Ednaldo: quem é o baiano que tira elite de RJ-SP da presidência da CBF
Não chega a ser uma renovação ou uma mudança que, de imediato, traga ares de modernidade. Afinal, já se passaram 21 anos desde que Ednaldo Rodrigues se tornou presidente de uma federação. Mas a confirmação dele como presidente da CBF pelos próximos quatro anos — questões judiciais à parte — significa uma mudança de eixo político e de perfil do homem que se senta na cadeira mais importante do futebol brasileiro.
Não se trata de um representante da aristocracia paulista ou carioca, como os antecessores Rogério Caboclo, Marco Polo Del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira. É um baiano de 68 anos, negro, que foi jogador de futebol amador e ficou pouco mais de duas décadas na órbita do futebol até — por uma série de eventos inesperados — tomar conta da tão almejada caneta.
"Sofri todo tipo de pressão de preconceito. Preconceito por ser do Nordeste, por ser baiano, por ser do interior, o presidente por ser negro. Essa é a grande realidade e a grande resposta", disse Ednaldo após ter a eleição confirmada.
Olhando para trás, a partir dos presidentes da CBF desde 1989, Ricardo Teixeira era genro de João Havelange — à época já presidente da Fifa. Depois, veio Marin, político de carreira e ex-governador de São Paulo. Em seguida, o advogado Marco Polo Del Nero, dono de escritório e conselheiro de longa data do Palmeiras, além do administrador/advogado Rogério Caboclo, conselheiro do São Paulo, que chegou ao topo da pirâmide social com as empresas da família.
Quem o cerca na CBF e nos anos de futebol diz que Ednaldo é homem de hábitos simples. Fã de carne de sol e feijão tropeiro, ele evita bebida alcoólica quando está em um ambiente distante da família. Segundo o atual presidente da Federação Bahiana, Ricardo Lima, "nunca bebe mais do que três copos de cerveja". Só aí já há uma diferença em relação ao antecessor Rogério Caboclo, um fã de vinhos.
"Eu sou uma pessoa humilde. E continuarei sendo humilde. Frequento os mesmos lugares que frequentava quando era jogador amador em Vitória da Conquista. O poder não sobe à minha cabeça. Vou continuar sendo a mesma pessoa", afirmou ele.
Ednaldo nunca foi dos dirigentes mais espalhafatosos. Prometeu, de cara, vender o avião e o helicóptero da CBF. É descrito por alguns como um cara desconfiado. Nos almoços ou jantares com presidentes de federação, prefere as mesas mais calmas. Não curte tanto uma "resenha" e até por isso é difícil prever seus movimentos políticos. Foi assim em relação ao processo de marcação da assembleia geral que afastou definitivamente Caboclo da presidência. Ela já poderia ter sido em dezembro, mas foi se arrastando — por razões distintas — até fevereiro.
Mas como a figura política de Ednaldo se desenvolveu? Mais recentemente, foi por uma necessidade de reorganização entre os vices da CBF, para acalmar algumas federações, antes da primeira assembleia que confirmou a punição a Caboclo, em agosto.
No cenário daquele momento, Ednaldo não estava entre os favoritos para ficar definitivamente no comando da entidade. Havia ambições de Gustavo Feijó, Fernando Sarney e Castellar Neto, enquanto a interinidade estava com o Coronel Nunes. A maioria deles com histórico de ligação próxima a Marco Polo Del Nero.
Quando a presidência caiu no colo de Ednaldo, o eixo de poder começou a mudar. Ele foi, sim, aliado de Del Nero, mas tem um passado mais ligado a Ricardo Teixeira. É possível traçar essa linha a partir da ascensão à presidência da Federação Bahiana, em 2001.
Ednaldo, na ocasião, foi eleito com o apoio de Virgílio Elísio, que teve como missão seguinte a diretoria de competições da CBF presidida por Teixeira. A inserção de Ednaldo na base de apoio de Ricardo foi praticamente automática e persistiu até a renúncia do dirigente, em 2012.
"Ele me ajudava na CBF na época de Ricardo Teixeira, quando precisava mudar a tabela, tratar alguma coisa de arbitragem. Ednaldo sempre abraçou as causas dos times da Bahia. A relação com Ricardo Teixeira era muito boa. Eram reuniões rápidas. Tinha uma sala onde a gente ficava. Ricardo vinha, atendia e depois saía", lembra Alexi Portela, ex-presidente do Vitória e atual presidente da Liga do Nordeste.
Bem antes de comandar a federação, Ednaldo foi um lateral-esquerdo de um time amador em Vitória da Conquista, o União Atlético Clube, nos anos 1970 e 1980. Passou longe da carreira profissional e tinha seu sustento pelo cargo de gerente da Coca-Cola e depois da Pepsi — talvez por isso prefira refrigerantes a vinhos.
