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Justiça pede ao Flamengo explicação sobre ausência da camisa 24 na Copinha

Vestiário do Flamengo antes de partida contra o Floresta-CE pela Copinha 2022 - Gilvan de Souza/Flamengo
Vestiário do Flamengo antes de partida contra o Floresta-CE pela Copinha 2022 Imagem: Gilvan de Souza/Flamengo

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

25/03/2022 12h08

A Justiça do Rio de Janeiro notificou o Flamengo para que o clube explique o motivo de não ter utilizado o número 24 na edição da Copa São Paulo de Futebol Júnior deste ano. A medida foi tomada depois de ação movida pelo Grupo Arco-Íris, que luta pelos direitos da população LGBTI+.

No documento, o grupo salienta a conotação preconceituosa que o número 24 ganhou e como a não utilização reforça tal visão. Dessa forma, faz questionamentos ao Rubro-Negro. A informação sobre a movimentação judicial foi publicada, inicialmente, pelo ge e confirmada pelo UOL Esporte.

"Portanto, o fato da numeração do Clube pular o número 24, considerando a conotação histórico cultural que envolta esse número de associação aos gays, deve ser entendido como uma clara ofensa a comunidade LGBTI+ e como uma atitude homofóbica, visto que entendesse que o jogador teria como identificação um número com essa conotação cultural. Ou seja, a não utilização do número 24 significa que os jogadores não seriam identificados com um número que é, culturalmente, associado aos gays", diz trecho do processo.

O Arco-Íris anexou algumas matérias que foram publicadas sobre o tema.

"Conforme abordado nas já citadas matérias jornalísticas que questionam o tabu da camisa 24, a discriminação à comunidade LGBTQI+ no futebol é recorrente, e por isso, merecem ações positivas dos membros que compõem o futebol para uma mudança real e efetiva do tratamento as pessoas LGBTQI+", aponta.

Inscritos do Flamengo na Copinha - Divulgação - Divulgação
Lista de inscritos do Flamengo para a Copinha 2022
Imagem: Divulgação

"O Flamengo, como um dos maiores times do país, deveria ter uma responsabilidade social na luta contra a homofobia e agir de forma menos machista ou preconceituosa. Deveria usar do potencial de alcançar os mais diversos públicos, homens e mulheres, ricos e pobres, adultos e jovens, para tentar fazer a diferença fora do campo. Nem toda homofobia é explícita. Muitas vezes, está implícita e disfarçada. A imagem que fica marcada não é a de um eventual dirigente ou atleta com uma suposta prática homofóbica, mas uma eventual suposta prática de discriminação homofóbica institucional. O Grupo Arco-Íris, mais uma vez, cumpre seu papel institucional e constitucional de provocar esse debate público em defesa da cidadania", disse Cláudio Nascimento, presidente do Grupo Arco-Íris.

A decisão é assinada pela juíza Simone Gastesi Chevrand, da 25ª Vara Cível do Rio de Janeiro, e foi despachada na última segunda-feira (21).

"Essa recente decisão judicial é um importante passo para que possamos ouvir o que o Flamengo tem a dizer sobre a omissão do camisa 24 e para analisarmos os passos seguintes a serem tomados. Essa interpelação judicial feita pelo Grupo Arco-Íris é um instrumento de cidadania e de luta contra a homofobia e a LGBTIfobia no Brasil, e o futebol, como um esporte machista, exerce influência nesse debate público, e os clubes esportivos têm responsabilidade no fomento de políticas públicas que devem ser além de meras postagens em redes sociais sobre o combate à discriminação", avaliou o advogado Carlos Nicodemos, que assessora o Arco-Íris.

Em janeiro, o tema já havia chegado aos tribunais. À época, o Grupo Arco-Íris acionou o Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo (TJD-SP), onde a Copinha é realizada, com uma notícia de infração contra o Flamengo pela ausência da camisa 24 na delegação.

Na ocasião, o clube alegou que não descumpriu regulamento da competição e afirmou que a demanda do Arco-Íris não era de competência da Justiça Desportiva, pedindo que o caso fosse encerrado sem que houvesse julgamento. Na visão do clube, o grupo não tinha o chamado "interesse de agir", que é o interesse da parte quando faz uma demanda judicial.

Na argumentação, o Rubro-Negro lembrou que também não usou o número 12 — "aposentado" em homenagem à torcida —, e indicou que a identificação nas camisas foram definidas pelos jogadores. O clube citou ainda que tem promovido ações contra o preconceito, como o fato de Gabigol ter usado a camisa 24 na final da Taça Guanabara de 2020, e pontuou que a camisa 24 é usada na Libertadores.

A procuradoria do TJD-SP pediu o arquivamento da ação. O órgão entendeu que o Arco-Íris "possui interesse na causa, contudo não tem capacidade processual para atuar" no caso, à luz do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

"Cabe, preliminarmente, mencionar que a presente ação é de competência da Justiça Comum, visto que o seu objeto não é de tema estritamente cível e desportivo", salientou o grupo na ação atual.

Outros movimentos

O Arco-Íris já acionou outras entidades judicialmente pela não utilização da camisa 24. Em junho do ano passado, o grupo ajuizou ação contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), questionando a entidade sobre a ausência do número entre os convocados por Tite para a Copa América.

"Esta postura que aparenta ser mesmo uma política discriminatória está presente no futebol brasileiro e impede e dificulta que jogadores possam exercer livremente os seus direitos e acabam por não assumirem as suas orientações sexuais por medo de represálias e de perdas de oportunidades na carreira", dizia trecho do documento.

O número 24

A camisa 24 é muitas vezes evitada por times e jogadores brasileiros, devido a uma antiga associação entre esse número e a homossexualidade. O estigma é antigo e transcende a vida cotidiana no Brasil, país onde a homofobia é crime desde meados de 2019, mas que diariamente registra ataques a homossexuais e transexuais. A origem disso se deve ao Jogo do Bicho, prática ilegal que surgiu em 1892 em que o veado representa esse número.

Na cultura popular, esse animal, espécie com comportamento homossexual, é sinônimo de fragilidade ou delicadeza, explica o sociólogo Rodrigo Monteiro, da Universidade Federal Fluminense. E no futebol, tantas vezes considerado um reflexo da sociedade, passou a ser um número evitado, explica o sociólogo Rodrigo Monteiro, da Universidade Federal Fluminense."Por mais que haja contestação, crítica, movimento forte institucional ou mesmo de organizações civis, não tem sido suficiente para parar essa associação homofóbica", diz Monteiro. "Não conseguem desfazer essa base da cultura masculina na que se fundamenta o futebol".

Veja os questionamentos ao Flamengo:

a) A não inclusão do número 24 no uniforme oficial na Copa São Paulo de Juniores de 2022 constitui uma política deliberada da interpelada?

b) Em caso negativo, qual o motivo da não inclusão do número 24 no uniforme oficial da interpelada na mencionada competição?

c) Qual o departamento dentro da interpelada, que é responsável pela deliberação dos números do uniforme do Clube?

d) Quais as pessoas e funcionários (nomes e identificação) da Interpelada, que integram este departamento que delibera sobre a definição de números no uniforme oficial?

e) Existe alguma orientação da FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL, CBF, CONMEBOL ou FIFA sobre o registro de jogadores com o número 24 na camisa?

f) A Interpelada possui algum programa de salvaguarda e enfrentamento à discriminação contra a comunidade LGBTQIA+ na sua estrutura funcional?