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Jogadores brasileiros chegam ao país com histórias de angústia para contar

Adriano Wilkson e Bruno Fernandes

Do UOL, no Rio de Janeiro, e colaboração para o UOL, em Maceió

27/02/2022 10h58Atualizada em 27/02/2022 13h10

Quando o atacante Bill, do Dnipro, aceitou o convite para jogar na Ucrânia, ele disse que aceitaria a aventura de jogar no leste europeu para ter uma grande história a contar aos filhos. Mas jamais poderia imaginar que essa grande história incluiria percorrer mais de 1.000 km em um país tomado pela guerra e pela destruição.

Bill foi um dos primeiros jogadores a desembarcarem no Brasil após deixarem para trás a guerra entre Rússia e Ucrânia. Ele foi recebido pelos pais no aeroporto do Galeão, no Rio, no fim da manhã de hoje (27).

"Quando ele foi convidado para jogar na Ucrânia, ele disse que queria ir para ter uma história pra contar pros filhos, queria dar um testemunho. Ele só não imaginava que a história seria essa", disse Elson Luís Gomes, pai de Bill, ao UOL enquanto aguardava o filho no saguão de desembarque do Galeão.

Emocionado, depois de abraçar os pais Carla e Elson e a namorada Maiara, Bill refletiu no que testemunhou em sua longa jornada para deixar a Ucrânia. É o tipo de história que ele realmente não esperava ter de contar.

"É muito difícil ver o povo ucraniano sofrendo. Você ver as pessoas que moram no país, que são do país e que não podem fazer nada para sair e salvar suas famílias. Os homens, os chefes de família, deixando as suas filhas, esposas e mães e tendo que voltar sem saber para onde ir. Isso para mim foi o mais chocante. Essa foi a cena mais chocante da minha vida", disse.

Bill reencontra a família - Adriano WIlkson/UOL - Adriano WIlkson/UOL
Bill, do Dnipro, reencontra a família no Brasil
Imagem: Adriano WIlkson/UOL

Em meio a essas lembranças de terror, o jogador disse ao UOL Esporte que teve sorte, por exemplo, ao conseguir deixar a Ucrânia com uma mala, ao contrário de outros cidadãos que não conseguiram resgatar nem mesmo os próprios documentos.

"Eu tive recurso para conseguir sair e voltar para casa, mas tem muita gente que está em situação precária, gente que não conseguiu pegar dinheiro, documento, cartão. Depois que passam da fronteira, eles não sabem o que fazer. Isso está sendo uma dificuldade muito grande. Deixei muita coisa pra trás, consegui uma mala porque tinha acabado de chegar da pré-temporada e não tive tempo de me desfazer de um dia para o outro", contou.

Nascido em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Bill jogou nas categorias de base do Flamengo, clube pelo qual se profissionalizou. Ele tem mais um ano de contrato com o Dnipro, mas agora não sabe quando poderá voltar a jogar futebol. O campeonato ucraniano está suspenso.

Bill embarcou ontem (26) em Madri, na Espanha, depois de conseguir atravessar a fronteira da Ucrânia com a Romênia. Além dele, seus companheiros de equipe Busanello e Felipe Pires também chegaram ao Brasil no mesmo voo.

Busanello e Pires no desembarque - SUAMY BEYDOUN/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO - SUAMY BEYDOUN/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Os jogadores brasileiros Gabriel Busanello e Felipe Pires, do Dnipro, da Ucrânia, desembarcam em São Paulo
Imagem: SUAMY BEYDOUN/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

"Só estavam passando mulheres e crianças, não nos deixaram passar logo quando chegamos e ficamos com essa roupa [moletom] em um frio de 0 ou -1 graus até liberarem a saída [...] fiquei traumatizado, primeiro ano na Ucrânia e uma guerra acontece", disse Felipe ao desembarcar em São Paulo sobre como aconteceu a travessia da fronteira com a Romênia.

Pires e Busanello desembarcaram em São Paulo, onde moram. Já Bill, seguiu em um outro voo em direção ao Rio de Janeiro, com destino ao Galeão.

Antes de começar a caminhada em direção a fronteira, o Dnipro reuniu seus atletas num hotel da cidade, onde poderia ter maior controle sobre a situação deles e protegê-los. O chamado foi feito na madrugada da última quinta-feira, quando caíram as primeiras bombas. A cidade foi alvo de ataques da Rússia, que atingiu as bases militares afastadas da região central.

Pouco tempo após as primeiras bombas caírem em solo ucraniano, a diretoria do clube também autorizou seus jogadores e funcionários a deixarem o país.

Como está o conflito entre Rússia e Ucrânia?

Existem cerca de 40 jogadores brasileiros contratados por times da primeira e da segunda divisão ucraniana. Muitos deles, ligados ao Shakhtar Donetsk e ao Dínamo de Kiev, conseguiram cruzar hoje a fronteira com a Romênia, depois de viverem alguns dias de angústia e tensão na capital romena.

O país está sob ataque da vizinha Rússia, que reclama o controle de duas regiões separatistas de maioria russa no leste ucraniano.

O quarto dia da guerra entre a Rússia e a Ucrânia começou com a escalada de tensão em Kharkiv, localizada a cerca de 480 quilômetros de Kiev e a segunda maior do país. Durante a madrugada, um gasoduto também pegou fogo na cidade após um ataque russo.

Em Vasylkiv, cidade localizada a cerca de 40 quilômetros ao sul de Kiev, autoridades ucranianas confirmaram que houve explosões na região que atingiram uma refinaria de petróleo durante a madrugada (horário local). Com os novos bombardeios, o céu de Vasylkiv foi iluminado por chamas e uma coluna de fumaça pôde ser observada na região.

Segundo a agência estatal RIA Novosti, citando o Ministério da Defesa da Rússia, as tropas russas "bloquearam completamente" as cidades de Kherson e Berdyansk.

Kiev, por sua vez, segue sob o controle da Ucrânia, mas com toque de recolher. Houve registro de explosões nas últimas horas, mas, apesar das investidas de Moscou para tomar a capital, o vice-presidente da Administração estatal da cidade, Mykola Povoroznyk, garantiu que a situação no local é "de calmaria e de controle". Ele ressaltou, no entanto, que houve confrontos "com grupos sabotadores".