Ela 'decidiu' final como gandula e vive sonho profissional após 10 anos
A menina que sempre quis trabalhar com futebol encontrou na função de gandula quase um refúgio para se aproximar daquele objetivo que parecia distante. Mal sabia, porém, que se tornaria personagem de um título do clube do coração, veria uma guinada na vida profissional e, uma década depois, viveria "dentro de um sonho", como classificou. Esse pode ser um breve resumo de Fernanda Maia. Hoje jornalista e apresentadora, ela ficou conhecida em 2012, quando, por acaso, participou de um lance de gol na vitória do Botafogo sobre o Vasco, na final da Taça Rio.
Fernanda, então com 23 anos, acordou naquele 29 de abril de 2012 resfriada, mas não queria perder a chance de estar naquela decisão. Logo aos 3 minutos de jogo, o lateral Fagner, que estava no Vasco, afastou uma bola para a lateral. A gandula repôs rapidamente para Maicosuel, que cobrou para Márcio Azevedo e pegou a zaga cruz-maltina desprevenida. Após cruzamento, Loco Abreu, completamente sozinho na área, abriu o placar.
Depois daquele lance, os olhos também passaram a estar fora das quatro linhas, mas nem mesmo Fernanda entendia o motivo. Ao apito final, o Alvinegro venceu por 3 a 1 e levantou a primeira taça no Nilton Santos, sua casa, e ela se tornava parte daquela conquista.
"Sobre aquele lance, eu me lembro como se fosse hoje. Quando faço a reposição daquela bola, eu não vejo o gol. Quando o vi que o Fagner zerou a bola e eu não teria de esperar para ver se ela bateria na placa e voltaria para o campo, eu mandei para o Maicosuel e corri para buscar a outra bola, que tinha caído no fosso. É longe do campo e tem de descer uma escada. Quando estava descendo, ouvi o barulho da torcida comemorando."
"Depois, veio um rapaz que trabalhava comigo e falou: 'gol seu'. Também veio um da Globo perguntar meu nome, respondi, mas não estava entendendo nada. Meu celular vibrou e era meu ex-chefe, que é vascaíno, falando para eu passar no RH na segunda-feira, com uma risada. Eu pensei: 'algo aconteceu e viralizou de alguma forma'. Neste momento, eu não sabia o que estava acontecendo", recordou.
Apenas no intervalo Fernanda Maia teve ciência do que tinha ocorrido no início da partida.
"O meu chefe no Nilton Santos falou: 'você deu a bola e o lance foi muito rápido. Vai direto para o vestiário e não fala com a imprensa'. O meu medo, naquela hora, era perder a vaga de gandula. Me explicaram, disseram que confiavam no meu trabalho e eu voltei para o segundo tempo mais tranquila."
Ao apito final, em meio aos campeões, jornalistas procuravam a então gandula. Naquele momento, porém, a pedido do Botafogo, não deu declarações. Mas uma repórter disse a Maicosuel que havia 'iniciado' a jogada do primeiro gol, e Fernanda ganhou a munhequeira do meia. Porém, ressalta que não havia nada combinado.
"A gente não treinava aquilo. Foi feito por uma observação minha, que percebi que, se conseguisse acompanhar a jogada, acelerava a reposição, mas nunca houve treino, nada orientado. Eu já havia feito outras vezes, mas o final da jogada foi outro. Então, mérito também do Maicosuel, Márcio Azevedo e Loco".
Depois, conseguiu curtir algumas experiências que aquele lance proporcionou.
"Conversei com o Botafogo e mostrei que não havia feito nada demais, e que a federação [carioca] sabia disso. Eles me liberaram. Dei uma entrevista para um monte de gente naquela noite. No dia seguinte, meu telefone não parou. Tomei café com a Ana Maria Braga, fiz matéria com o Fantástico, Fernando Torquatto me maquiou, entrei ao vivo no Globo Esporte, fui ao Pânico, no Altas Horas, Danilo Gentili... Não sabia o que sairia dessa história, mas pensei em me divertir. Não estava deslumbrada com nada. Acabou que, uns meses depois, o Botafogo me chamou para trabalhar com ações de marketing do clube."
