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PVC cometeu crime ao rasgar dinheiro ao vivo na televisão? Juristas opinam

Paulo Vinícius Coelho, o PVC, rasgou uma nota de R$ 20 ao vivo no SporTV - Reprodução/Twitter
Paulo Vinícius Coelho, o PVC, rasgou uma nota de R$ 20 ao vivo no SporTV Imagem: Reprodução/Twitter

André Martins

Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)

23/06/2022 13h37

O comentarista esportivo Paulo Vinícius Coelho, mais conhecido como 'PVC', viralizou ontem no programa 'Troca de Passes', do SporTV. O jornalista rasgou uma nota de R$ 20 ao vivo enquanto criticava os gastos da diretoria do Flamengo com valores pagos em rescisões de treinadores.

Após o programa, o jornalista utilizou seu perfil do Twitter para registrar uma retratação fora do ar. Na publicação, usuários da rede social criticaram o gesto e citaram que rasgar dinheiro se enquadraria no artigo 163 do Código Penal Brasileiro. Mas, afinal, rasgar dinheiro é ou não crime?

De acordo com o inciso três do artigo 163 do Código Penal Brasileiro, é crime "destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos". A pena é detenção de seis meses a três anos, e multa.

O UOL Esporte consultou juristas para analisar se a atitude do comentarista configura ou não um crime.

É ou não crime?

"A conduta não configura crime, uma vez que o dinheiro é patrimônio particular e não público. E isso se explica até pelo motivo de que, se entendêssemos que rasgar uma nota própria fosse uma destruição de patrimônio público, então um eventual furto ou roubo seria de interesse da União e de competência da justiça federal. O que é estúpido", opinou Fábio D'Elia, advogado criminalista na Delmanto Advogacia e professor universitário.

"É importante falar que o ato pode ser considerado até imoral, mas a gente tem um limite do que é imoral e ilegal. E um limite ainda maior do que é considerado um crime. A tendência do Direito é não se misturar para coibir aspectos imorais", completou o advogado criminalista.

Marcelo Leal, fundador do escritório Marcelo Leal Advogados Associados, também possui o entendimento de que a atitude em questão não se enquadraria como ilegal por não haver intenção. "Não vi crime nenhum. A rigor, o artigo 163 configura o crime de dano, mas precisa ser de coisa alheia. O dinheiro é do PVC, sim e não, porque é tido como patrimônio público, mas precisa ter dolo, intenção de causar prejuízo", explicou.

O especialista ainda ressaltou que não é porque um ato simplesmente preenche um tipo penal que necessariamente se configura crime. "Tem que ver a intenção do ato, e não vi crime nenhum. Não causou prejuízo a ninguém", acrescentou.

"E ali estamos falando de um jornalista, que rasgou a nota para exemplificar o que estava falando. Convenhamos, em um país que rasga tanto dinheiro público diariamente, isso não é nada. Se for um crime, é de bagatela, quando o valor envolvido é tão ínfimo que não se justifica", emendou o jurista.

O advogado Davi Rodney, criminalista e sócio-proprietário do escritório NCSS, é outro que acrescentou sua visão ao debate. Ele começou falando que o ato de rasgar dinheiro ser considerado ou não crime é uma discussão antiga. "Se for pegar a maioria dos escritores jurídicos, é crime sim porque é o Banco Central que emite a cédula e, no particular, caberia à pessoa que detém essa nota apenas o valor material que ela representa", ponderou.

Ele, no entanto, discorda dessa interpretação. "Na minha visão, não é crime. Por vários motivos, principalmente por conta de um princípio bastante antigo, que é o da lesividade. Ao rasgar uma nota, a pessoa está muito longe de lesar a União", afirmou.

"Muito pelo contrário, o indivíduo se lesa muito mais. Uma nota de R$ 20 representa muito mais para quem a detém do que para o poder público. Quem rasga uma nota seria incapaz de gerar um dano significativo para o estado a ponto de reclamar como um crime. Quem fala que é crime e cita o artigo 163 tem uma leitura bem fria da lei", completou o especialista.

Rodney ainda cita que PVC não inutilizou a nota, já que não a tornou sem uso. "A cédula pode ter sido deteriorada, mas o caso de ela ter mais de 50% legível [de acordo com norma do Banco Central] a torna totalmente utilizável. Ele colou ali, legal, mas mesmo se não tivesse colado, finalizou.

Entenda o que aconteceu ao vivo

Após a partida entre Atlético-MG e Flamengo pela ida das oitavas da Copa do Brasil, que terminou com vitória do Galo por 2 a 1, PVC estava criticando decisões recentes da diretoria rubro-negra. Para exemplificar o que os cartolas do Fla estavam fazendo ao pagar milhões em recisões de técnicos, ele rasgou uma cédula ao vivo.

"Gastar R$ 22 milhões em rescisões de contrato de quatro técnicos em 18 meses... Deixa eu ver se eu tenho uma nota de R$ 20", introduziu PVC, antes de tirar a carteira do bolso. "É fazer isso aqui!", prosseguiu o comentarista, dividindo a cédula ao meio. "Eu colo depois, eu vou colar depois!", completou o jornalista.

Antes mesmo do final do programa, o comentarista se retratou, pedindo desculpas e prometendo uma doação para "compensar o ato falho". "Vou recuperar minha cédula e, amanhã, vou fazer uma doação de R$ 200 em quentinhas para compensar o ato falho que cometi. Peço desculpas", finalizou.

Nesta manhã, ele utilizou suas redes sociais para mostrar que cumpriu com a promessa feita, voltou a pedir desculpas, classificando o ato como "pecado". "Conforme prometido, está aqui a minha nota devidamente recuperado e o recibo da doação prometida de R$ 220, dez vezes o valor do pecado que cometi no ar", afirmou.

"Doação feita nessa instituição e que vai virar cestas básicas para população carente. Mais uma vez peço desculpas, a tentativa foi mostrar o que está acontecendo de errado no Flamengo, mas exagerei", completou.