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Neymar, Romário e mais: novo mercado de séries vai pôr dinheiro no futebol

Neymar e Mbappé após a vitória do PSG sobre o Real Madrid, pelas oitavas de final da Liga dos Campeões 2021/2022 - Geoffroy Van Der Hasselt/AFP
Neymar e Mbappé após a vitória do PSG sobre o Real Madrid, pelas oitavas de final da Liga dos Campeões 2021/2022 Imagem: Geoffroy Van Der Hasselt/AFP

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

17/02/2022 04h00

Lançada há três semanas pela Netflix, a série "Neymar: O Caos Perfeito" bateu recordes de audiência na internet, apareceu entre os produtos mais vistos da plataforma no mundo inteiro e transformou o jogador de 30 anos na personalidade mais buscada do Google durante certo período aqui no Brasil.

Está certo que nem todos os personagens retratados em séries, filmes ou documentários contam com o mesmo apelo do camisa 10 da seleção brasileira e do Paris Saint-Germain, mas tem gente de olho no significado de todos estes dados que mostram a relevância da produção. Na verdade, já existe todo um mercado que espera bombar no país na esteira do sucesso de Neymar.

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Fora do Brasil é uma realidade, mas por aqui ainda engatinha este filão de conteúdos originais de esporte produzidos por plataformas de streaming — que são aqueles sites ou aplicativos que permitem o acesso a suas obras online, tipo a Netflix. Uma destas plataformas é a HBO Max, que planeja lançar ainda no primeiro semestre de 2022 uma série polêmica: "Romário, O Cara".

Romário - Divulgação/HBO Max - Divulgação/HBO Max
Filmagens da série "Romário, O Cara" duraram entre agosto e dezembro do ano passado
Imagem: Divulgação/HBO Max

"São mais de 80 entrevistados em nove ou dez países diferentes. É um mergulho pela história de vida do Romário. Uma série brasileira, mas escrita para o contexto mundial. O esporte nos dá possibilidade de ter personagens globais muito fortes no Brasil, diferentemente do que acontece na cultura. Esportistas são caminhos de projeção de identidade brasileira e temos que aproveitar", diz Bruno Maia, diretor da série de seis episódios que promete "um nível de acesso que o jogador jamais consentiu".

Antes de lançar "Romário, O Cara", a HBO Max ainda estreia no próximo dia 24 a produção internacional "Bilardo, O Doutor do Futebol", sobre o treinador argentino campeão mundial de 1986. E já tem algumas outras no mercado: "Simeone: Viver Jogo a Jogo" e "O Coração de Sergio Ramos", na plataforma Amazon Prime Video, além de "Pelé", "O Divino Baggio", "Antoine Griezmann: Nasce Uma Lenda", "Anelka, O Incompreendido" e "Maradona no México", no catálogo da Netflix. Por aí vai.

Streaming já bomba no Brasil

No começo do mês, a Kantar Media divulgou seus primeiros levantamentos de audiência dos serviços de streaming no Brasil. De acordo com os dados, 22% dos brasileiros das 15 maiores regiões metropolitanas consomem conteúdo em vídeo desta forma. É o segundo maior ibope do país, atrás só da Globo.

Streaming - Getty Images - Getty Images
De todas as emissoras abertas, a única que tem maior audiência que o streaming no Brasil é a Globo
Imagem: Getty Images

Também existe um recorte por idade nestes dados. Por exemplo: na faixa de 12 a 17 anos, 42% consomem streaming. O número cai para 9% na faixa acima de 60 anos. E está aí um dos segredos deste novo mercado de conteúdos originais sobre futebol: a partir das redes sociais e das plataformas de streaming, a formação de novos torcedores e consequente criação de ídolos — com suas trajetórias potencialmente admiráveis —, ou então a apresentação do tal ídolo para uma nova geração.

"Apesar do sucesso desses atletas ou clubes dentro do campo ou da quadra, foi somente agora que eles conseguiram alcançar um público que, há alguns anos, provavelmente não teriam. Eles conseguiram conquistar maior destaque e alcance, e consequentemente mais torcedores e fãs", opina Felipe Sarno, CEO da agência de marketing esportivo MVP.

Há um ano e meio, uma reportagem do UOL mostrou que está em andamento uma mudança do perfil do torcedor de futebol, cada vez mais conectado e presente nas mídias sociais (se for jovem, mais longe da TV e do conteúdo ao vivo), além de propenso a encontrar novas formas de entretenimento e buscar afinidade com seu time ou ídolo além do campo. Hoje, o mercado lida com as mudanças de comportamento a fim de não perder dinheiro.

Torcida - Ettore Chiereguini/AGIF - Ettore Chiereguini/AGIF
Torcida do Corinthians na Neo Química Arena
Imagem: Ettore Chiereguini/AGIF

Uma nova propriedade?

A teoria de Bruno Maia, o responsável pela série sobre Romário, é que os conteúdos originais serão uma nova propriedade dentro do futebol, uma fonte de receitas.

"Muita gente diz que a propriedade continua sendo a mesma, de direitos de imagem. Mas quando você vende transmissão de jogos é uma coisa, álbum de figurinha é outra, e etc. Existe um nicho, uma especialização, um caminho específico para rentabilizar um tipo de produto que a imagem gera. Isso está sendo desenvolvido agora", diz.

