Por que a violência no clássico Gre-Nal cresceu tanto nos últimos tempos?
O dia 26 de fevereiro de 2022 entrou para a história. Pela primeira vez, um Gre-Nal foi adiado em razão da violência. A pedra e a barra de ferro que atingiram o ônibus da delegação gremista não feriram apenas os jogadores do Tricolor, mas a tradição do maior encontro esportivo do Rio Grande do Sul.
Hoje (9), Inter e Grêmio voltam a se enfrentar, às 21h (de Brasília), pela nona rodada do Gauchão. Novamente na casa do Colorado, o duelo terá reforço na segurança para evitar o que parece um movimento constante de crescimento na violência. E é em busca de explicações para tal fenômeno que a reportagem do UOL Esporte partiu.
- Veja análises e últimas notícias do futebol no UOL News Esporte com Domitila Becker e comentários de Alicia Klein e Julio Gomes:
Sempre foi assim?
A violência nos estádios, especificamente em clássicos, não pode ser vista como novidade. Desde os primeiros encontros, tal tema esteve presente, como conta o historiador colorado Raul Pons.
"Minha opinião pessoal, baseada também na minha experiência como frequentador de estádio: a violência não é novidade. Vários relatos da imprensa nos anos 1930 e 1940 se referem à briga de bengaladas entre torcedores. A partir dos anos 1980 e 1990, que começa minha experiência em estádios [1981, meu primeiro ano no Beira-Rio], ela ainda era restrita principalmente ao pessoal das organizadas, mesmo assim Gre-Nal era um jogo com certo risco. Era comum quem ia sozinho ou em pequenos grupos levar duas camisetas, uma do time de coração, outra neutra, para colocar por cima. Principalmente se o jogo era na casa do rival. Mas creio que no século 21 a violência começou a crescer", disse ao UOL Esporte.
"Como se tem comentado nas redes sociais, o que mudou agora, em relação aos últimos quatro ou cinco anos, é que a pedra acertou um jogador. Mas torcedores de ambos os lados já foram vítimas, e pedras contra ônibus já foram lançadas outras vezes, mas sem acertar atletas", completou.
O gremista Fabiano Silva, que tem na história do futebol sua paixão, recorda de relatos do passado e também vê a violência como algo corriqueiro nos duelos, porém crescente.
"Violência em Gre-Nal não é de hoje. No meu primeiro, em 1999, já soube na pele. Quando lemos histórias sobre o passado do clássico também descobrimos que não é de ontem, como o histórico Gre-Nal 11, de 1918 que não chegou a terminar devido uma grande briga com mais de 100 feridos, inclusive com um torcedor gremista esfaqueando um jogador colorado. Ou a maior briga entre jogadores, no primeiro Gre-Nal do Beira Rio", contou
"Mas entendo que nos anos 2000 em diante, se misturou mais a questão envolvendo menos brigas passionais do jogo e mais coisa de facções criminosas mesmo. Coisas que ninguém chega a provar, mas estão aí, cada vez mais para uma violência criminosa como vemos nos noticiários. E parece ser algo presente em quase todas as grandes torcidas do futebol na América Latina. Infelizmente", completou.
Um problema social
Acima de uma simples disputa de quem leva os três pontos ou conquista os títulos, as brigas se tornaram maiores, mais contundentes, mais graves. A pedrada do último dia 26 poderia ter sido muito pior do que foi. Villasanti, o principal jogador atingido, segurava um tablet, que absorveu parte do impacto. Ainda assim teve traumatismo craniano e outras lesões. Campaz precisou passar por um procedimento para retirada de estilhaços de dentro do ouvido.
"Não há um fator apenas. Acho que temos que buscar os vários fatores que podem estar influenciando no crescimento da violência. Não específico no Gre-Nal, mas há acontecimentos no Brasil, como o da torcida do Bahia, e no mundo, como a briga no México. Ainda que seja algo recorrente, estamos em tempos de polarização e discurso de ódio, onde a internet dá palanque para a voz de qualquer um. E é mais fácil juntar um grupo", opinou o especialista em psicologia do esporte, Mauricio Pinto Marques.
"Ainda há o fator da pandemia. Tivemos um tempo sem torcida, agora seria o primeiro Gre-Nal com torcida visitante. A rivalidade saudável se perdeu um pouco. Ainda há as fases dos clubes, os memes, as provocações que foram aumentando e potencializadas pelas redes sociais. Até mesmo em grupos de WhatsApp, as pessoas brigam mais por causa do futebol. Essa intolerância à corneta tomou uma proporção maior, a rivalidade ficou menos saudável", completou.
O psicólogo Ariel Murlik concorda com a influência digital no ambiente de violência no futebol.
"Vivemos numa época muito tensa. No Brasil, no mundo, e tudo isso colabora para essa crise. Existe, na psicologia, um processo que se chama de desindividualização. Ela não explica a violência, mas o comportamento coletivo. No mundo do futebol, se um torcedor está entre rivais e um jogador do outro time se aproxima para cobrar um lateral, ele não iria, fatalmente, xingar o atleta. Mas se estiver rodeado de torcedores do mesmo time que ele, xingaria", argumentou.
