Conca, pérola do Fluminense e que teve salário só menor que Messi e CR7
Quieto e de poucas palavras, a imagem contrastava com o clichê criado sobre os jogadores argentinos. Fora dos holofotes, externava uma personalidade mais extrovertida e brincalhona. Dentro das quatro linhas, porém, Darío Conca se tornou o centro das atenções e colocou o nome na história do Fluminense. Após uma grande frustração nas Laranjeiras ao perder a Libertadores de 2008, se tornou nome essencial para que a equipe saísse do "1% de chance" ao topo do Brasil, em um título que teve sua digital. As despedidas aconteceram na China, onde entrou no ranking dos jogadores mais bem pagos do mundo.
Nascido em General Pacheco, na Argentina, Conca desembarcou em terras brasileiras após se destacar pela Universidad Católica, do Chile. À época, a primeira experiência no país do futebol foi no Vasco, onde ficaria apenas por uma temporada, antes de vestir tricolor e viver uma relação de amor.
O primeiro técnico
Logo que chegou ao Brasil, ao acertar com o Vasco, em 2007, Conca encontrou Renato Gaúcho, então treinador do time cruz-maltino. O comandante acabou sendo importante no período de adaptação do argentino ao novo país, em diversos quesitos.
No ano seguinte, com o time sob comando de Renato, o Fluminense anunciou a chegada do meia. Era o início de uma caminhada que fez o jogador atingir as prateleiras mais altas da história do Tricolor.
"[Quando chegou ao Vasco] Ele era franzino e queria mais jogar com a bola. O fizemos entender que era necessário um reforço muscular. O Alexandre Mendes [auxiliar] fez um trabalho com ele neste sentido. Onde a bola ia, ele ia atrás e, aos poucos, fomos mostrando também a parte tática do jogo. Quando chegou ao Fluminense, ele se tornou peça central daquele time, um meia que fazia o time jogar", disse.
Ainda em 2008, Renato Gaúcho deixou as Laranjeiras e voltou à Colina. Depois, teve passagem por Bahia, Athletico-PR e duas pelo Grêmio, antes de retornar ao Flu, em 2014.
Ao se despedir das Laranjeiras, voltou ao Olímpico, onde já era ídolo como jogador, e teve uma passagem multicampeã como técnico, o que lhe rendeu uma estátua. O trabalho mais recente de Renato foi à frente do Flamengo, no ano passado.
"Vou te liberar uma pérola"
Conca foi contratado pelo Fluminense no início de 2008, na gestão de Pedro Horcades. O argentino, que estava emprestado ao Vasco, tinha vínculo com o River Plate, que fez exigências para que ele permanecesse em São Januário. O Cruz-Maltino não topou, e foi então que a diretoria do Tricolor agiu para concretizar uma relação que havia tido alguns flertes anteriores.
À época, o presidente do Vasco era Eurico Miranda, que também era paciente do mandatário do clube das Laranjeiras — Horcades é cardiologista.
"Fomos buscar ele no Vasco. Quem liberou o Conca foi o Eurico. Naquela época, eu era médico do Eurico, e ele disse: 'Vou te liberar uma pérola'. E, realmente, o Conca foi uma pérola no Fluminense. Nunca deu problema. E eu falo isso porque eu era um presidente que não ficava no gabinete, me envolvia no futebol. [Conca] Era um atleta exemplar, um craque. Ganhou tudo. Toda a passagem do Conca pelo Fluminense foi marcante para mim", disse o ex-presidente tricolor.
Entre 1999 e 2014, o Flu foi patrocinado pela Unimed que, por meio de Celso Barros, presidente da Unimed-Rio, fez investimentos nos elenco ao longo deste período.
"Conca chegou ao Fluminense em 2008, no início do ano, e disputou a Libertadores em que o Fluminense teve o melhor resultado de sua história. Ele chegou e logo conseguiu espaço no time, e foi importante naquela campanha. Embora tivesse oscilado no Vasco, havia uma expectativa grande, e ele encaixou bem. Sempre foi um belo atleta, super tranquilo", lembra Barros.