A diminuição do predomínio da televisão como canal para geração de receitas de imagem é que faz com que este fenômeno de séries, filmes e documentários no ambiente digital tenha mais importância. Em novembro de 2014, a TV por assinatura tinha 19,7 milhões de assinantes no país e vivia seu melhor momento. De lá para cá, perdeu mais de 20% do seu tamanho.

Da mesma forma a TV aberta, que em 20 anos perdeu quase metade do público. Isso não significa que a TV tenha ficado irrelevante — ela ainda domina o mercado —, mas é fato que está circulando menos dinheiro e que isso atinge também o futebol, assim como a todos os produtos que têm espaço na programação. Mas para Bruno Maia, os altos valores arrecadados com imagem na época do auge da TV, em 2014, ainda são viáveis.

Futebol - Getty Images - Getty Images
Desde 2019, o tempo médio de consumo diário de internet, seja no computador, celular ou tablet, passou o da TV
Imagem: Getty Images

"Hoje são dez coisas pequenas e cada uma representa 10% dos 100% antigos. Talvez a gente esteja falando aqui de uma que represente 10% [conteúdos originais em streaming]. Não vou ter o tamanho do contrato da Globo e nem é para ser, porque o conteúdo ao vivo ainda é a melhor coisa que o futebol tem para oferecer e vai continuar sendo assim talvez para sempre. Mas talvez ele não pague mais tanto, porque as pessoas não estão mais somente no ao vivo", relata Bruno Maia, antes de completar:

Ao vivo a pessoa tem que estar sentada numa hora x, sendo que ela se habituou a consumir coisas na hora que quer. Por isso não se paga mais tanto. Mas aquela receita é possível de ser alcançada e eventualmente até superada. Só que por outra distribuição, em que você terá ações mais específicas. Não é repor a receita que perdeu com a Globo, é compensar uma mudança a partir de várias frentes."

Neymar explica importância de mostrar vida pessoal em série:

Quem põe a mão na massa

David Charles Rodrigues é o diretor da série "Neymar: O Caos Perfeito". Ele estava desenvolvendo um projeto no universo do basquete que não vingou dentro da produtora do astro LeBron James, nos Estados Unidos. No meio desse processo, Neymar e a Netflix procuraram LeBron e sua empresa para o desenvolvimento de uma série documental, e David foi chamado para apresentar uma proposta de narrativa, que foi aceita. Ele diz que teve liberdade para contar a história que quisesse.

David Charles - Corinne Schiavone - Corinne Schiavone
David Charles, diretor da série do Neymar
Imagem: Corinne Schiavone

"A história é grande, complexa, mas da forma que consegui fazer estou bem satisfeito. Eles [Neymar e estafe] foram muito corajosos e, eu acho, inteligentes, de a palavra final criativa ser minha e da Netflix. Eles souberam desde o início de que tomavam um risco muito grande ao fazer essa série. Para mim, o papel do documentário é criar perguntas e deixar as pessoas que assistirem responderem por si mesmas. Neymar é uma pessoa que divide opiniões e eu espero que as pessoas vejam o documentário da forma que filmei, sem preconceito e uma opinião preestabelecida", conta o diretor.

Esse debate sobre de onde deve partir a iniciativa para produção de conteúdos originais no futebol é uma das indefinições do mercado em formação. O fato de os próprios atletas também serem influenciadores hoje, como é o caso de Neymar, facilita a formação do interesse, além do crescimento de sua presença como marcas maiores até que a dos clubes.

É o que diz Felipe Sarno: "O ambiente digital é a plataforma perfeita para os atletas mostrarem realmente quem eles são e o que eles pensam (...) O marketing de influência é a tendência atual e os atletas têm que enxergar esse mercado como uma grande oportunidade. Engana-se o atleta que acha que somente os títulos conquistados durante a sua carreira irão ditar o seu desempenho nas redes sociais. O atleta que quer ter sucesso nas redes sociais tem que se profissionalizar."

Neymar - Lucas Lima/UOL - Lucas Lima/UOL
Neymar comemora com a torcida no Maracaná após receber a medalha do ouro das Olimpíadas do Rio, em 2016
Imagem: Lucas Lima/UOL

Bruno Maia tem uma visão ao mesmo tempo complementar e oposta sobre o assunto: "Não acho que seja um papel que caiba aos clubes, federações, entidades e atletas. Eles devem ter parceiros estratégicos que pensem o negócio entendendo as pretensões, o que está sendo consumido agora, o que funciona e o mercado. Hoje o momento é de grandes histórias, grandes biografias, daqui a pouco podem ser histórias específicas, depois histórias de parcerias entre dois personagens. Você pode fazer linhas infinitas de conteúdos do seu ativo."

O futuro já começou

Ainda não há uma projeção de receitas possível porque o mercado está em formação, mas o fato de no Brasil praticamente não haver produtos disponíveis nos catálogos das grandes plataformas de streaming mostra que a demanda deverá ser acelerada nos próximos meses e anos. É o esporte como entretenimento, um complemento aos conteúdos ao vivo e promocionais de jogos e competições — tipo os famosos vídeos de bastidores, por exemplo.

Está preparado para conhecer seu ídolo como você nunca viu?