A pé na estrada, com frio e medo: jogadores sofrem para deixar Ucrânia
Eles foram à Ucrânia para viver o sonho do futebol europeu, mas de repente se viram no meio de um pesadelo para o qual jamais puderam se preparar. No quarto dia desde a invasão russa, a maior parte dos cerca de 40 jogadores brasileiros que atuam no país já conseguiu ou está em vias de conseguir cruzar a fronteira, para se afastar de vez da guerra que os pegou de surpresa.
Ontem, o maior grupo, que se concentrava no bunker de um hotel em Kiev, voltou à superfície e conseguiu embarcar em um trem oferecido pela embaixada brasileira. Por segurança e numa tentativa de demonstrar neutralidade, o comboio decidiu exibir bandeiras brasileiras nas janelas dos carros. Os jogadores e seus parentes (entre eles, mulheres, idosos e crianças) se afligiram com o som dos tiros e bombardeios da batalha de Kiev, enquanto civis ucranianos pegavam em armas e improvisavam coquetéis molotov para se defender dos russos.
"Quem deu toda a segurança de escolta até a estação de trem foi a Uefa, junto com a Federação Ucraniana de Futebol. Muito obrigado a todos. Sem palavras para agradecer", escreveu o zagueiro Marlon, líder e porta-voz do grupo, direto do trem rumo à cidade de Chernivtsi. De lá, eles tentariam um ônibus até a Romênia ou a Moldávia.
A Ucrânia é um dos principais pontos de entrada de jogadores brasileiros na Europa, em razão de um modelo de negócio inovador do Shakhtar Donestk, o principal clube do país, que desde 2005 vem contratando em peso brasileiros pouco conhecidos para revendê-los anos depois mais valorizados.
Jogadores de clubes menores tiveram ainda mais dificuldades pra deixar o país. O gaúcho Lucas Rangel, do Vorskla Poltava, vivia a 140 km de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia e uma das primeiras a ser bombardeadas ainda no primeiro dia de guerra. Com o espaço aéreo fechado e sem opções de transporte público, Rangel juntou amigos e outros viajantes e encarou uma jornada de 30 horas até a fronteira com a Polônia. A 25 km do destino final, com um engarrafamento intransponível, parte do grupo decidiu abandonar os carros e a maior parte de seus pertences seguir a viagem a pé.
O jogador transmitiu tudo pelos seus stories no Instagram. Até o meio da tarde de ontem, ele aguardava com fome e sob um frio de -11 graus a autorização para cruzar a fronteira, ao lado de milhares de outros refugiados.
"Os portões foram fechados, vamos continuar esperando e confiando em Deus sempre. Não importa o que aconteça, nossa fé nunca será abalada", escreveu ele.
Apesar da iminência de uma guerra entre Ucrânia e Rússia ter sido anunciada desde o fim do ano passado, muitos jogadores foram pegos de surpresa com a rápida escalada do conflito. Quando as forças armadas russas pisaram o solo ucraniano na madrugada da última quinta-feira, os atletas se viram sem saber o que fazer. O campeonato local foi suspenso, e os clubes falharam em dar suporte a seus atletas.
Rangel chegou a telefonar à embaixada brasileira em Kiev em busca de ajuda. "Eles só dizem pra gente ficar dentro de casa que é o lugar mais seguro, mas nesse momento não tem lugar seguro, tudo pode acontecer", afirmou ele em entrevista ao UOL na quinta. "É desesperador esse momento que estamos vivendo. É a primeira vez que passamos por isso e espero que seja a última, não desejo isso pra ninguém."
O apoio do governo brasileiro aos cidadãos que tentam deixar a Ucrânia tem sido alvo de controvérsia. O grupo de jogadores concentrados em Kiev desistiu de embarcar no trem oferecido pela embaixada no segundo dia de conflito por não ter garantias de segurança no trajeto entre o hotel e a estação ferroviária. Segundo o zagueiro Marlon, eles só conseguiram chegar ao local do embarque graças à escolta da Uefa — a federação europeia de futebol — a federação ucraniana.
O Itamaraty mantém um grupo no Telegram através do qual abastece os brasileiros de informações e orientações. A pasta montou uma operação de acolhida dos brasileiros que chegarem a Romênia, o que inclui ônibus da fronteira até a capital, Bucareste.
Um grupo menor de jogadores do Metalist, entre eles o atacante maranhense Marlyson, de 24 anos, permanece em Kharkiv no aguardo de uma solução para deixar a cidade. De acordo com a assessoria de imprensa do jogador, ele tentaria atravessar o país hoje.
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