Gamarra se disfarçou para ver com a Fiel o título da Libertadores de 2012
O paraguaio Carlos Gamarra foi um dos destaques da primeira conquista da Libertadores pelo Corinthians, em 4 de julho de 2012. Mas, diferentemente das vezes em que brilhou na zaga do Timão, nessa conquista, Gamarra não fazia parte do elenco vitorioso. Ele já não jogava mais, mas permanecia -como permanece até hoje- sendo um dos maiores ídolos do clube.
Gamarra estava na arquibancada do Pacaembu, em meio à torcida, quando o Corinthians soltou o tão aguardado grito de campeão da América. Era um título inédito para o clube, conquistado sobre o Boca Juniors com dois gols de Emerson Sheik em uma São Paulo tomada pela torcida do Corinthians.
O ex-zagueiro conseguiu ingressos para a partida a pedido da filha, corintiana roxa desde quando o pai vestia o manto alvinegro. Em entrevista exclusiva ao documentário "A libertação corintiana", filme do UOL que reúne as histórias nunca contadas da final da Copa Libertadores de 2012. ele dá detalhes do desenrolar daquele dia —que começou no café da manhã do hotel, na Avenida Paulista, já lotado de torcedores.
Produzido por MOV, a produtora audiovisual do UOL, "A libertação corintiana" está disponível com exclusividade para assinantes do UOL Play.
Cobri meu rosto com um capuz para ir a pé até o Pacaembu, para evitar que me reconhecessem. Se alguém me chamasse de Gamarra, eu seguiria caminhando e fingiria que não era eu. Mas deu certo. Estava todo mundo tão eufórico naquele percurso que ninguém sequer olhou para o lado. Era um jogo de vida ou morte para os jogadores -para a torcida, também. O Corinthians precisava ganhar uma Libertadores para tirar o peso das costas."
Entre as tantas histórias que Gamarra relembra nesta entrevista, cita a pressão sempre carinhosa da torcida, que, segundo ele, o motivava a correr atrás dos resultados. Conta, ainda, bastidores de um time cheio de vaidade que resultou em uma briga feia entre Marcelinho Carioca e Freddy Rincón durante uma concentração. Sobre o amigo colombiano, apenas saudade: "Será eternamente lembrado no futebol mundial."
Pedido de filha não se recusa
Gamarra conta que a filha era pequena enquanto ele jogava no Corinthians, em 1998 e 1999. Isso fez com que a menina crescesse corintiana, e pedisse que o pai a levasse até o Pacaembu para o jogo contra o Boca em 2012, quando tinha 18 anos. "Nunca tinha visto uma final com tanta gente na minha vida", diz o jogador.
Ao chegar em São Paulo, o paraguaio afirma ter sentido um cheiro de vitória no ar. No entanto, sequer tinha ideia de quem poderia ser o autor do gol que levaria ao título. "Era um time que jogava muito no contra-ataque. O Tite arrumou assim, defendendo muito bem, e no contra-ataque matava qualquer um. Era difícil saber quem poderia fazer o gol".
"Só que a sensação era de que a gente iria ganhar, apesar de ser uma final contra o todo poderoso Boca. Acho, ainda, que foi isso que deixou a torcida mais feliz com o título -uma vitória sobre um dos times mais fortes da época."
O anonimato do ídolo foi mantido até o jogo começar. Enquanto a bola rolava, Gamarra foi descoberto na arquibancada, o que gerou uma frenesi à parte. "Foi uma bagunça. Pelo menos uns cinco torcedores não conseguiam mais olhar para o jogo; me abraçavam, tiravam foto. Na hora do intervalo, todo mundo veio para cima. Fiquei tranquilo porque foi todo mundo muito educado, só queriam abraçar e tirar fotos. Faz parte".
