Vasco: elogiada por VP, união com banco gerou briga judicial e parou em CPI
Durante a explanação sobre a SAF, promovida pelo Vasco ontem (21), o vice-presidente Jurídico José Bulhões lembrou uma oportunidade anterior em que o clube "se abriu a investimento externo", e ganhou os títulos da Libertadores, do Brasileiro, da Mercosul e do Carioca. O dirigente estava se referindo à parceria entre o Cruz-Maltino e o NationsBank, firmada no fim da década de 90. O acordo, porém, terminou com processos judiciais, teve ligação com uma crise financeira que veio logo depois e chegou a estar em meio a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
O vínculo entre o NationsBank e o Vasco foi firmado em abril de 1998. De acordo com matéria publicada pela Folha de S. Paulo, era o "maior contrato da história do futebol brasileiro, considerando o dinheiro envolvido". Ainda segundo a publicação, o acordo cedia "por dez anos a exploração da marca do clube".
Atual presidente, Jorge Salgado, à época derrotado no pleito que aconteceu no ano anterior à assinatura do vínculo, elogiou o contrato, mas criticou o fato de não ter havido um debate maior entre os conselheiros. "O correto seria uma discussão com o conselho deliberativo, mas é um bom contrato", disse à Folha de S. Paulo.
Atualmente, um dos pedidos é, justamente, por mais transparência neste processo. A urgência com a qual a gestão tem tratado o tema também vem gerando incômodo em alguns grupos políticos.
Mais recentemente, durante a campanha para o pleito que aconteceu em novembro de 2020, Salgado citou a verba estrangeira, em entrevista ao 'ge'. "Se gastou essa grana toda em despesas correntes, não foi feito nenhum tipo de investimento relevante, nenhum legado".
Na ocasião da assinatura de contrato, uma empresa criada em comum acordo entre o Cruz-Maltino e o NationsBank, a VGL (Vasco da Gama Licenciamentos S/A) receberia R$ 34 milhões à vista.
"Curiosamente, o contrato está sendo fechado com a agremiação que tem como dirigente Eurico Miranda, adversário da proposta do projeto Pelé de transformação dos clubes em empresas", relatou a Folha. "Não estou vendendo o clube. Eles [o banco] botam dinheiro e a capacidade de administrar a marca", afirmou o dirigente ao jornal.
Nos anos seguintes, o clube da Colina fez investimentos não apenas no futebol, mas também em diversas modalidades olímpicas, como parte do projeto de fazer a marca se alastrar ainda mais pelo território nacional.
A parceria durou até fevereiro de 2001, quando o clube rompeu com a VGL de forma unilateral. Segundo nota, a empresa ligada ao NationsBank estaria inadimplente e não teria cumprido termos estabelecidos no acordo. Vice-presidente Jurídico do Cruz-Maltino na oportunidade, Paulo Reis disse que a VGL devia ao clube US$ 12 milhões, e essa dívida seria a causa da crise financeira que o clube atravessava.
"Em determinado momento, já em 2000, como o banco não pagava ao clube, o Vasco fez um acordo com a Rede Globo, que era no seguinte sentido. Como a Rede Globo tinha negócios com o banco, ela entendeu o seguinte: 'eu te passo esse dinheiro aqui, e depois o banco vai me pagar quando tiver que pagar, fica tudo resolvido'. Quando o Vasco denuncia o contrato em fevereiro de 2001, a Rede Globo: 'opa, peraí. Se ele está denunciando o contrato, eu não vou receber do banco'. Então, a Rede Globo trata como antecipação de receita aquilo que o Vasco pegou ao longo daquele período. Tanto que é dito que o Vasco não tem cota de TV até 2003. Esse é o primeiro ponto", explicou o benemérito Sérgio Frias, autor da biografia "Eurico Miranda - Todos contra ele", em live no canal do grupo político Casaca, em dezembro do ano passado.
"O outro ponto é referente a VGL. A VGL diz que o Vasco pegou aqui, no final, R$ 80 e tantos milhões, o Vasco me deve isso. Denunciou o contrato, e esse valor que o Vasco se antecipou? Essa discussão durou quase dois anos e chegaram à conclusão de zerar tudo", completou.
Segundo Frias, todo esse caso gerou uma asfixia financeira ao clube nos anos seguintes ao fim da parceria.
"Qual o prejuízo que o Vasco ficou? O Vasco tinha todos aqueles contratos porque tinha um lastro para pagar. Se ele deixou de ter o lastro, e se em determinado momento utilizou uma verba que era para o banco pagar e passou a ser visto como antecipação da Rede Globo, obviamente, nos anos subsequentes... A lógica ali foi a seguinte: o banco saiu, a marca do Vasco está presa porque quem a explorava era o banco. Eu, Rede Globo, estou considerando que antecipei cotas. Como o Vasco vai fazer para ter dinheiro? Torniquete financeiro neles"
O contrato entre e Vasco e NationsBank também foi parar na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurava irregularidades no futebol brasileiro. No fim de fevereiro de 2001, Agathyrno da Silva Gomes, ex-presidente do Cruz-Maltino, disse, em depoimento "que metade da verba destinada ao clube pelo Bank of America foi depositada na conta de terceiros" por ordem de Eurico, então deputado federal pelo PPB-RJ, como aponta matéria publicada no site oficial do Senado.
Pouco após o vínculo com o Vasco se assinado, o NationsBank incorporou o BankAmerica, formando o Bank of America.
Ainda de acordo com a publicação, "segundo Agathyrno, o banco investiu R$ 34 milhões pelo direito de explorar a marca e os direitos comerciais e de arena do clube, mas apenas R$ 17 milhões foram contabilizados pela Tesouraria do Vasco".
Na descrição do depoimento feita pelo site do Senado, aponta-se que Agathyrno sinalizou que "apenas um ano depois da assinatura do contrato entre o Vasco e o banco norte-americano (o contrato foi assinado em março de 1998) o então vice-presidente de futebol Eurico Miranda anunciou aos Conselhos Fiscal e Deliberativo do clube a existência do contrato".
Discussão pela SAF
O Vasco, que está em meio a um debate sobre a implementação da SAF, organizou uma live à torcida com o vice-presidente Geral, Roberto Duque Estrada, e com o vice-presidente Jurídico, Zeca Bulhões.
Durante o evento, Duque Estrada afirmou que "os estudos foram iniciados, estão em fase de conclusão, e estamos começando com a segunda etapa, que é a conversa com interlocutores, possíveis investidores".
O assunto, porém, não é unanimidade, tanto entre conselheiros quanto entre torcedores. Alguns atores políticos lembram que, na ocasião da campanha, diversas propostas foram apresentadas e o "clube-empresa" nem sequer foi discutido pela "Mais Vasco" como um dos caminhos a ser seguido.
Além disso, há a indicação de que o projeto ainda carece de discussões quanto a inúmeros critérios técnicos — com questões que envolvem até mesmo os credores — e o que ele pode acarretar ao futuro do Cruz-Maltino. Vale ressaltar que a Diretoria Administrativa formalizou um pedido aos Conselhos Deliberativo e de Beneméritos para transformar o futebol do clube em empresa apenas no fim de novembro.
Até aqui, alguns nomes de investidores foram apontados como possíveis interessados no Vasco, sendo que um deles foi a empresa americana 777 Partners, dona do Genoa, da Itália, e de outras equipes, além de ter participação minoritária de 15% no Sevilla, da Espanha.
O Cruz-Maltino, recentemente, contratou a empresa de auditoria e consultoria KPMG, para valorar o projeto, e o escritório de advocacia Veirano, para estudar toda a parte jurídica.
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