D'Alessandro dá adeus ao Gre-Nal como maior personagem recente do clássico
D'Alessandro dá adeus ao clássico Gre-Nal. Hoje (23), o argentino de 40 anos que viveu o duelo gaúcho de forma visceral, irá acompanhar pela última vez como parte do grupo de atletas o confronto entre Inter e Grêmio. D'Ale conquistou a torcida, arrancou elogios de todos que lhe rodeiam e até de adversários numa trajetória de 40 jogos em que se fez o principal "Homem Gre-Nal" da história recente do duelo.
Foram 40 clássicos na carreira de jogador. Venceu 16 partidas, empatou 13 e foi derrotado 11 vezes. Ele marcou nove gols e deu sete assistências. Hoje, graças a uma lesão no quadril, acompanhará de longe o duelo em que soube ser protagonista. Pela última vez viverá um Gre-Nal como jogador, ainda que fique fora do jogo.
Em campo, o Colorado busca vaga na final do Gauchão, às 22h15 (de Brasília). Precisa vencer por quatro gols de vantagem para reverter a derrota que teve em casa por 3 a 0. Quem sabe o destino não reserve ao gramado da Arena um último ato digno de D'Alessandro.
"Ele disse que gostava de clássico"
D'Alessandro chegou ao Inter em 2008. Tinha sido formado no River Plate, com passagem pelo San Lorenzo, futebol da Alemanha, Inglaterra e Espanha. Ele carregava, além do talento, a fama de "jogador problema". Quem o conduziu a contratação foi Fernando Carvalho, um dos principais dirigentes da história do Inter e então presidente do clube.
O Gre-Nal logo foi "apresentado" para ele. No hotel Cesar Park, de Buenos Aires, Carvalho disse que queria 'contar algumas coisas' para seu novo reforço. Comentou da fama de 'bad-boy', ouviu que o armador seria totalmente profissional, houve um aperto de mãos, e logo o tema virou o duelo com o Grêmio.
"Falei do Gre-Nal, da rivalidade muito grande, que havia um adversário permanente, um confronto diário em todas as áreas, em todas as esferas. E que precisamos ganhar sempre, em todos os lugares, todos os dias. Ele disse que era competitivo, que estava preparado e que gostava de clássico, que gostava de jogar", disse Carvalho ao UOL Esporte.
E quis o destino que D'Ale estreasse exatamente contra o Grêmio. O primeiro jogo dele terminou 1 a 1, pela Copa Sul-Americana, que ao fim da temporada o Inter viria a conquistar. Ainda no mesmo ano, goleou o rival em duelo do Brasileiro.
"Ele passou a ser um jogador de Gre-Nal rapidamente. Teve uma série de clássicos em sequência em 2009 e ganhamos todos. Em um deles, ele começou no banco e entrou para dar assistência. Ele cresce em jogo assim", contou o ex-dirigente.
"Soube entender o Gre-Nal"
A partir da conversa com Carvalho e dos clássicos dos primeiros anos, D'Alessandro assumiu de vez a postura de um "Homem Gre-Nal". O rótulo é tradicional no Rio Grande do Sul e destinado a jogadores que decidem este tipo de embate.
"Ele tinha isso no espírito. Já era competitivo no dia a dia, e entendeu essa rivalidade. Ele vem da Argentina e lá é muito forte o Boca e River. Ele sabe o que é esse jogo, um campeonato à parte. É na questão de concentração e também em transmitir para os mais novos a importância de um Gre-Nal, o que isso significa para o torcedor", contou Dunga, que trabalhou com D'Alessandro em 2013.
"O D'Alessandro é um jogador diferente em todos os aspectos. No Gre-Nal, ele soube se adaptar muito rápido, fez a leitura por sua qualidade e personalidade. Soube entender que o clássico é diferente, soube entender o Gre-Nal. Durante os dias prévios da partida, ele chamava atenção de todos para este aspecto, de como é importante vencer um clássico. Ele sempre foi concentrado em todos os jogos", explicou Odair Hellmann, que conviveu com D'Ale no Inter no período em que foi auxiliar e também técnico do time principal.