Na referida Libertadores, o clube das Laranjeiras fez uma boa campanha e chegou à decisão, mas, na disputa de pênaltis, parou na LDU, do Equador, e amargou o vice de forma dramática.
Após o torneio, o elenco perdeu alguns nomes, e Conca assumiu uma responsabilidade maior. No Brasileiro daquele ano, o Tricolor oscilou e a equipe chegou a frequentar a zona de rebaixamento, mas permaneceu na elite.
Ao fim daquela temporada, o Fluminense teve de negociar com o River Plate a permanência do argentino, e alguns clubes chegaram a ter o meia na mira, como São Paulo e Flamengo.
Mas houve um acerto financeiro e Conca ficou, e com um contrato de mais três temporadas, para alívio da torcida, que pedia a permanência do então novo xodó. Em 2009, fez parte do elenco que conseguiu tirar o Fluminense de um rebaixamento que parecia favas contadas e gerou a alcunha de "Time de Guerreiros".
O auge
O ápice da carreira de Conca, talvez com margem bem pequena para dúvidas, foi em 2010. Em meio a um elenco estrelado, o argentino se destacou e atuou nas 38 rodadas do Campeonato Brasileiro daquele ano, que teve o Fluminense como campeão, encerrando em jejum que durava desde 1984.
Dentre os companheiros naquela trajetória, Conca teve Washington, o Coração Valente, com quem também havia jogado ao lado na Libertadores de 2008. O centroavante foi outro a cair nas graças dos tricolores e é celebrado até hoje.
"Conca sempre foi mais tímido. Na época dele, não era muito de dar entrevista, era uma briga (risos), mas quando ficava em um ambiente mais reservado, ele se soltava. No início no Fluminense, não era titular, mas começou a jogar e foi fundamental naquela Libertadores. O Conca sempre foi assim, tímido, mas em campo, era o contrário, se diferenciava", conta.
O pênalti na Arena da Baixada
Um episódio que ficou marcado para Washington aconteceu na reta final do Brasileiro de 2010. O atacante atravessava um jejum de gols, e o Fluminense foi à Arena da Baixada enfrentar o Atlético-PR — ambas as equipes ocupavam a parte de cima da tabela.
Se o momento já não era dos melhores, ficou ainda mais complicado quando Coração Valente acabou marcando contra. O Furacão vencia por 2 a 1 até os minutos finais, quando Tartá sofreu pênalti. Washington pegou a bola, mas Conca chamou a responsabilidade.
"Teve uma vez, em 2010, naquele momento maravilhoso dele, em que estava sendo muito importante, jogando, e teve um pênalti contra o Atlético-PR. Eu queria bater, mas ele tirou a bola de mim. Ainda bem (risos). Eu estava em um jejum e tudo mais. Ele pegou a bola, e até [me] ajudou. Era uma coisa difícil dele fazer, mas, naquela vez, ele tomou a decisão e foi decisivo".
Conca vidente?
Um dos amigos que Conca fez no Fluminense foi o goleiro Ricardo Berna, que defendeu o clube entre 2005 e 2013. Na reta final do Brasileiro de 2010, ele superou Fernando Henrique e Rafael, e se tornou titular da equipe comandada por Muricy Ramalho.
"Conca é muito amigo. Era muito na dele, mas, em um ambiente de confiança, se soltava mais, era brincalhão para caramba. Adorava pegar no pé do pessoal, brincar com os funcionários. Era alegre e bem positivo. Naquela reta final de 2010, ele foi um dos caras que mais me deu apoio, sempre tinha uma palavra de inventivo", disse.
"Dentro de campo, era uma liderança nata. Valorizava muito a posse de bola para a gente, levava o time à frente, tinha passes de precisão. Um jogador muito completo e que nos dava confiança", completou.
Berna, porém, se lembra com carinho de uma passagem em que Conca revelou uma outra faceta.
