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Santos barra venda de camisas com estampas que podem fazer alusão a crimes

Loja Jotaz vende camisas licenciadas pelo Santos - Reprodução
Loja Jotaz vende camisas licenciadas pelo Santos Imagem: Reprodução

Lucas Musetti e Thiago Braga

Colaboração para o UOL, em Santos e São Paulo

10/05/2022 14h00

Em uma tentativa de atingir um público diferente daquele que costuma comprar suas camisas oficiais, o Santos licenciou sua marca para a empresa Jotaz. Com sede em Barueri, a loja entende que os consumidores de seus produtos estão na "quebrada". De contrato em mãos, criou sete modelos com o escudo santista. Duas dessas peças, porém, foram barradas ontem (9) pelo clube devido à controvérsia despertada por suas estampas —especialistas afirmam que elas poderiam fazer alusão ao mundo do crime.

Uma das estampas apresentava uma baleia, mascote do Santos, com um volumoso cigarro aceso na boca. O item pode ser interpretado como um cigarro de maconha.

A outra estampa exibia dois palhaços em preto e branco, um feliz e outro triste, com a inscrição "na vitória e na derrota". São símbolos que, em geral, costumam ser vistos pelas forças de segurança como uma afronta, um símbolo para pessoas ligadas à criminalidade.

"Por um tempo, eu pesquisei os significados das tatuagens prisionais da população carcerária de um estado brasileiro. Na cultura policial e prisional, a representação do palhaço como tatuagem é geralmente associada a condutas e crimes específicos, como homicídio, latrocínio e roubo", afirma Leandro Ayres França, doutor e mestre em Ciências Criminais, e autor do livro "As Marcas do Cárcere".

Camisa do Santos com palhaço - Reprodução - Reprodução
Camisa licenciada pelo Santos na loja Jotaz
Imagem: Reprodução

"Mas, nas entrevistas, eu indagava às pessoas que estavam presas o que significavam suas tatuagens para elas próprias. Comento isso porque esta pergunta seria mais adequada à empresa que se propôs a lançar essas estampas e àqueles que adquirirem as camisetas, sob o risco de fazermos juízos de valor baseados em estereótipos."

Interpretação e identidade

Eduardo Júnior, um dos sócios da Jotaz, diz que as camisetas não pretendem fazer apologia à contravenção. "Uma estampa remete a duas máscaras de palhaço, no caso na vitória. Acabou que o pessoal associou a um cunho de criminalização que não era nosso intuito. A outra, da baleia com charuto, remetia a um gângster. Mas não agradou, por isso vamos retirar esses modelos do site e as peças que temos vamos descartá-las."

Em nota (leia abaixo o texto na íntegra), o Santos afirma: "A intenção de lançar este tipo de camisa é oferecer opção para um público-alvo específico. A linha aprovada serve como teste de mercado para este novo segmento, carente de produtos oficiais do clube".

Após um ruído na comunicação entre clube e empresa, o Santos pediu para que as duas peças específicas deixassem de ser fabricadas.

Camisa do Santos estampa de baleia com cigarro - Reprodução/Internet - Reprodução/Internet
Camisa do Santos estampa de baleia com cigarro
Imagem: Reprodução/Internet

"O problema foi gerado porque essas artes passam por aprovação. Um colaborador lá no Santos saiu de férias, entrou um assistente e houve falha na comunicação para saber se estava aprovado ou não. O Santos é uma grande oportunidade para nós. É um conceito e vamos abraçar o Santos da melhor maneira, para ter uma linha maior de produtos. Por isso, não vamos levantar nenhuma questão que traga problemas para o Santos", explica o empresário.

Eduardo não revela números, mas os modelos caíram no gosto dos santistas, que correram para comprar algumas peças que, segundo o empresário, serão entregues aos compradores.

