Retranqueiro? Abel usa tradição lusa de variações táticas no Palmeiras
Críticos costumam limitar o trabalho de Abel Ferreira a apenas uma forma de se jogar futebol, e o chamam de retranqueiro. O técnico português do Palmeiras, entretanto, sempre demonstrou ter diversos tipos de pensamentos táticos, que aplica de modo variado, às vezes até dentro de um mesmo jogo, de acordo com o adversário e do contexto da partida.
Na entrevista coletiva após a vitória sobre o Santos por 1 a 0, no domingo (13), Abel até ironizou a situação. "Nossa equipe é um bocadinho retranqueira. Jogamos atrás, não criamos oportunidade de gol, não propõe, não ganha, não bate recordes", disse o treinador, jocosamente.
Para além de ser uma característica de Abel, saber variar a forma de jogar do time é uma característica pátria de um futebol português que tem evoluído dentro da Europa.
"O treinador português tem capacidade de adaptação aos diferentes contextos. Abel Ferreira e Jorge Jesus já obtiveram sucesso com propostas, elencos e realidades diferentes", disse, em entrevista ao UOL Esporte, Pedro Bouças, comentarista do Canal 11, de Portugal, ex-auxiliar de Jesualdo Ferreira no Santos, Boavista (POR), e que também exerceu cargos de formação no Benfica.
"Isto é a humildade, fruto da formação num país pequeno, com material humano reduzido", completou.
E se a questão é pátria, tais características de maleabilidade também cabem a Vítor Pereira, do Corinthians. Embora mais experiente e rodado, Pereira é um treinador visto como moderno, com ideias que se assemelham justamente às de Abel.
"É parecido com o Abel Ferreira em termos de modelo de jogo. Gostam de transições rápidas, bola parada, contra-ataque e uma organização defensiva estupenda", afirmou ao UOL Esporte Jorge Castelo, ex-treinador e chefe da formação de treinadores da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) de 2004 até 2018.
Ficar com a bola ou deixá-la com o adversário?
Uma crítica constante a Abel é em relação a uma suposta falta de posse de bola. Ciente de que não poderia competir de igual com o Chelsea na final do Mundial de Clubes, o Palmeiras montou uma linha defensiva com até seis homens, na qual os alas Scarpa e Rony faziam companhia a Marcos Rocha, Gómez, Luan e Piquerez no último bloco do time em campo.
Somada ao posicionamento de Dudu, Raphael Veiga, Danilo e Zé Rafael, a formação obrigou os ingleses a usarem os zagueiros Rudiger e Thiago Silva como armadores. Desse modo, os ingleses tiveram a bola 70% do tempo, mas só conseguiram acertar a meta de Weverton três vezes, pois a marcação impediu a criação de "chances limpas" para os Blues.
Já contra o Santos no último domingo, a realidade foi outra: quem teve a bola 70% do tempo foi o Palmeiras. Abel usou uma última linha com apenas quatro jogadores para defender. E, quando com a bola no pé, diante de um Santos fechado, o Alviverde cansou de criar oportunidades a partir da ocupação de espaços criados pela movimentação da bola e dos jogadores. Foram 21 chutes a gol, contra apenas 9 do alvinegro.
Mudanças de comportamento ao defender e atacar
Os mesmos jogadores que têm mentalidade e papéis defensivos, enquanto o Palmeiras é atacado, têm também objetivos muito claros quando o time ataca. Os dois alas da linha defensiva de seis tornam-se pontas que alargam o campo quando o time tem a bola.
Num jogo em que quatro jogadores montam o último bloco, um dos laterais normalmente se torna "zagueiro" no tripé que inicia as jogadas ofensivas. Marcos Rocha aparece com frequência junto aos defensores para dar a saída de jogo. Quando há três zagueiros de ofício, um ala faz o apoio como meia, o outro joga mais espetado à frente.
Contra o Santos, porém, Abel foi além. Em vez de um zagueiro, o técnico fez Weverton ser um dos três jogadores a dar a saída, e posicionava Mayke ou um dos volantes nas costas dos jogadores que subiam para fazer a pressão, gerando uma superioridade numérica.
Na quinta-feira, Palmeiras e Corinthians se enfrentam no Allianz Parque pelo Campeonato Paulista. Será a chance de ver quais armadilhas os dois portugueses deixarão um no caminho do outro. Mas a promessa, de antemão, é de um duelo tático como há muito não se vê no futebol brasileiro.
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