Aposta de Felipão diz que deixou de ser 'nhaca' para bombar em Portugal
Lincoln não é mais a promessa que virou notícia no Grêmio por barbarizar em treino contra os profissionais, com míseros 15 anos. O meia-atacante que encheu os olhos do técnico Luiz Felipe Scolari, em Porto Alegre, foi um dos destaques do futebol português na mais recente temporada. Além dos gols e assistências pelo Santa Clara, ele desfila sinceridade ao falar da carreira. A franqueza para citar rótulos, contar o plano de deixar o Brasil e revelar bastidores aparece no rol de habilidades do jogador, que chegou a ser incluído na lista com as maiores promessas nascidas em 1998.
Aos 23 anos, Lincoln interessa ao Porto e também ao Fenerbahçe, da Turquia. O contrato com o Santa Clara vai até junho de 2023. O Grêmio tem percentual e está de olho na evolução da antiga promessa da base.
"Eu saí do Grêmio como um jogador 'nhaca', digamos assim, por não correr e tal. Aqui, sou um dos que faz o time marcar à frente", conta Lincoln em entrevista ao UOL Esporte.
O Santa Clara terminou em sétimo lugar no Campeonato Português, e Lincoln marcou sete gols, além de oito assistências. A campanha veio depois de temporada com altos e baixos nos bastidores do clube, que sempre ficou dentro do objetivo: seguir na elite.
"Portugal me abraçou, não só a mim, mas à minha família também. Tenho total respeito pelo Grêmio e o que vivi lá. Pelas chances que tive o que eu passei. Mas Portugal não apenas me abriu as portas da Europa, mas é um clube em que eu tenho 110 jogos, que me deu a confiança que eu precisava, me deu o que eu estava precisando e não estava tendo em Porto Alegre. Sou extremamente grato ao clube por acreditar em mim, acreditar no meu potencial, quando ninguém mais acreditava em mim", valoriza Lincoln.
A escolha pelo atual clube foi parte de um plano maior. Uma estratégia para obter destaque, evoluir e prosseguir a carreira. Antes de chegar ao Santa Clara, Lincoln foi emprestado ao Rizespor, da Turquia, e América-MG.
"Gosto do desafio, da luta, de brigar e de estar sempre jogando, por isso aceitei o desafio de dar dois passos atrás em termos de clube. Eu estava no Grêmio, poderia me contentar com o Grêmio, recebendo bem, poderia ficar aqui, era minha oportunidade, se der entrar num jogo ir bem, ter outra chance. Mas aceitei ir para Turquia porque gosto do desafio, aceitei vir para Portugal porque gosto do desafio. E não me contento com pouca coisa", afirma o meia-atacante.
A trajetória de Lincoln no Grêmio é marcada por extremos, na expectativa. E tudo começou em um treino sob olhar atento de Felipão.
"Muita gente acha que subi cedo para o profissional. Lembro que eu não estava jogando na minha própria categoria, [nascidos em] 90. E o técnico Luis Gabardo me chamou para jogar na categoria de cima, a 97. Lembro que subi para a 97, jogamos um jogo do Gauchão, fiz dois gols, e dois dias depois tinha um coletivo contra o profissional. Graças a Deus, foi um treino abençoado, fui muito bem, um treino que aprendi muito. Mas acredito que chamei atenção por ter 15 anos e estar no meio de jogadores com 20, 21, muito mais velhos do que eu", recorda.
"Mas eu, particularmente, acho que foi um treino top, um treino muito bom em termos individuais e quando me fazem essa pergunta eu fico sem entender, porque falam que eu subi cedo, mas quem viu o Lincoln jogar foi um treinador campeão mundial, respeitado, que tem história e sabe o que faz. Conhecido pelo seu trabalho, serenidade, e não precisa falar dos títulos que ele tem na carreira e dos clubes que treinou na carreira", completa.
Depois de Felipão elogiar, o Grêmio correu para viabilizar detalhes burocráticos de um novo contrato. O vínculo renovado permitiu que o meia passasse a treinar nos profissionais.
"Quando me fazem este tipo de pergunta, sobre ter subido cedo, eu penso e até gosto. Me permite falar. Mas, e aí, meu empresário tinha envolvimento com Felipão? Meu empresário nem o Felipão conhecia. Eu fico sem entender [comentários sobre estar no elenco principal aos 15 anos]. As pessoas não faltam com respeito comigo, mas com um treinador multicampeão. 'Ah, o Lincoln subiu cedo!'. Mas o Lincoln não escolheu subir. O Lincoln estava trabalhando, assim como os outros jogadores estavam trabalhando. Assim como o Felipão estava analisando jogador como os treinadores fazem o tempo todo", desabafa.