"A gente tem um público formado com o material que a gente tem, que é voltado para o futebol de várzea, temas que abrangem a comunidade. Então, tentamos levar a realidade da favela para o ambiente do futebol", afirma Eduardo. Segundo o empresário, a Jotaz tenta entrar nos clubes de São Paulo justamente para poder proporcionar que os consumidores da marca, a maior parte, segundo ele, "formado por pessoas das classes C, D, e E", possam ter acesso a um produto oficial dos times que torcem.

Embora tenha retirado os modelos do site, Eduardo Júnior faz uma ressalva sobre a polêmica.

"A arte é interpretativa. Você olha para um quadro e interpreta. Se eu colocar uma baleia rindo ou chorando não vai agradar a galera. Tem de ser um tubarão com óculos 'Juliet', traz a identidade para quem vive na favela", argumenta. "Hoje em dia, crianças usam estampa de palhaço. Tem policial que há muito tempo não gosta desse tipo de imagem. Mas hoje em dia não tem mais isso, marcas mundiais usam esse tipo de imagem, não está mais criminalizado. A gente não quer que ninguém apanhe."

Yin, Yang e esculacho

Na loja online da Jotaz, ainda é possível encontrar camisetas com estampas variadas, mas algumas delas com o símbolo do "Yin" e "Yang", que também pode ser associado ao PCC (Primeiro Comando da Capital), criado em 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba (SP).

Colunista do UOL, o jornalista Josmar Jozino é autor de três livros sobre o PCC —em "Cobras e Lagartos", Josmar narra a vida nas prisões brasileiras e conta como foi o nascimento do grupo.

"O 'Yin' e o 'Yang' é um símbolo do PCC. Quem escolheu esse símbolo foi o Mizael Aparecido da Silva por causa dos livros de filosofia oriental que ele lia. E representava tudo que é antagônico, o equilíbrio das forças. Quando o Carandiru [então Casa de Detenção de São Paulo] estava para fechar, o 'Yin' e o 'Yang' estavam pichados em todos os lugares", relatou Jozino.

Mizael, o Miza, foi quem escreveu o estatuto do PCC no início dos anos 90, e virou responsável pela popularidade do símbolo entre os membros da facção.

Dessa forma, o consumidor que for às ruas com roupas com essas estampas está mais propenso a levar um "esculacho", como a população chama a abordagem policial que descamba para a violência física.

"Do local em que me encontro, como professor universitário e servidor na área de segurança pública, digo que o significado criminoso da figura do palhaço tem esmorecido. Da perspectiva de um jovem da quebrada que toma um tapão na orelha de um policial em razão de uma tatuagem ou de uma estampa de palhaço, a simbologia será bastante concreta", analisa Ayres França.

"A polícia não vê com bons olhos, não. Não sei se é uma norma, mas é cultural. Basta ver como eles [polícia] olham os negros, os pobres, sempre tratam como suspeito. A tatuagem não é critério, mas acontece sim, de tratar como suspeito. Se a polícia pega um cara assim na quebrada, senta a mão na orelha. Vai mandar encostar e dar aquela geralzona", resume Jozino, com a experiência de quem cobre o crime organizado há mais de 30 anos.

Leia a nota oficial do Santos sobre o caso:

O Santos FC esclarece:

"Que a empresa Jotaz é licenciada do Santos FC, mas as peças em questão não foram autorizadas pelo Clube para comercialização e o licenciado colocou à venda, sem autorização. O Clube, ao receber as reclamações, notificou o licenciado por e-mail, que imediatamente retirou as peças de circulação.

No caso específico dos dois produtos citados, um deles não foi aprovado pelo Departamento de Marketing, devido ao tema inadequado da estampa, e o outro foi solicitado alterações na ilustração.

O Santos FC esclarece que a intenção de lançar este tipo de camisa é oferecer opção para um público-alvo específico. A linha aprovada serve como teste de mercado para este novo segmento, carente de produtos oficiais do clube.

O Clube lamenta o erro do licenciado e está tomando as devidas providências internas para que fatos desse tipo não ocorram com seus parceiros oficiais."

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