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Fred volta às origens com seleção em BH: futebol deu mais certo que teatro

Fred, volante da seleção brasileira e do Manchester United - Reprodução
Fred, volante da seleção brasileira e do Manchester United Imagem: Reprodução

Gabriel Carneiro e Igor Siqueira

Do UOL, em Belo Horizonte

31/01/2022 04h00

Fred nunca foi Hamlet, mas, quando menino, deparou-se — figurativamente — com essa famosa frase escrita por William Shakespeare: "Ser ou não ser, eis a questão". Na prática, não houve dúvida alguma. A parte do "ser" foi para a vida de jogador de futebol. O "não ser" ficou para as aventuras como ator.

Mesmo já dando passos no futebol, o menino passou a desenvolver a veia artística em um curso de teatro. Esse pedaço da história, inclusive, faz parte das origens de Fred em Belo Horizonte, com quem se reencontra para o jogo do Brasil com o Paraguai, amanhã (1), pelas Eliminatórias.

O primo Sidnei Miranda brinca até que a mãe do atual jogador do Manchester United, Roseli, queria que Fred fizesse novela. Mas talento mesmo o garoto tinha com a bola no pé.

"Ele fez uns cursos de teatro quando era pequeno. Era horroroso como ator. Foi jogar bola. Não concluiu, ficou apertado demais. Ele tinha uns 12 anos. Não chegou a se apresentar, graças a Deus", lembra Sidnei, às gargalhadas.

Fred é o único mineiro entre os jogadores convocados atualmente por Tite. Pelas restrições relacionadas à pandemia, não pôde visitar a família desta vez - "perdeu" uma carne na brasa ontem.

Curiosamente, ele nunca jogou no Mineirão, palco do duelo contra os paraguaios. Mas Fred conhece outros campos menos badalados da cidade. Na infância e início da adolescência, fez muitos jogos no campo do Dom Orione, na Pampulha — de onde é possível chegar ao Mineirão com uma caminhada de 950m.

"Vai ser uma honra, nunca tive oportunidade de jogar no Mineirão, quando subi no profissional estava em reforma, joguei no Independência. Agora vai ser uma honra, com minha família presente", afirmou ele, em coletiva no sábado (29).

Fred, hoje volante da seleção, ao lado de companheiros de time quando era criança; técnico era Fábio - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Fred, hoje volante da seleção, ao lado de companheiros de time quando era criança
Imagem: Acervo pessoal

A origem de Fred como jogador, e não ator, remete à Liga Mineira, uma escolinha de futebol no bairro de Venda Nova, que chegou a ser um projeto tocado pelo ex-jogador Éder Aleixo. Quem o levava para os treinos, na maioria das vezes, era o avô, Gercino. A família não era rica, mas não passava tanto sufoco, como em muitos casos de garotos que deixaram a pobreza por causa do futebol.

"Fred sempre foi franzino, mas suportava muito bem o jogo. Tinha uma resistência muito boa. Era meia, camisa 10, muito dinâmico, muito técnico. Sempre trabalhou muito bem com as duas pernas. Um talento raro. A gente falava: 'Esse menino não tem erro, não. Vai virar'", conta Fábio Brostel, que foi treinador de Fred em duas escolinhas, antes que ele chegasse à base do Atlético-MG.

Fred (agachado, terceiro da esquerda para a direita), volante da seleção, quando atuava em um time de garotos em Belo Horizonte - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Fred (agachado, terceiro da esquerda para a direita), volante da seleção, quando atuava em um time de garotos em Belo Horizonte
Imagem: Acervo Pessoal

Ao mesmo tempo em que treinava no society e fazia jogos semanais no campo, Fred também ganhou "casca" defendendo o time do colégio Magnum, cujo treinador era Enderson Moreira, atual técnico do Botafogo.

Se Fred hoje, apesar do destaque no Manchester United e da sequência de jogos na seleção, não chega a ser unanimidade como titular, a rotina na infância boleira era diferente. Nas palavras de Fábio, "ele sobrava".

