Thiago Scuro vê risco para clubes com mecenato e cita exemplo do Cruzeiro
Antes de seu trabalho atual à frente do Red Bull Bragantino, o diretor executivo de futebol Thiago Scuro trabalhou na gestão do Cruzeiro e tem como frustração não ter conseguido mudar a forma como o clube trabalhava, o que culminou na situação atual. Ele lamenta que tenha chegado ao estágio atual e também aponta o clube mineiro como um exemplo negativo dos que hoje se utilizam de mecenato no futebol brasileiro, com contratações que não teriam condições de bancar sem aportes financeiros de empresários.
Em entrevista a Mauro Cezar Pereira no programa Dividida, do Canal UOL, o dirigente cita o Flamengo como modelo de clube autossustentável e vê com certa preocupação casos nos quais os clubes são dependentes de mecenato, ao analisar como poderá estar o clube em médio e longo prazo.
"O Flamengo tomou um caminho autossustentável. O Flamengo tende a ser saudável por muitos e muitos anos. O grande risco do mecenato no modelo nosso é a continuidade. É um comportamento padrão que os clubes que estão sob este tipo de gestão [adotam], eles competem em alto nível aumentando o endividamento e o endividamento fica para a instituição. Então é diferente, por exemplo, da curva do Flamengo nos últimos anos, onde o Flamengo vem reduzindo o endividamento e aumentando a competitividade", diz Scuro.
"Quando você tem a participação de uma injeção de dinheiro externo numa proporção significativa —como é em alguns casos—, você gera um desequilíbrio, inclusive contábil. Vamos voltar para o balanço ali, será que todos os números estão lançados em balanço? Será que o balanço dos clubes que têm mecenas é 100% fiel ou será que existe aporte de dinheiro paralelo ao clube? Todo recurso passa dentro do clube ou não? Quem controla isso? Que tipo de fiscalização tem? Então, em linhas gerais, eu acredito muito mais nesse modelo, se for estabelecido uma S/A e esse investidor passe a ser dono de fato", completa.
Lembrando do caso do Cruzeiro, o dirigente afirma que para o torcedor há, de imediato, a comemoração pelo resultado em campo, mas as consequências muitas vezes podem ser danosas.
"Em um curto prazo, o torcedor desfruta e comemora, mas no médio prazo, para os clubes brasileiros, para as instituições, pode ser perigoso, dependendo do comportamento das pessoas lá na frente. Se, por qualquer razão, a gente usou o termo mecenas, mas, se por qualquer razão, as empresas que estão hoje aportando dinheiro no Atlético-MG decidem sair, a tendência é que o Atlético-MG tenha anos e anos de dificuldade para conseguir se equilibrar financeiramente", afirma.
"Talvez o Cruzeiro seja o exemplo mais palpável hoje, que é um clube que utilizou muito de dinheiro de terceiros em 2014 e 2015, venceu dois Brasileiros, foi criando uma operação altamente deficitária, acumulando, e aí, com o tempo, o clube acabou atingindo a condição atual, o que é ruim para a indústria, para o futebol brasileiro, uma grande marca nessa situação", completa.
Scuro comenta a sua passagem pelo Cruzeiro no fim de 2015, depois de um bicampeonato brasileiro e um clube que já apresentava sinais de problemas financeiros. Contudo, a mudança visando uma gestão mais saudável era um desafio que ele não conseguiu realizar.
"Em 2013 e 2014, o Cruzeiro havia sido bicampeão e já na temporada seguinte brigava para não cair, e aí era possível já visualizar que o caminho era de muita dificuldade financeira para os próximos anos. Uma das frustrações profissionais que eu tenho é não ter conseguido convencer mais pessoas ali, no dia a dia, que o caminho tinha que ser outro, era reduzir investimentos, trabalhar mais a base para poder equilibrar as contas ali", conta.
"Infelizmente, logo na sequência, o Cruzeiro tem uma nova gestão, ainda mais nociva, que continua, enfim, gastando mais do que arrecada, se endividando, apostando só no sucesso, jogando para a frente. Então, até a decisão de sair do Cruzeiro foi muito por isso, porque não era possível desenvolver um trabalho consistente do ponto de vista de gestão naquela cultura que estava estabelecida ali, e eu espero que o Cruzeiro consiga se reorganizar porque é uma torcida espetacular, uma das maiores marcas do futebol brasileiro, em uma grande cidade, mas o caminho tende a ser muito longo pelo tamanho das dívidas", conclui.
O Dividida vai ao ar às quintas-feiras, às 14h, sempre com transmissão em vídeo pela home do UOL e no canal do UOL Esporte no Youtube. Você também pode ouvir o Dividida no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e Amazon Music.
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