Como Matheus Cunha 'virou a chave' para se consolidar na seleção
Único campeão olímpico presente em todas as convocações da seleção brasileira principal desde a conquista do ouro no Japão, em agosto, o atacante Matheus Cunha se consolida sob o comando de Tite ao mesmo tempo em que vive um começo de passagem promissor no Atlético de Madri. Este novo momento da carreira pode ter relação com decisões tomadas fora de campo.
A tal "virada de chave" — como diz uma pessoa do entorno de Matheus Cunha — passa por mudanças em hábitos de alimentação, sono e exercícios. Também envolve a contratação de profissionais para uma equipe pessoal do que ele chama 'gestão de performance'. À frente do trabalho, o preparador físico Euler Santos assim define: "É como se ele tivesse um clube em casa."
O trabalho começou num dos piores momentos recentes de Matheus Cunha. Ele terminou a última temporada do Hertha Berlin com uma lesão no tornozelo e não atuou nos últimos amistosos da seleção sub-24 antes da Olimpíada de Tóquio. Na cidade natal João Pessoa, onde passou as férias, se dedicou durante 22 dias à recuperação com apoio de um fisioterapeuta, Márcio Quirino, e do próprio Euler. Longe do clube, a ideia era fazer a melhor preparação possível até a apresentação para a seleção olímpica ainda no Brasil.
Os resultados falam por si: para além da medalha de ouro, Matheus Cunha foi um dos principais jogadores da campanha do Brasil com um passe para gol na estreia contra a Alemanha e gols feitos diante de Arábia Saudita (primeira fase), Egito (quartas de final) e Espanha (final).
O atacante foi fundamental para o sistema de jogo do técnico André Jardine funcionar e ainda se recuperou rápido de uma contratura muscular na coxa que o tirou só de um jogo. "Ele estava muito à frente da maioria em níveis de força, velocidade e corpo a corpo. As pessoas envolvidas na carreira dele ficaram: 'O que aconteceu? Tu não era assim, tu está muito mais forte'. Foi isso que abriu as portas para a manutenção do meu trabalho", relembra Euler Santos.
"Tem que se manter 120%"
Matheus Cunha foi anunciado pelo Atlético de Madri duas semanas depois de ser campeão olímpico, ainda em agosto. Levou para viver com ele na Espanha a família e o novo gestor de performance, que coordena uma rede de contatos diários com profissionais de fisioterapia, nutrição e psicologia.
"Ele entendeu que alimentação não é só paladar, que precisa comer coisas que não gosta, em horários que não quer, e abrir mão de sono para acordar cedo e comer. É combustível. Pode comer chocolate todo dia que não vai engordar. Ele tem 22 anos, treina que nem um cavalo. Mas essa alimentação não vai nutrir. Daí acontecem lesões, queda de rendimento, qualidade do sono cai, e tudo desencadeia para que no final dê errado. São partes que ajustamos, e as mudanças são nítidas do comportamento dele", conta Euler.
Além da mudança alimentar e no sono, o atacante da seleção também acrescentou à rotina atividades físicas fora do horário do clube, como cita o preparador: "O tempo se molda à necessidade. Às vezes ele só tem 20 ou 30 minutos, às vezes ele tem a tarde livre e conseguimos um complemento de duas horas. Depende. O importante é se adaptar e que quem está perto entenda as necessidades dele. Muitas coisas que interferem no campo têm a ver com o extra campo, é preciso estar atento."
O objetivo final é estar pronto para as chances no Atlético e na seleção.
Temos que trabalhar pela manutenção na seleção, porque o setor em que o Matheus atua é culturalmente o de maior disputa do Brasil. Ele tem que se manter 120% para estar sempre sendo lembrado e indo para a convocação. A pressão aumentou, mas quem disputa vaga com ele também joga em time grande e sente pressão, então temos que fazer mais para estar sempre um passo à frente."
Lesão e corte em outubro
Um problema muscular na coxa esquerda fez Matheus Cunha ser cortado da seleção brasileira dos jogos de outubro contra Venezuela, Colômbia e Uruguai, o que deu espaço para outros atacantes cavarem espaço sob o comando de Tite. Mesmo assim, ele foi novamente chamado para os desafios de novembro diante de Colômbia e Argentina, nos dias 11 e 16, e terá nova oportunidade.
Matheus tem quatro convocações e jogou duas partidas: 20 minutos contra o Chile e 32 diante do Peru. Vive a expectativa por mais minutos nesta janela de jogos. O gestor de performance Euler Santos o vê preparado.
"A velocidade com que ele se recupera é impressionante. Na Olimpíada em dois dias ele jogou a final. Agora em outubro aproveitamos a data Fifa que ele não foi para a seleção e em três dias fez exame de imagem que mostrou que a lesão não estava mais. É responsabilidade parte da genética dele, mas de alimentação que ele mudou, hidratação, a forma como ele vê o recovery [recuperação pós-jogo] e o sono. Agora é colher dentro de campo", diz.
Insistência premiada
O homem por trás da maquina, Euler Santos teve experiências como jogador profissional de futebol, mas parou cedo. "Se eu fosse tão bom, não estava aqui como preparador físico", brinca. Cursou Educação Física na Universidade Federal de Pernambuco e atuou como personal trainer em academias antes de começar a trabalhar com atletas. O primeiro foi Leandro Pereira, ex-Palmeiras, hoje no futebol japonês, que na época defendia o Sport.
"Tinha um estagiário na academia que eu trabalhava que tinha jogado com o Leandro no Capivariano. Esse amigo me apresentou à ex-esposa do Leandro e dei aulas para ela. A partir disso conheci ele e participei da recuperação de uma lesão no joelho, transição, volta ao Sport e empréstimo para a Chapecoense. Foi o start para eu decidir que queria isso da vida, em 2017."
A história com Matheus Cunha se cruzou no seguinte ponto: ele jogou no time de futsal do CT Barão, do Recife, junto com o irmão de um amigo de Euler Santos, que tentou vender seu peixe desde que o atacante defendia o Sion, da Suíça, há cinco temporadas. O estafe do jogador mostrou preocupação pela falta de experiência do preparador com jogadores. "Vi que ele tinha razão e entrei na categoria de base do Santa Cruz para trabalhar de graça porque queria vivenciar o futebol. Um tempo depois surgiu o convite do Matheus."
Durante este período de estudos, o gestor de performance também trabalhou com outros jogadores, como Iago Maidana, Sander, Patric e Bruninho. Por causa da ida para Madri, repassou os clientes para outros profissionais: "Tenho certeza que a preparação física individual é o presente e o futuro no futebol."
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