"A gente percebia um estilo bem único dele de jogar. Ele sempre foi muito liso, corria muito. Tinha uma liderança legal dentro do grupo. Era bacana de ver. Mesmo em campos de terra, já se sobressaía. A bola vinha e ele matava. Era articulador, era ótimo cobrador de faltas. Eu lembro de um jogo que nós fizemos, entre Liga Mineira e Riachinho, e ele fez um gol de falta e nós vencemos", complementa o técnico, que deixou recentemente a base do Cruzeiro e está de mudança para trabalhar no Uberlândia.

O estopim para Fred deixar o teatro foi o aumento de oportunidade na base do Atlético-MG, clube do coração. No Galo, deixou de ser meio-campista e passou a atuar como lateral-esquerdo. Seguiu como destaque.

Mas a profissionalização não viria ali, mas no Internacional. A saída se deu em 2009, quando ele tinha de 15 para 16 anos, e foi conturbada. Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético, chegou a dizer em 2012 que o Colorado tinha "roubado" o jogador. O pivô da situação foi Roberto Assis, irmão de Ronaldinho Gaúcho.

"Quando ele foi procurado pelo pessoal do Assis, o Atlético foi jogar torneio lá no sul e ele até quebrou o braço nesse torneio. Mas ele jogou só a primeira fase e foi eleito o melhor lateral-esquerdo. Quando ele veio embora, fizeram contato", diz o primo Sidnei Miranda, que é próximo a Fred, a ponto de ser um dos membros da família que ficaram em Sochi, durante a Copa do Mundo da Rússia.

Fred deixou o Galo rumo ao Porto Alegre FC, time de Assis, e no ano seguinte estava no Inter. Foi ali que a situação financeira começou a melhorar. Na mudança, a mãe foi junto e eles chegaram a morar no condomínio de Assis, na capital gaúcha, até se tornar profissional e conseguir a casa própria.

"Na época, o Atlético-MG tinha o salário fixo da base, uma ajuda de custo. O Atlético não quis melhorar para ele, porque era a política da época. O Assis disse que conseguiria algo melhor. Quando chegou ao Inter, alcançou um salário já razoável, levou a mãe junto, passou a morar no condomínio do Assis e só saiu quando comprou uma casa", acrescenta Sidnei.

Fred, volante da seleção brasileira, durante treino na Toca da Raposa - Lucas Figueiredo/CBF - Lucas Figueiredo/CBF
Fred, volante da seleção brasileira
Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Fred já disse que, se tivesse que voltar ao futebol brasileiro, seria para atuar no Galo ou no Inter. Enquanto isso não acontece, ele se vê diante da chance de estar na segunda Copa do Mundo. Mas tem cara de primeira, já que na Rússia ele sofreu uma lesão ainda na fase de treinos, em Londres, e não entrou em campo. De todo modo, a trajetória é orgulho de uma família que é muito ligada ao futebol.

"A família teve jogador, mas uns deram problema. Teve um tio mais velho, Rogério Miranda, que jogou no profissional, no Gama, na Portuguesa. Mas Fred chegou mais longe. A gente tinha esperança, mas passou do patamar que a gente esperava. Superou as expectativas. Hoje é titular da seleção", diz Sidnei, que vê menos críticas ao meio-campista com a sequência de oportunidades:

"Ele nunca foi de mídia. Então, pouca gente do Brasil conhece. Mas até quem criticava hoje fala bem. Entenderam que ele está em um momento bom, jogando bem".

O destino traz algumas ironias: sem ser ator, Fred hoje joga em Old Trafford, estádio do Manchester United que tem apelido de Teatro dos Sonhos. E um dos sonhos atuais passa por chegar ao Qatar bem:

"Procuro trabalhar mentalmente para chegar firme na próxima Copa, procuro deixar as coisas ruins para trás. Faz parte do crescimento, e agora é procurar trabalhar, fazer o melhor para estar na próxima Copa e estar 100%".