Quando saiu o primeiro gol, foi uma loucura. Quando vi, minha filha estava abraçando um cara, todo mundo pulando. Foi lindo ver aquilo no meio da torcida, ainda mais na do Corinthians, que é uma das torcidas mais apaixonadas que existem. Estar ali no meio, sentindo esse clima, é incrível. Foi a melhor experiência da minha vida."
Da torcida, o ídolo recebeu apenas carinho e gratidão. De todos, o reconhecimento pela humildade de assistir a um jogo como aquele no meio da multidão. Apesar de ter descoberto a paixão corintiana quando chegou ao clube, o ex-zagueiro não conseguiu esconder a emoção de viver, de perto, a torcida. Ele relembra o abraço de um pai e seus dois filhos, de no máximo sete anos, chorando muito com a vitória. "É uma paixão que começa na infância".
Os dois gols de Emerson Sheik, segundo Gamarra, só foram possíveis devido à calma e liderança de Danilo, também ouvido pelo documentário. "Sempre tem um cara que gosta de provocar. Tem que ter o jogador que traz o equilíbrio por trás. Esse cara foi o Danilo".
A vitória trouxe também ao ídolo uma sensação de alívio que há tempos era perseguida pelo time. Na época de Gamarra, o Corinthians chegou perto de levar a Libertadores pela primeira vez. A decisão ficou para os pênaltis e o Palmeiras levou a melhor. "A gente não podia ter perdido o primeiro jogo. Foi um pequeno erro que estragou tudo. Então, em 2012, foi um grito que estava engasgado".
Gamarra foi jogador do Corinthians por menos de dois anos, mas é lembrado pela torcida alvinegra como um dos maiores zagueiros que o clube já teve. Ele acredita que tamanho reconhecimento se dá pela garra e determinação que diz ter sempre tido dentro de campo -o paraguaio ficou conhecido pelo jogo limpo e marcação forte sem faltas.
"Dava minha alma para não perder um jogo, e o torcedor se identifica muito com isso. O jogador precisa saber que, no Corinthians, não pode tirar o pé. Se tirar, não serve para o time. A torcida corintiana não perdoa jogador que não tem raça. Entrei em um time muito bom, armado. Foi fácil me encaixar no grupo. Eu era muito profissional, tentava me sobressair e ser melhor do que a maioria. Acho que eu tinha um dom muito especial, que era de, praticamente, adivinhar onde a bola iria. Era quase automático."
Time de craques, vaidade extrema
O período de Gamarra no Corinthians foi, também, a época de grandes ídolos. Marcelinho Carioca e Freddy Rincón eram dois deles e, por causa da qualidade alta do elenco, a vaidade às vezes virava treta. O paraguaio, que exalta com saudosismo o colombiano Rincón, relembra a mais marcante delas.
"Estávamos concentrados em Atibaia, e o Freddy estava muito bravo. Perguntei o que tinha acontecido, e ele pediu que eu organizasse uma reunião no quarto dele com todos os jogadores para acertar algumas coisas com o Marcelinho. Fiquei na porta porque sabia que ia dar alguma merda. Dito e feito. O Freddy foi confrontar o Marcelinho porque ele queria jogar com outro volante e não mais com ele. Freddy ficou bravo e disse que seria a última vez que o Marcelinho falaria aquilo. Se repetisse, ele 'cairia para cima'. Só que o Marcelinho não negou; disse que tinha falado mesmo e que falaria quantas vezes fosse necessário. O Freddy foi para cima dele, pegou pelo pescoço e estava pronto para bater no cara, mas o pessoal separou a tempo. O Marcelinho fugiu na mesma hora. Depois, o Freddy disse que ia bater em quem tinha ajudado o Marcelinho a fugir".
Segundo Gamarra, no auge de sua calmaria, "esse time brigava quase sempre, tinha muita vaidade. Era muito craque junto, sempre tinha briga -mas nunca dentro de campo".
Ao Corinthians e pelo Corinthians, diz Gamarra, apenas gratidão e amor para sempre. "Sou corintiano, sim, claro. Torço para o Inter também".
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