Depois de ser promovido, Lincoln assistiu o Grêmio trocar Felipão por Roger Machado. Na sequência, foi a vez de Roger sair para a chegada de Renato Gaúcho. E com Renato, as chances também não vieram. O ídolo chegou a dizer que seria melhor devolver o meia à base, para ganhar minutos e outras experiências. Até que, em 2017, houve a saída.
"Eu falei com Renato sobre a possibilidade de olhar a forma que eu estava trabalhando, me dedicando, respeitando todos os companheiros que estavam ali, respeitando a decisão dele, nunca fui contra, mas queria meu espaço e trabalhava para isso. Tenho o dever e o desejo de chegar nele e perguntar, como eu fiz. Lembro que ele me disse que eu teria a oportunidade. Acabei não tendo oportunidade, falei com ele novamente, ele disse que, se eu quisesse ter oportunidade, precisava esperar mais para ter. Eu já estava mesmo cansado, porque também eu trabalhava para esperar meu momento, que não chegava. Falei da possibilidade da Turquia, eu acreditava que ele não dificultaria para eu sair, porque eu não estava jogando. Ele disse que iria me ajudar, para eu ir. Então, graças a Deus, saí para ir em busca de meu desafio", lembra o meia-atacante do Santa Clara.
Confira outras respostas de Lincoln ao UOL Esporte:
Experiência em Portugal
"Eu saí do Grêmio como um jogador 'nhaca', digamos assim. Eu dou esse exemplo porque é mais fácil, sabe. Comparar um pouco com o futebol do Brasil... Mas acho que aqui muitas vezes se fala que no Brasil não tem intensidade, mas tem intensidade, sim. Não tem, talvez, no mesmo nível da Europa, mas tem intensidade, sim. As pessoas costumam falar que é fácil jogar, mas não é. Aqui é muito mais intenso. Eu saí do Brasil como 'nhaca', que eu não corria, tudo mais, e hoje aqui eu sou um dos jogadores da frente que determina a pressão do time, que marca de frente."
Treinadores portugueses x treinadores brasileiros
"Eu acho que são bem similares em termos de trabalho, mas aqui eu acho que são um pouco mais detalhistas de trabalho, parte técnica e tática. Em termos pessoais, eu acho que os treinadores que passei aqui em Portugal, não sei se para mim individualmente, mas me deram mais liberdade para trabalhar. Mas também eram pessoas mais profissionais, mais fechadas, não muito brincalhonas. Apesar de ser, era algo mais profissional. Não que, se tu não brincar é sério ou não, mas eram mais fechadas, profissionais, na dele, e davam mais liberdade dos que os treinadores que peguei no Brasil."
Evolução em Portugal
"Sempre fui um cara mais fechado e concentrado. Por mais que me achem mais molengão, mais relaxado, sempre fui um cara tranquilo, sereno, um cara que pensa antes de fazer as coisas, por mais que no Brasil, acho que falavam coisas de mim que ia para noite, que era isso e aquilo. Sempre achei estranho, porque eu estava sempre com a minha esposa em casa. Eu sempre sabia que a imprensa é assim, não sei se também era algo internamente no clube, que falavam, ou a imprensa fora. Sei que dentro no clube também surgiram coisas de mim... Mas nunca liguei, sempre trabalhei quando estava no Grêmio. Eu chegava do treino e treinava em casa. Isso as pessoas não veem, mas eu faço para mim, para o meu bem próprio. Eu treinava no Grêmio, não jogava, mas estava lá, treinava, era meu trabalho, meu compromisso. Chegava em casa à noite e treinava em casa de novo à noite. Eu não estava jogando, teria que trabalhar. Eu sempre fui assim, extremamente profissional, mesmo que, às vezes, as coisas não dessem certo dentro de campo, eu sabia que apenas eu poderia mudar esta situação. Ninguém poderia mudar a situação. Sempre fui assim. A experiência e as coisas que fui vendo e passando, acrescentaram na minha inteligência e na forma de pensar futebol. Aqui em Portugal, jogando, adaptado, vivendo algo totalmente diferente ao que eu vivia no Brasil, certamente me ajudou muito."