"Vivendo um sonho"
Fernanda Maia sempre foi apaixonada por esporte, principalmente o futebol. Alvinegra de carteirinha, conta que era uma das poucas meninas que comprava jornais especializados no assunto para ler na escola. Ainda nova, definiu que queria viver do esporte e, próximo ao momento do vestibular, um teste vocacional apontou dois caminhos: jornalismo ou educação física.
"Quando era pequena, dizia que queria ser repórter de campo. Depois deste teste, acabei fazendo meio a meio (risos). Me inscrevi para Jornalismo em uma parte, e em Educação Física em outra, e passei para Educação Física na UFRJ."
A jornalista e apresentadora, porém, ressalta estar vivendo um sonho.
"Queria trabalhar com futebol e, principalmente, com o Botafogo. Hoje, estar onde estou profissionalmente, é um sonho. Quando eu era pequena, dizia que queria ser repórter de campo. Sempre tive essa paixão pelo futebol. Queria sobreviver do futebol, e é o que faço hoje. É a realização profissional genuína e completa. Foi uma oportunidade que surgiu e costumo dizer que, hoje, vivo dentro de um sonho"
Atualmente, Fernanda é apresentadora do SBT Sports Rio, comentarista no programa "De primeira", da Rádio Mix, integra a Botafogo TV e faz a locução oficial do estádio Nilton Santos.
Mudança na vida profissional
Pouco após aquela final de Taça Rio, Fernanda Maia foi chamada para fazer parte de um programa na TV Lance!. Àquela época, porém, ainda mantinha a rotina de professora de Educação Física. E assim foi também quando foi levada à Band por José Carlos Araújo, o Garotinho.
"Comecei a ver que o negócio estava sério, que o jornalismo havia me engolido e me deixado completa. Então, decidi estudar, me aprofundar e me dedicar integralmente. Depois desse início meio transitório, larguei a Educação Física. Quando fui demitida da Band, em 2015, um ex-chefe havia me procurado, mas eu disse que, na minha cabeça, eu já era uma comunicadora, não mais uma professora. Ali isso ficou estabelecido de forma mais clara."
Educação Física como trunfo
Fernanda conta que, no início da caminhada no jornalismo, a formação em Educação Física ajudou em diversos aspectos.
"Na Educação Física se aprende tudo: regra, tática, arbitragem... Me deu uma base. Eu fazia comentários na BandNews, comentava jogos, e quem me entregou isso foi a Educação Física. O Garotinho [José Carlos Araújo] me pedia para ler um comentário de rede social e, depois, fazer um comentário, como professora de Educação Física. Então, foi um trunfo para mim em um mercado que eu ainda não tinha estudado totalmente para estar."
Ficou "escondida" no início
Ainda hoje, o futebol é um meio com traços machistas, e Fernanda Maia sabe bem disso. Primeira mulher a ser gandula no Nilton Santos, ela lembra que não tinham nem roupa feminina.
"Tentei ser preparadora física e não consegui, é um mercado ainda bem fechado para mulheres. Só não ganhava nos clubes. Como queria trabalho no Botafogo de alguma forma, passei a atuar na parte do saguão. Observando, pedi para ser gandula, mas não tinha mulher. Eles não tinham nem roupa. Colocava roupa de homem e remendava. Eu fiquei um ano usando boné porque ninguém podia ver que era uma mulher ali."
Integrante de uma nova geração de mulheres na cobertura esportiva, ela celebra o aumento de oportunidades e referência para as jovens que querem seguir tal caminho.
"Ainda é muito machista, mas acredito que está mudando. Eu enfrentei algumas coisas. Sou de uma geração em que, infelizmente, não era tão normal menina gostar de futebol. Eu era a única que queria jogar, que comprava o jornal sobre futebol. Tenho 33 anos e acho que sou de uma geração de transição. Não era muito comum mulheres gostarem e hoje vejo muitas. O mercado era mais fechado. Eu ligava a TV e tinha a Mylena [Ciribelli], a Glenda [Kozlowski], a Renata Fan... Não tinham muitas para olha e ter como referência. A coisa era mais na base do sonho mesmo. Hoje já temos comentaristas, narradoras..."
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