Chicão, o porco que inspirou apelido do Palmeiras, virou ceia no Natal
No dia 2 de novembro de 1986, um domingo ensolarado em São Paulo, o palmeirense Cleofas Sóstenes Dantas da Silva entrou no gramado do Morumbi carregando um porco. Um porco de verdade.
Sorridente, ele ergueu o pequeno e manso animal em direção às 60 mil pessoas que assistiriam ao clássico contra o São Paulo. A torcida do Palmeiras assumia o porco como mascote e encerrava anos de zoação dos rivais. Apesar do protagonismo, o bichinho terminou como ceia de Natal daquele ano. Um privilégio para os que puderam degustá-lo, já que o Brasil dos anos 80 enfrentava escassez de carnes em geral.
Dois torcedores líderes de organizadas nos anos 80 comentaram o fim do animal, batizado Chicão. José Carlos Burti, então presidente da TUP (Torcida Uniformizada do Palmeiras), e Paulo Serdan, fundador da Mancha Verde, foram entrevistados em "Sobre meninos e porcos", a terceira temporada do podcast "UOL Esporte Histórias", que estreia hoje. Você pode ouvir o primeiro episódio no player acima e nas principais plataformas de áudio.
Burti entrou em campo ao lado de Cleo (como Cleofas é conhecido) naquele dia histórico há 35 anos. Cleo era um dos fundadores e o principal líder da Mancha Verde. Por anos, a torcida do Palmeiras foi xingada de porco, uma ofensa que tinha relação com a origem imigrante do clube (os trabalhadores italianos eram considerados "porcos" por comerem com as mãos) e com um episódio envolvendo a morte de dois jogadores do Corinthians em 1969.
"O periquito era um mascote lúdico", diz José Carlos Burti sobre o pássaro que servia de mascote oficial ao clube. "O que nós fizemos, então? Eu e o Cleo conversamos sobre adotar o porco. Eu disse: ´Vamos tentar assumir esse porco, é um animal bravo, vamos acabar com essa gozação.'"
A Polícia Militar chegou a temer que o porquinho fosse maltratado, mas acabou autorizando sua entrada em campo. A "Folha de S.Paulo" registrou o fim do tabu em reportagem do dia 3 de novembro de 1986:
"O porquinho [...] chegou ao Morumbi às 14h30 e entrou em campo juntamente com a equipe do Palmeiras, levado pelos presidentes José Carlos Burti, 23 anos, e Cleo Sóstenes, 21 anos, da Mancha Verde. Foi um sucesso. Abraçado por Sóstenes, o novo símbolo dos palmeirenses levantou a torcida e até grunhiu para algumas emissoras de rádio".
O jornal também relata que o cantor e compositor Raimundo Fagner estava no Morumbi. E aprovou a ideia. "É uma forma de gozar quem está gozando", disse o artista.
Segundo Burti, o porco Chicão foi tirado de um sítio em Caucaia do Alto, na Grande São Paulo, e para lá retornou depois do breve momento de fama: "Depois disso, não pudemos levá-lo mais ao estádio. Ele voltou para o sítio e deve ter virado leitão no final do ano. A gente não é canibal, mas sempre come um leitão no final do ano."
Aprovado pelos torcedores, o novo mascote, ou o antigo símbolo de humilhação, agradou também aos jogadores do Palmeiras. Tanto que o atacante Jorginho Puttinati posou segurando outro porco para a capa da revista "Placar" em edição lançada poucos dias depois.
"Estávamos em meio a uma crise da carne suína. Os porcos desapareceram. Rodei [por São Paulo] e não achava um", conta Rafael Vieira, então secretário de redação da "Placar" e encarregado de encontrar o animal.
"Eu precisava de um porco novo e limpo. Entrei pela Zona Sul, pelos bairros mais afastados e por sorte encontrei uma pessoa que negociava o suíno", lembra Vieira. "De posse dele, fui para o estúdio fotográfico. Já tinha fotógrafo e começaram os preparos. Inclusive, fomos agraciados com uma bela duma cagada no estúdio."
A torcida do São Paulo não chamou os palmeirenses de porcos naquela tarde de 1986 no Morumbi. Torcida alguma voltou a chamar. A cena de Cleo carregando o porco no gramado foi imortalizada em uma foto que passou a estampar uma bandeira presente nos jogos do Palmeiras em casa desde então.
Foi um raro momento em que torcidas organizadas usaram bom humor e sagacidade para calar adversários. Poderia ter continuado assim, mas não foi o que aconteceu. Dois anos depois, Cleo foi assassinado a tiros ao lado do antigo Parque Antarctica na noite de 17 de outubro de 1988. Entrou para a história como "Cleo Guerreiro".
Essa e outras histórias sobre as torcidas organizadas estão em "Sobre meninos e porcos", a terceira temporada do podcast "UOL Esporte Histórias", que vai ao ar às quartas-feiras.
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