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Palmeiras sediou revolução do movimento negro em São Paulo nos anos 70

Cartaz do show do cantor James Brown no Palmeiras, em novembro de 1978 - Reprodução/ Arquivo Pessoal
Cartaz do show do cantor James Brown no Palmeiras, em novembro de 1978 Imagem: Reprodução/ Arquivo Pessoal

Thiago Braga

Colaboração para o UOL, em São Paulo

20/11/2021 04h00

O Brasil ainda enfrentava a repressão da ditadura no início da década de 70. Para lidar com os problemas da época, a juventude negra resolveu se juntar para curtir, mas também para criar novas lideranças. O resultado dessas reuniões foi a criação dos bailes blacks, como eram chamadas as festas que se espalharam da zona sul até a zona leste, com grande penetração na zona oeste e no centro da capital paulista.

Hoje, quase 50 anos depois, o palco do ginásio do Palmeiras é reconhecido como fator importante para a consolidação do movimento negro em São Paulo. Foi no local que o produtor musical Luiz Alberto dos Santos, mais conhecido como Luizão, instalou em 1974 o baile da Chic Show, aquela que se tornaria a festa black da cidade. Já na primeira edição, o show ficou a cargo de Jorge Ben Jor, atração que seria a mais frequente entre todos os grandes músicos nacionais e internacionais a se apresentarem no Palmeiras.

"A chegada da Chic Show foi como uma invasão negra no território branco. Era época da ditadura, o bicho estava pegando. Eu já fazia shows de aniversários nas casas de algumas pessoas, na região da Vila Madalena, Butantã. E começamos a fazer os bailes. Nos bailes havia um oficial de justiça para checar a idade das pessoas. E eu sonhava em fazer os bailes no Palmeiras desde que fui em uma formatura lá", conta Luizão em entrevista ao UOL Esporte.

Apesar de a parceria entre Palmeiras e Chic Show ter durado mais de dez anos, o início, segundo Luizão, não foi nada fácil.

"Como a Chic Show era o baile dos negros, levamos os negros para os clubes de elite da cidade, como Palmeiras, Círculo Militar, Clube Homs, Casa de Portugal, e se alastrou pelas periferias, São Bernardo, São Miguel, Tatuapé. Teve muito racismo, os torcedores, os sócios do clube não aceitavam muito bem. No dia dos bailes a galera lá dentro explodia, o baile era muito explosivo, era uma invasão. Mas o Palmeiras tinha um diretor social que era juiz de direito, Claudio Mezzarane, muito aberto e amigo dos negros. Um branco de alma negra. E ele enfrentou a diretoria. E ficamos lá por muitos anos. Com o tempo a coisa se inverteu, porque o clube passou a lucrar com as festas", recorda.

Além do aluguel para ceder o espaço do Palácio de Festas, o Palmeiras ganhava com a comercialização das bebidas.

Aos poucos a Chic Show foi se consolidando. Depois de Ben Jor, a lista de astros a se apresentar aos sábados no clube alviverde só crescia e passou a ter nomes como Djavan, Bebeto, Sandra de Sá, Carlos Dafé, Tim Maia e Gilberto Gil. Com o crescimento, Luizão resolveu expandir o palco do Palmeiras para convidados internacionais, todos da música black norte-americana, como Roger Troutman, Kurtis Blow, e uma das favoritas de Luizão, a cantora Betty Wright.

Só que o auge aconteceu em 11 de novembro de 1978. Foi quando o ginásio palestrino recebeu o maior nome da música soul, o cantor James Brown. Relatos dão conta que mais de 20 mil pessoas se espremeram para ver Brown sapatear e cantar seus maiores sucessos.

"O show dele é um dos grandes acontecimentos da Chic Show. Teve o Tim Maia que lotou também. O James Brown veio com a banda dele, a JB Band, negociamos e trouxemos 36 pessoas, toda a banda, as backing vocal. Foi um grande show", relembra Luizão.

Com inserção cada vez maior, a Chic Show passou a ser referência e também guia. O baile foi homenageado nas letras de "Sr. Tempo Bom", de Thaíde e DJ Hum, e "De Onde Cê Vem?!", de Emicida. Os bailes também contribuíram para a criação de um estilo musical estritamente paulistano, o samba-rock.

Além disso, a festa pavimentou novos nomes da cena musical paulistana. Com o tempo, a Chic Show passou a ter programas musicais em rádios como a Bandeirantes, Transcontinental e 105 FM, ajudando a difundir a cultura da música negra para uma parte considerável da população.

"Com certeza as equipes de baile, tinham muitas em São Paulo, pavimentaram essa conexão da nossa referência de ter autoestima. E a Chic Show é uma delas. A gente teve conexão direta com o Luizão, em 1991, nas festas da Chic Show em São Bernardo. O pagode passou a fazer a diferença no núcleo negro a partir daí, e aí o negro passou a ter identidade com o samba e o pagode e tudo começou com a Chic Show", exaltou o cantor Salgadinho, que na década de 90 liderou o grupo de pagode Katinguelê, com sucessos como Inaraí e Lua Vai.

"A parceria entre Chic Show e Palmeiras foi uma união muito combatida, mas que deu muito certo", finalizou Luizão, com a certeza de quem fez história.