City. Há outros quatro que atuam em clubes da Inglaterra, atletas no País de Gales, Portugal, Espanha, Escócia, Estados Unidos, Honduras e Índia.

"A estrutura é básica, porém muito boa por se tratar de uma ilha. Temos dois grupos, os locais e os internacionais, que nasceram e/ou jogam no exterior, principalmente na Inglaterra. É um time heterogêneo, em que temos um talento local que temos que lapidar e formar, assim como temos o jogador que atua na Inglaterra já maduro e estabelecido", disse Neiva.

"Desenvolvemos alguns jogadores para mercados melhores e mais competitivos. Por exemplo, nesta minha passagem na ilha, após seis meses de trabalho pude efetivar sete estreantes durante as Eliminatórias. Três deles se transferiram para Portugal e outro para Espanha. Acredito que são jogadores promissores e que podem se destacar em um âmbito maior na carreira", completou o técnico.

Entre o desejo de voltar ao Brasil e o sonho da Copa do Mundo

Léo Neiva, hoje, é um técnico dividido. Ainda sob contrato com São Cristóvão e Névis, ele avalia a chance de levar a seleção para a Copa do Mundo de 2026. Com aumento no número de participantes do torneio para 48, a chance, que hoje parece bem distante, poderia ficar ao menos mais próxima.

"Acho que seria mais viável, sim. Desta vez, somente não chegamos no octogonal final da Concacaf, e no futebol tudo pode ocorrer. Éramos a quarta força do grupo, de um grupo com cinco seleções, e mesmo assim classificamos. Claro que para tal deve haver uma continuidade de projeto e trabalho", explicou.

Mas no coração também reside a vontade de voltar ao futebol brasileiro. Com trabalhos no América-RJ (auxiliar), Francana, Bonsucesso e Atlético Itapemirim-ES, ele acredita que o feito no Caribe possa ajudar no retorno. Além de ter no currículo a Licença PRO da CBF.

"Esse é um objetivo meu. O mercado brasileiro está muito forte, inclusive atraindo treinadores de todo o mundo. Cheguei a ter sondagens agora para a Série C e para Estadual, mas acabei recusando por estar no meio das Eliminatórias. Assim, entendi que não seria interessante para mim, além de quebrar um compromisso que tinha com a Federação. Mas, hoje, sendo uma divisão interessante e um clube com estrutura seria ótimo retornar", finalizou.