"Uma pena que nunca tenha sido meu jogador"
A capacidade de D'Alessandro em clássicos fez o mais difícil: quebrou a barreira do Gre-Nal. Tanto que o maior ídolo do rival reconhece as qualidades do armador. Renato Gaúcho, que já trocou alfinetadas com D'Ale em duelos entre Inter e Grêmio, sempre teve palavras de respeito e admiração pelo oponente. E o contrário também é verdade, D'Ale respeita muito Renato.
Portaluppi, inclusive, revela que pedia para seus jogadores tirarem uma característica fundamental de D'Ale, o ato de "apitar o jogo". Sempre próximo do juiz, D'Alessandro tenta moldar o ambiente a favor de sua equipe. Renato só lamentou uma coisa: nunca ter o camisa 10 sob seu comando.
"Sempre falei para os meus jogadores para não deixarem o D'Alessandro apitar o jogo. Ele é chato. Mas joga demais. Uma pena que nunca tenha sido meu jogador", contou ao UOL.
Profissional não só nas palavras, mas nos atos
Não são poucos a trabalhar com D'Ale neste tempo todo de Inter. Passaram jogadores, treinadores, profissionais, e ele se manteve, com duas saídas curtas, mas presente até quando fisicamente estava distante. E tão fácil quanto achar lembranças do argentino em clássicos é ouvir elogios a conduta dentro e fora de campo, principalmente em momentos que antecediam este tipo de partida.
"Ele é um líder altamente positivo, comprometido com treinos, um cara que tem uma leitura, uma visão de futebol. O treinador não que tem que mandar ir para esquerda ou direita, tem que explicar o motivo do treino, o objetivo, a razão para fazer isso ou aquilo", reforçou Dunga. "No treino ou no jogo, o D'Alessandro é o capitão, quem representa isso. Ele era o primeiro a chegar a estar pronto, se ele fazia isso, os outros tinham que ir no mesmo caminho, é um exemplo não só nas palavras, mas na execução", completou o capitão do tetra do Brasil.
"Eu uso D'Alessandro como exemplo para todos, principalmente os mais jovens. Porque além de um jogador de muita qualidade, ele sempre foi profissional ao extremo, e por isso está em alto nível até hoje. Ele fazia a diferença pela qualidade e o espírito, fez uma leitura muito rápida do que representava uma vitória no clássico para todos nós", acrescentou Odair.
Relação além do campo: rivalidade só no jogo
A relação de D'Alessandro com o Gre-Nal não é restrita ao campo, aos torcedores, à rivalidade. Com ações sociais, ele ajuda tanto colorados quanto gremistas. Nunca se omitiu ao ser abordado por algum tricolor em busca de autógrafo ou foto, e, principalmente, usou um evento grandioso para tentar abafar qualquer foco de confusão.
No Lance de Craque, evento beneficente anual realizado em Porto Alegre, D'Alessandro repetiu convites a jogadores do Grêmio, dividiu vestiário e festa com quem naturalmente estaria do lado oposto, se aproximou de sua torcida, mas também mandou uma importante mensagem: rivalidade é só no campo.
"Sempre conversamos muito que o ídolo, o líder, vai além do campo. Ele representava uma geração vencedora do Inter e tinha que usar a imagem dele para projetos sociais, ficar mais perto do torcedor, para que a torcida entendesse que o jogador também é um ser humano, tem sentimentos, chora, tem seus problemas. Eu coloquei a ele alguns projetos que fazíamos junto com Tinga [Paulo César, ex-jogador]. Ele se interessou e começou a participar", contou Dunga.
"O Lance de craque ajuda muitos projetos sociais, ele continua ajudando. Ao mesmo tempo, o futebol te abre portas para conhecer outras pessoas, empresários, banqueiros, e você precisa estar preparado para ver as coisas de uma forma diferente quando a carreira acabar. Ele é muito ciente disso e se prepara", completou Dunga.
A carreira, de fato, está perto do fim. Será o último Gre-Nal na condição de jogador, mesmo que fique fora da partida. A carreira entra na contagem regressiva de jogos. O vínculo no Inter vai até o fim de abril, e depois o ídolo colorado deve pendurar as chuteiras.
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