Relação com Luiz Felipe Scolari
"Não só eu, mas muitos jogadores que subiram para a pré-temporada foram tratados como filhos pelo Felipão. Ele chegava e falava para mim, em particular, que não era para eu abdicar de fazer nada do que eu fazia na base. Era para eu fazer aquilo que tinha vontade de fazer e ter a personalidade que ele sabia que eu tinha. Então, isso me deixou muito mais à vontade de um treinador falar isso. É tudo que um jogador quer ouvir. O jogador quer apresentar seus atributos, colocar a sua qualidade em cima da mesa, como outros que estão ali também. Ele me dava muita confiança, falava muito comigo, falava como um pai. É um cara que dispensa atributos. O Felipão é um cara exemplar, um cara que gosta muito mesmo de todo mundo, gosta de brincar, mas tem a parte séria que também é fenomenal. É um cara que, pessoalmente, o lado humano é top, fenomenal. Foi um cara que me ajudou muito num período difícil que eu estava passando logo que subi. Um cara que me ajudou muito. E todos que estavam naquela pré-temporada lá em Gramado. Mas eu, particularmente, gostei muito de trabalhar com Felipão. Não só porque ele me subiu, mas é um treinador campeão mundial e que todo jogador tem desejo de trabalhar."
Saída do Grêmio
"Eu falei com Renato sobre a possibilidade de olhar a forma que eu estava trabalhando, me dedicando, respeitando todos os companheiros que estavam ali, respeitando a decisão dele, nunca fui contra, mas queria meu espaço e trabalhava para isso. Tenho o dever e o desejo de chegar nele e perguntar, como eu fiz. Lembro que ele me disse que eu teria a oportunidade. Acabei não tendo, falei com ele novamente, e ele disse que, se eu quisesse ter oportunidade, precisava esperar mais para ter. Eu já estava mesmo cansado, porque também eu trabalhava para esperar meu momento, que não chegava. Falei da possibilidade da Turquia, eu acreditava que ele não dificultaria para eu sair, porque eu não estava jogando. Ele disse que iria me ajudar para eu ir. Então, graças a Deus saí para ir em busca de meu desafio, oportunidade de trabalhar, porque eu trabalhava tanto, não vou falar exausto, porque eu não trabalho pra ser titular absoluto, mas trabalho para ter oportunidade. Então, chegou a possibilidade da Turquia e não pensei duas vezes. As pessoas: 'ah, mas é segunda divisão'. Mas eu queria jogar, queria trabalhar, não pensei duas vezes. Graças a Deus, conquistamos um título na Turquia, fui bem, joguei 24 partidas, cheguei um pouco depois da competição iniciar.
Fomos campeões, fiquei feliz. Tinha a possibilidade de ficar, mas o Grêmio pediu valores altos, em termos disso eu nem me apego, os clubes devem se acertar. Depois, voltei para o Grêmio, trabalhando da melhor forma possível, me apresentei bem, em busca da minha oportunidade, não chegava novamente, surgiu a possibilidade do América-MG, eu já cheguei no meio do ano, a temporada é diferente. Eram três ou quatro meses, mas, infelizmente, no América-MG não tive uma passagem muito boa. Que sirva de aprendizado. Tomei uma decisão precipitada, de querer jogar, de querer sair, tipo de não voltar mais para o Grêmio. Tomei uma decisão precipitada e se deve aprender. Não foi por que a gente caiu, porque o grupo era exemplar no América-MG, era top, de trabalho, mas, infelizmente, essas coisas acontecem no futebol e eu fui campeão num ano na Turquia e no mesmo ano eu caí no Brasil. Acontece isso no futebol, mas, como eu falei, nossa vida é feita de escolhas e não me arrependo nem um pouco das escolhas que eu fiz."
Escolha pelo Santa Clara
"Quando saí do Grêmio, muitas pessoas criticaram minha vinda para cá e até zoaram. Não conheciam o time. Acho que no Brasil é marca de leite, as pessoas zoavam, essas pessoas já desacreditaram em mim, não sabiam que eu iria jogar, estava desacreditado, nem sabiam que time era esse e tudo mais. Vim para cá com este objetivo, de dar dois passos para trás para poder dar dois para frente. Não sei o que vai acontecer no futuro, mas fiz uma época exemplar, top em nível individual."
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