"Essa situação coloca as pessoas em um certo anonimato, o sujeito vira parte de uma coisa só. É um comportamento grupal, de torcida, até mesmo em ações ilegais. A rede social dá isso também. São comportamentos complicados. Pessoas mais fanáticas e com tendências mais violentas podem se deixar levar pelo sentimento do grupo", acrescentou.
O exemplo vem do campo
A violência entre os torcedores pode, também, ser vista como reflexo do campo. Não é difícil lembrar de confusões recentes nos clássicos. Houve oito expulsões e pancadaria generalizada em 2020, comemoração com caixões e nova briga no ano passado. Tudo isso num cenário em que a partida não acaba no apito final, mas toma as redes sociais com provocações dos próprios clubes e de protagonistas do espetáculo.
"Alguns jogadores, de ambos os times, encarnaram essa figura, de provocar o rival, de ser um cara que provoca mais o outro time. E se as direções não gostaram tanto, não reprimiram", disse Mauricio.
"Há um limite entre a corneta e o comportamento violento. A flauta é algo do esporte. Eu não acho que os jogadores façam com intuito de gerar a violência. É uma forma de descarregar, comemorar com a torcida. É mais de como cada pessoa percebe o acontecimento e quais sentimentos isso gera. Muitas vezes pode gerar violência, mas não vejo que seja culpa dos jogadores", analisou Ariel.
Há solução?
A solução não é fácil e nem mesmo parece que está em andamento. No fim da confusão, com o adiamento do jogo — que será realizado hoje — Inter e Grêmio sequer sentaram à mesma mesa para se manifestar. O Grêmio tentou responsabilizar o Inter, que reclamou de 'desequilíbrio técnico'. Nenhuma ação conjunta pela paz nos estádios foi feita.
Os caminhos para evolução são complexos. Não há uma escolha fácil para resolver algo tão presente, e há tanto tempo. Resta torcer e, principalmente, promover a não violência.
"É uma questão social complexa. Temos falta de acesso a transportes, segurança, emprego, e tudo isso contribui na formação das pessoas. Me parece que o problema da violência está na base. Temos que investir na cultura da não violência e de punições mais rígidas, além de uma segurança maior nos estádios", disse Ariel.
"Parece que voltamos a regredir. De forma geral, acho que as diretorias, em nome das instituições, precisam ter um discurso de tolerância zero. De punir o individual e também de alguma forma coletiva, porque senão as massas vão se sentir autorizadas a tomar estas atitudes. E, querendo ou não, tem que punir o grande grupo para que o pequeno não se sinta à vontade", sugeriu Mauricio Pinto Marques
"A cultura desse clássico já nasceu muito exagerada. Nos anos 50 e 60 surgiu uma frase que, para mim, explica muito o motivo de o Gre-Nal ser a maior rivalidade do Brasil: 'o Grêmio só é grande devido à grandeza do Internacional, e o Internacional só é grande devido à grandeza do Grêmio'. Dizem que de Rudy Armim Petry. Que outros dois clubes, quase equidistantes dos grandes centros financeiros do continente, conseguem sobreviver, se reforçar e se superar para buscar os maiores títulos do continente e do mundo em seus grandes momentos? Tudo, sem dúvida alguma, para esfregar na cara do rival? No bom sentido", questionou Fabiano Silva.
"E isso é muito a fantástica na história desse clássico. São feitos de lado a lado, invariavelmente com o outro lado tão por baixo que isso vale como uma agressão poética. Por isso, sinto falta de ações mais aparentes, simbólicas como a Torcida Mista, ou a Caminhada da Paz. Ações que poderiam ajudar a potencializar o bom convívio dessa rivalidade historicamente reconhecida. Gostaria muito de poder levar minha família para os dois estádios nos Gre-Nais sem medo fora de campo. Somente aquele belo frio na barriga do resultado dentro de campo", finalizou .
FICHA TÉCNICA:
INTERNACIONAL x GRÊMIO
Data e hora: 09/03/2022 (quarta-feira), às 21h (horário de Brasília)
Local: estádio Beira-Rio, em Porto Alegre (RS)
Transmissão na TV: Premiere
Árbitro: Leandro Vuaden
Auxiliares: Rafael Alves e Michael Stanislau
VAR: Emerson de Almeida Ferreira (MG)
INTERNACIONAL: Daniel; Bustos, Kaíque Rocha, Cuesta e Paulo Victor; Gabriel, Rodrigo Dourado (Johnny), Edenilson, Taison e David; Wesley Moraes (Mauricio). Técnico: Alexander Medina
GRÊMIO: Brenno; Orejuela, Geromel, Bruno Alves e Nicolas; Thiago Santos, Villasanti, Lucas Silva (Bitello/Campaz), Janderson e Rildo; Elias Manoel. Técnico: Roger Machado
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