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Piada com morte de fundador da Mancha Verde causou pancadaria e tiros em 88

Adriano Wilkson e Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

17/12/2021 04h00

Em menos de uma semana, o som do disparo de arma de fogo foi ouvido quatro vezes no estádio do Palmeiras e seus arredores.

Os dois primeiros, na noite de 17 de outubro de 1988, foram das balas que mataram o então presidente da Mancha Verde, Cleofas Sóstenes Dantas da Silva. Os outros estampidos vieram seis dias depois. Por pouco, não foram a trilha sonora de uma nova tragédia.

Cleo "Guerreiro", como Cleofas é conhecido até hoje, é o primeiro assassinato conhecido de um membro de torcida organizada no Brasil. Os integrantes da Mancha Verde ainda estavam sob o baque do crime quando foram ao Parque Antarctica apoiar o time na partida contra o Cruzeiro e homenagear o companheiro morto.

Homenagem que foi desrespeitada pelos rivais, o que iniciou uma briga generalizada nas arquibancadas.

Essa e outras histórias você escuta em "Sobre meninos e porcos", a terceira temporada do podcast "UOL Esporte Histórias". Você pode conferir o quarto episódio no player acima e nas principais plataformas de áudio.

Parecia que o Palmeiras estava disputando o título da Copa União (não estava). Quem foi ao estádio viu uma queima de fogos de mais de três minutos de duração assim que a bola rolou. O placar eletrônico mostrava a frase "Cleo e Palmeiras, unidos eternamente". A festa solene e ao mesmo tempo barulhenta foi interrompida por cânticos da Máfia Azul, organizada do Cruzeiro, que insultavam o falecido.

Os relatos sobre qual seriam esses cânticos variam. Há quem diga que os cruzeirenses cantaram "Cleo, **zão, vim aqui no seu caixão", enquanto alguns se lembram de ouvir "Cleo morreu, a Mancha se f****". Fato é que estourou a pancadaria no canto do estádio então destinado à torcida visitante. Em seguida, palmeirenses que estavam em outras partes do arquibancada correram para ajudar.

Mancha x Máfia Azul - Reprodução - Reprodução
Revista "Placar" relata briga entre Mancha Verde e a polícia no Parque Antarctica após a morte do torcedor Cleo Dantas
Imagem: Reprodução

Em uma rara transmissão ao vivo de briga de torcida naquela época, o narrador Peirão de Castro, da TV Gazeta, ficou chocado com o que via. "É um absurdo o que acontece aqui no Parque? Um absurdo. Mas que que é isso, minha gente, isso é desespero. Olha que barbaridade. Onde nós estamos?", diz Peirão durante a transmissão.

As provocações da Máfia Azul não foram gratuitas: estão inseridas no contexto das alianças entre torcidas organizadas de diferentes estados. Em Minas Gerais, a Mancha Verde é aliada da Galoucura, do Atlético-MG, enquanto a Máfia sempre foi mais próxima da Independente, do São Paulo.

"Eu fui um dos caras que começou a briga. Eu estava lá com a torcida do Cruzeiro, com a roupa do Cruzeiro. Eu e mais cinco", diz Marcelo Lima. Presidente da TUP (Torcida Uniformizada do Palmeiras), ele esteve ao lado da Mancha Verde em muitas brigas nos anos 80.

José Carlos Burti, outro integrante da TUP na época, também lembra da briga. "Antes de começar o jogo, [a Máfia Azul] veio com um refrão muito chulo. Aquilo bastou pra todo o estádio praticamente ir pra cima da torcida do Cruzeiro. Jogamos todos eles ali no canto. A polícia não tinha como segurar a gente. Uma das piores brigas", diz Burti.

A polícia realmente teve dificuldades em controlar a situação. Tanto que saíram do revólver de um sargento da PM os tiros que voltaram a ecoar na região. De acordo com a reportagem da "Folha de S.Paulo" sobre o incidente, ele atirou para o alto porque estava caído no chão com vários torcedores em cima dele.

A matéria também afirma que "alguns torcedores da Mancha Verde, considerados os mais agressivos do futebol paulista, não se conformam com a morte do companheiro, nem parecem dispostos a aguardar que a 23ª delegacia de polícia, onde o inquérito para apurar a morte de Cleo foi instaurado, descubra os criminosos. Domingo, apesar da roupa branca com que se vestiram, eles voltaram a impor terror a quem pretendia assistir em paz à partida do Palmeiras contra o Cruzeiro."

Sobre meninos e porcos

"Sobre meninos e porcos" é a terceira temporada do premiado podcast "UOL Esporte Histórias", que conta a história de como as torcidas organizadas saíram da festa e chegaram à violência. O relato é centrado no assassinato de Cleo Sóstenes nos anos 1980, considerado o marco da chegada das armas de fogo às brigas de torcida. Você pode conhecer essa história, que os repórteres Adriano Wilkson e Daniel Lisboa investigam há um ano, em um podcast de seis episódios.

1: Respeito é pra quem tem

2: E ninguém vai me segurar

3: Sangue derramado

4. Calibre 38

5. Chumbo de caça

6. Se eu morrer não chorem por mim

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