"Fizemos uma viagem na intertemporada de 2010. Viajamos para os Estados Unidos eu, Marquinhos e Conca. Foi um passeio muito bacana, estivemos em vários lugares. Durante a viagem foi um momento em que ele me deu apoio, sempre que surgia o papo de futebol. E lembro que, quando estávamos em Nova York, ele brincava que minha esposa estava grávida. Ainda não tínhamos essa perspectiva e, quando retornamos, ela estava grávida mesmo [Manuela nasceu em fevereiro de 2011]"
Prêmios individuais
Nome daquele Brasileiro, o argentino foi eleito "Melhor jogador" e "Craque da Galera". Naquele ano, a premiação aconteceu no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e um dos presentes na plateia era Celso Barros. Apesar da felicidade com o título do Fluminense e com o sucesso do meia, o patrocinador mostrava também preocupação.
"Quando foi anunciado o Craque da Galera e depois do Brasileiro, eu tinha a alegria, mas ao mesmo tempo estava chorando. Só pensava: 'Agora, vai ser difícil renovar' (risos). E o Conca tinha um jeito de conversar, ele falava: 'Ô, Célsô, por favor...". Ao final, acabamos cedendo um pouco na composição e chegamos ao valor. Seria complicado perder o atleta. Depois, veio a história da China e aí não teve como competir", recorda.
À época, Conca foi receber quase R$ 2 milhões por mês, em um contrato válido por dois anos e meio. Na ocasião, os vencimentos estavam atrás apenas dos de Cristiano Ronaldo e Messi, estrelas do futebol mundial.
Em 2011, Conca fez as malas e foi para o Guangzhou Evergrande. Com status de ídolo, ele retornou às Laranjeiras em 2014, atuando até 2015, antes de voltar para o outro lado do mundo, desta vez para vestir as cores do Shanghai SIPG. Neste retorno, o salário esteve no Top8.
Retorno que "machucou" tricolores
Em agosto de 2016, o meia sofreu uma ruptura do ligamento cruzado do joelho esquerdo e teve de passar por cirurgia. Em janeiro do ano seguinte, ele foi anunciado pelo Flamengo, rival do Fluminense, o que machucou a torcida tricolor.
Em recuperação, o argentino assinou um contrato por empréstimo e só passou a receber do Rubro-Negro após fazer o primeiro jogo — o que aconteceu apenas em junho. A passagem pela Gávea, porém, não deixou saudade na torcida. Ao todo, foram apenas 27 minutos em campo, tendo participações em jogos do Brasileiro e da Primeira Liga.
"Foi uma contratação com cláusula de risco, ele vinha de uma cirurgia. Infelizmente, não conseguiu voltar à condição médica e física anterior. Ele chegou a estrear, mas não foi aquilo que se imaginava, até pelo jogador que sempre foi. Mas a impressão que ele deixou foi a melhor possível. Se dedicava muito, treinava muito. Internamente, a impressão foi boa, pareceu ser um profissional exemplar, mas, infelizmente, não conseguiu voltar a jogar", lamenta Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Fla à época da contratação.
Redes sociais
Após a aposentadoria, que aconteceu em 2019, Conca voltou a chamar a atenção, mas de outra forma. Sob um trabalho de consultoria de imagem, o jogador adotou uma personalidade mais brincalhona nas redes sociais, com comentários extrovertidos sobre diversos assuntos. A hashtag "Me segue Conca", em que torcedores pediam para que o ex-meia os seguisse, chegou a ser um dos assuntos mais citados em uma plataforma.
O ex-meia também fez piada sobre o boato inicial de que poderia participar do Big Brother Brasil 2021, e disse para os seguidores não confundirem "Conca com Conká", citando Karol Conká, que, realmente, esteve na edição de 2021 do reality show.
Além do tom das postagens, o fato de o argentino ter ficado mais forte também surpreendeu. No fim do ano passado, Fred encontrou o ex-companheiro no aeroporto durante o embarque do Fluminense para Porto Alegre, onde iria enfrentar o Grêmio. O camisa 9 registrou a reunião e chegou a brincar com o novo porte físico, perguntando se ele estava malhando com o Pedrinho, em referência ao ex-jogador do Vasco e atual comentarista do Grupo Globo.
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