A iniciação no universo da cartolagem se deu pela presidência da Liga Conquistense de Desportes Terrestres. Em 1992, veio o primeiro cargo na Federação Bahiana: diretor do departamento de interior. Em 1997, virou vice. Quatro anos depois, atingiu a presidência — e jamais assumiu para qual time torce.
"Ele não diz o time dele. Uma vez eu perguntei. Ele respondeu: 'Ah, eu torço pelo futebol da Bahia'", conta Portela.
Polêmicas na gestão
Enquanto presidente da Federação na Bahia, Ednaldo tem dois episódios de maior polêmica. Um diz respeito ao registro do atacante Liedson. O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) ofereceu denúncia contra Ednaldo sob alegação de falsificação de um documento. No registro, aparecia equivocadamente que Liedson tinha começado a carreira no juvenil do Poções, quando, na verdade, o jogador pertencera à Liga Valenciana de Futebol. O documento poderia ter rendido dinheiro ao Poções por causa do mecanismo de solidariedade após a venda de Liedson ao Sporting, de Portugal. Ednaldo, ao fim das contas, foi absolvido e o caso foi tratado como erro material.
Na condução da federação, Ednaldo mostrou que gosta de se cercar de pessoas próximas. Ou melhor, familiares. Admitiu que deu cargos a duas cunhadas, um cunhado e um sobrinho. Em entidades privadas, não há nepotismo. Mas isso, posteriormente, foi proibido pelo código de ética da CBF - a comissão técnica da seleção é exceção.
Uma das pessoas próximas é Ricardo Lima, atual presidente da Federação Bahiana. Ele se casou com Thaíse, uma das cunhadas de Ednaldo que trabalhavam na entidade.
"Entrei na FBF como estagiário em 2001. De lá pra cá, fui diretor de TI, diretor de registros e transferências, secretário-geral, vice-presidente e agora presidente. Acho que me tornei aliado de Ednaldo porque consegui acompanhar seu ritmo de trabalho. Ele não descansa um minuto até realizar o que se propõe e eu também sempre procurei seguir nesse caminho", diz Ricardo Lima.
Meses atrás, ambos tiveram um desentendimento por conta da política local. Mas Ricardo, escalado agora para ser chefe de delegação da seleção brasileira nos jogos contra Chile e Bolívia, pelas Eliminatórias, diz que tudo foi resolvido no "diálogo". A Federação Bahiana foi uma das 26 entidades estaduais que assinaram apoio à eleição de Ednaldo na CBF.
O estilo Ednaldo de política
O cenário 21 anos depois de assumir a Federação Bahiana tem um Ednaldo que, no discurso, vai procurar dar voz às federações. Quando os presidentes das entidades olham para ele, enxergam Ednaldo como um deles. E vice-versa. O dirigente, com isso tudo, venceu na CBF mais uma eleição como candidato único — assim como nas vitórias na Bahia. O nome da chapa? "Pacificação e Purificação do Futebol Brasileiro".
A primeira vitória importante foi a manutenção dos votos com peso três na eleição da CBF. Os clubes da Série A ficaram com peso dois e os da B, um. Ednaldo diz que dará voz aos clubes também. Por isso, já fez a promessa de apoiar a liga, cujo objetivo é organizar o Brasileirão.
"Ele não gosta de deslealdade", explica Ricardo Lima.
Isso ajuda a explicar a formatação da lista de vices que foram eleitos com Ednaldo. Rubens Lopes, da Ferj, o gaúcho Francisco Novelletto e Hélio Cury, da Federação Paranaense, formaram um bloco apelidado de "rebeldes", em 2012. Com o dirigente baiano, eles tentaram fazer com que a sucessão de Ricardo Teixeira não resultasse na posse de Marin. Defendiam novas eleições - ali foi a primeira rusga com Del Nero, que assumiu como VP da CBF no lugar do próprio Marin.
Ele ainda tem como VPs Antonio Aquino Lopes, da Federação do Acre, que abriu caminho para que ele continuasse na interinidade e foi compensado. Roberto Goes, da Federação do Amapá, e Reinaldo Carneiro Bastos — que em 2018 foi preterido por Del Nero em detrimento de Caboclo — são outros vices. A lista é concluída por Fernando Sarney, que está no cargo desde os tempos de Ricardo Teixeira e representa o Brasil na Conmebol e na Fifa.
Quando chegou à presidência interina, em agosto, Ednaldo se viu em um lugar privilegiado. Com a caneta na mão, tratou de angariar apoios. Abriu o cofre para igualar os benefícios às federações.
O mandato de Ednaldo começa com a perspectiva de uma mudança em diretorias estratégicas da entidade. É ano de Copa do Mundo - e Tite vai sair após o torneio no Qatar. Não há promessas de projetos retumbantes ou construções suntuosas. E o calendário? Outra missão a ser resolvida, mas que, pelo jeito, não trará uma ferida de morte às federações.
O homem de perfil mais simples tem tarefas complexas pela frente.
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