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Paulista - 2022

Como uma pancadaria no Dérbi quase custou o primeiro título do Palmeiras

Palestra Itália perdeu o clássico, mas acabou campeão pela primeira vez na história naquele Paulistão de 1920 - Reprodução/A Cigarra
Palestra Itália perdeu o clássico, mas acabou campeão pela primeira vez na história naquele Paulistão de 1920 Imagem: Reprodução/A Cigarra

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

17/03/2022 04h00

Uma confusão em um clássico contra o Corinthians quase custou o primeiro título da história do Palmeiras, então Palestra Itália, em 1920. Irritado com a briga e com a atuação da arbitragem, o Palestra chegou a solicitar uma licença para deixar o Campeonato Paulista, mas teve o pedido negado, foi obrigado a seguir jogando e acabou sendo campeão.

Havia anos o Palestra vivia atrito com a entidade responsável pelo Campeonato Paulista, a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA), espécie de FPF da época. O clube havia abandonado a associação em 1918, alegando perseguição e muitos erros de arbitragem, mas voltou no ano seguinte para ser vice-campeão do torneio. Em 1920, ganharia pela primeira vez.

O clássico em questão foi apenas o sétimo jogo oficial entre as equipes. O Corinthians já tinha certo peso, com dois títulos, mas o Palestra Itália havia vencido o encontro anterior por 3 a 0 e parecia mais perto de derrubar a hegemonia do Paulistano, atual campeão e time a ser batido. O jogo, em 5 de setembro de 1920, aconteceu no Parque Antarctica.

Clássico foi quente e teve chute entre as pernas

Time do Corinthians que enfrentou o Palestra Itália em clássico de 5 de setembro de 1920, pelo Campeonato Paulista - Reprodução/A Cigarra - Reprodução/A Cigarra
Corinthians ficou a um ponto de jogar a "final" que decidiu o torneio naquele ano
Imagem: Reprodução/A Cigarra

O estádio estava lotado, ou, no registro rebuscado do jornal O Estado de S. Paulo, "as localidades da vasta praça de esportes apresentavam o aspecto peculiar das grandes partidas". O Corinthians começou em cima, "desferindo inúmeros chutes contra o posto do [goleiro] Primo, que conservou sua intangibilidade à custa de ingentes esforços" e segurou o 0 a 0 até o intervalo.

O Palestra surpreendeu e abriu o placar aos 5 minutos da segunda etapa, quando Imparato completou um cruzamento de Martinelli. O Corinthians não desanimou e insistiu na pressão. Neco empatou em seguida, mas a bola bateu na mão de um palestrino no lance, e o árbitro deu o pênalti, não o gol. Fosse como fosse, Amílcar Barbuy cobrou e converteu.

Então começaram as hostilidades. Faltas duras dos dois times, "que não foram punidas pelo árbitro ou o foram com indecisão". Américo marcou de cabeça o gol da vitória do Corinthians em um lance no qual os palestrinos pediram falta no goleiro. A temperatura do jogo aumentou. No lance seguinte, Neco impediu uma reposição de bola do goleiro palestrino, atitude que "quase lhe valeu ser linchado pelos seus adversários, em pleno campo".

Bianco, que havia sido o capitão do primeiro título do Corinthians em 1914, deu um chute em Neco por trás, no meio das pernas, e em seguida um soco. Outros jogadores intervieram, e a confusão aumentou. Um incidente "realmente desagradável para o bom nome do futebol paulista", no relato do Estadão, mas que foi controlado. O jogo terminou normalmente, com vitória alvinegra.

Palestra tentar deixar o Paulistão, mas volta atrás

No dia seguinte, o Palestra Itália convocou uma reunião extraordinária para decidir como reagir ao jogo. O clube pede afastamento da APEA por seis meses, além da retirada da equipe do Campeonato Paulista. Dias depois, no entanto, é demovido da ideia por representantes de outros clubes e da própria entidade, que pedem sua continuidade no torneio.

"Havia um trauma desde 1918, que ajuda a entender esta atitude mais radical em 1920, que depois se repete em 1924", explica Fernando Galuppo, historiador do Palmeiras, sobre os seguidos pedidos de afastamento do Palestra. "Sempre tem alguma leitura palestrina de tensão, insegurança quanto à neutralidade da arbitragem, até pelos conflitos étnicos mesmo, de um clube de origem imigrante desafiando os clubes da elite, como o Paulistano", afirma.

No final, a APEA anunciou em comunicado oficial a punição do árbitro do clássico, Odilon Penteado do Amaral, pela "pouca energia e corretismo demonstrado". Também "censurou energicamente" os dois times pelo "jogo violento praticado", além de suspender o zagueiro Bianco por três meses por desacato ao árbitro. Mantido no Paulistão, o Palestra emendou uma sequência de vitórias e acabou campeão pela primeira vez ao vencer por 2 a 1 o jogo desempate contra o Paulistano.

Corintiano perseguiu o árbitro com o cinto na mão?

Neco, meia esquerda que jogou 17 anos pelo Corinthians, entre 1913 e 1930 - Divulgação/Corinthians - Divulgação/Corinthians
Neco jogou no Corinthians por 27 anos e foi artilheiro do Paulistão-1920 com 24 gols
Imagem: Divulgação/Corinthians

A lenda deste clássico é que Neco teria tirado a cinta no gramado e partido para cima do árbitro, mas não há nada que comprove a história. Na versão do "Almanaque do Timão", livro do historiador Celso Unzelte, Neco teria reclamado de uma falta com o cinto na mão enquanto ajeitava o calção. Quem viu de longe pensou que era uma ameaça.

"Pode até ser que o Neco tenha tirado o cinto e tudo, mas depois do jogo certamente todos saíram juntos, porque eram todos amigos. O Palestra tinha vários jogadores que já tinham sido do Corinthians, e o Neco era mesmo raçudo em campo, mas fora era um cara doce", afirma Fernando Wanner, historiador do Corinthians.

Ficha Técnica

PALESTRA ITÁLIA 1 x 2 CORINTHIANS

Data: 5 de setembro de 1920, domingo
Local: Parque Antarctica, em São Paulo (SP)
Torneio: Campeonato Paulista de 1920, 10ª rodada
Árbitro: Odilon Penteado do Amaral
Gols: Heitor (PAL) aos 5, Amílcar (COR) aos 18, e Américo (COR) aos 33 minutos do 2º tempo.

PALESTRA ITÁLIA: Primo; Bianco e Pedretti; Bertolino, Picagli e Fabbi; Caetano, Ministro, Heitor, Imparato e Martinelli.

CORINTHIANS: Mário; Nando e Gano; Roberto, Amílcar Barbuy e Ciasca; Américo, Garcia, Gambarotta, Neco e Basilio.