Kannemann: 'Sou bicampeão da Libertadores e marquei Ronaldo duas vezes'
O computador faz a mágica e leva Kannemann de volta ao passado. A tela reproduz imagens de um torneio de pênaltis que é febre na província de La Matanza, na grande Buenos Aires. Lá, centenas de homens se amontoam diante de um cobrador e goleiro em uma quadra de esportes. Ali, apostam dinheiro, berram e tentam intimidar os protagonistas, que se revezam durante toda a noite. As cenas impressionantes são apresentadas a amigos brasileiros do zagueiro do Grêmio com um acompanhamento quase tão perfeito como batata frita para um bife de chorizo. É uma frase que sintetiza o espírito do argentino.
"Eu vim desse lugar. Entendeu agora?", diz Kannemann ao espectador do vídeo, sentado ao lado dele, em Porto Alegre.
A matéria de 12 minutos do canal Telenoche, sobre o torneio de pênaltis no subúrbio, é uma maneira de Walter Kannemann explicar o jeito de jogar futebol. É uma nova versão para o clássico "a pressão me motiva". Explica, também, sobre a figura além do zagueiro.
O bicampeão da Libertadores nasceu quase na fronteira com o Uruguai, mas ainda criança foi com a família para Buenos Aires. E foi lá que Walter virou Kannemann, ao entrar nas categorias de base do San Lorenzo com sete anos.
"Ele conta que a escola do San Lorenzo ensinou tudo sobre o futebol. Onde se posicionar, como se posicionar. Tudo, tudo", revela Jorge Seguro, empresário argentino radicado em Porto Alegre há 20 anos.
Kannemann subiu ao time principal do San Lorenzo com 19 anos, mas não ficou. Voltou para a base e só teve outra chance aos 21. Fez parte do grupo campeão da América em 2014 e terminou aquele ano jogando como zagueiro pela direita. Em dezembro daquele ano, viveu outra experiência que sempre fez questão de lembrar no Brasil.
"Eu sou bicampeão da Libertadores. E marquei o Cristiano Ronaldo. Duas vezes", diz em raro momento onde se gaba diante do pequeno círculo de amigos em Porto Alegre. O zagueiro encarou CR7 nas decisões dos Mundiais de Clubes da Fifa de 2014 e 2017, este último com a camisa do Grêmio.
Em Buenos Aires, na passagem pelo Atlas-MEX e ao chegar no Grêmio, Kannemann sempre chamou atenção pela simplicidade. Na Argentina, chegou a viralizar quando deu entrevista a uma emissora de TV e ironizou os colegas de vestiário que investiam o dinheiro em roupas e chegavam aos treinos com figurinos elaborados.
"Eu não uso calça jeans apertada, que levanta a bunda ou essas coisas. Não uso gel, creme, nada disso", avisou à época.
O jeito direto com as palavras também aparece no campo. Em 2016, o Grêmio foi para cima do Atlas atrás da contratação e depois de idas e vindas conseguiu acordo com os mexicanos. O acerto foi de 1,2 milhão de dólares pelo zagueiro argentino. Escolhido a dedo.
"Ele tem um tempo de bola impressionante. Mas principalmente, queríamos um líder de vestiário", lembra Júnior Chávare, então diretor executivo de futebol do Grêmio. "Desde a chegada dele, sempre se mostrou muito forte, contundente, claramente sabia o que queria", elogia o dirigente, que participou da negociação entre o clube gaúcho e o Atlas.
Kannemann foi campeão da Copa do Brasil e da Libertadores, com a camisa do Grêmio, em intervalo inferior a um ano. O jeito de jogar, a personalidade e os títulos ajudaram o argentino a se tornar um líder do vestiário. Do estilo silencioso e que comanda pelo exemplo, segundo os colegas e funcionários do clube.
"Sabe a história da peça que faltava no quebra-cabeça? É essa a história do Kannemann no Grêmio. Ele deu um plus muito grande nessa parte para o vestiário", frisa Chávare.
São diversos os relatos de dia a dia que apontam para um Kannemann que se transforma às vésperas de a bola rolar.
"Eu já vi ele se estapear todo na cara no aquecimento. Tipo aqueles lutadores antes de ir pro ringue", diz um funcionário gremista. "Um dia ele botou uns colchonetes na parede e começou a chutar aquilo. Ele chutava a parede", contou Marcelo Oliveira, ex-lateral esquerdo ao canal do jornalista Duda Garbi, no YouTube. "Ele é um líder emocional nato e autêntico, espontâneo", completa Júnior Chávare.
Basquete sim, álcool não
Se a conduta fala mais do que as palavras, quem tem a chance de ver Kannemann de perto pode notar detalhes que o argentino não conta. Ou não vê necessidade de dizer. Seja em casa ou no dia a dia do vestiário.
Os vizinhos em Porto Alegre se acostumaram a ver o ilustre morador do condomínio na quadra, jogando basquete sozinho. No armário de casa, são várias as camisas de times da NBA. O jogo dinâmico é uma dos passatempos de Kannemann.
Depois da vitória em cima do Lanús e confirmação do título da Libertadores, Kannemann protagonizou uma cena raríssima. O zagueiro sorveu latas e latas de cerveja, em meio a comemoração pela conquista. Ele jamais havia bebido e afirmou que é abstêmio. O regime sem álcool foi interrompido pelo dia histórico na grande Buenos Aires.
"Ele vai ser meu café da manhã"
Além dos títulos, Walter Kannemann tem outras coisas que turbinam o currículo pelo Grêmio. A parceria histórica com Pedro Geromel e o retrospecto em Gre-Nal. Os duelos com Paolo Guerrero, atacante do Inter entre 2018 e 2021, geraram memes na internet. Mas o primeiro embate foi com outro estrangeiro colorado. E pelas páginas de um jornal.
Era julho de 2016 e a dupla Gre-Nal havia concluído negócios às vésperas do fechamento da janela de transferências. No Grêmio, Kannemann havia chegado. No Inter, o reforço era Nico López, destaque da Libertadores pelo Nacional, de Montevidéu.
"Ele pegou o jornal para ler e viu sobre ele apenas uma notinha de rodapé, pequena, e mais de meia página falando do Nico. Kannemann perguntou: 'Quem é esse?' e eu disse que era o atacante que o rival havia contratado. Ele sorriu e falou: "Esse vai ser meu café da manhã", recordou Chávare.
Entre jogos e treinos, Kannemann também precisa driblar outra fama que os amigos brasileiros gostam de lembrar em tom de brincadeira: o estilo econômico. Pão duro mesmo. A ponto de ouvir piadas sobre o chimarrão alheio, o churrasco na casa de terceiros.
"Ele é de uma escola de jogadores do estilo antigo. Aqueles caras que sabem que é uma fase da vida. E entendem que sendo uma fase, não se pode estar no teto sempre. Ele sabe que uma hora isso passa. A postura dele, de ser pão-duro, digamos assim, também vem da formação familiar, do lugar de onde ele veio".
E quem quiser ver um traço da cultura que forjou Kannemann, fique à vontade. É só digitar 'La Matanza: La verdadera lotería de los penales' no YouTube e assistir um pouco do DNA do zagueiro argentino do Grêmio.
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