Artilheiro por onde passou, Fred se despede do futebol em sua maior casa
Em um tempo em que o futebol escancara paixões efêmeras, o Fluminense se despede de um grande amor. Nas duas passagens que teve pelas Laranjeiras, Fred levantou taças, alcançou marcas históricas e conquistou os corações tricolores. No sábado, contra o Ceará, o Maracanã, onde o atacante se acostumou a brilhar, será palco do último ato da carreira do camisa 9.
Ídolo, sem dúvida alguma, é uma das diversas definições que Fred ganhou no Fluminense. Com o nome marcado na história do clube, o ícone de uma geração de tricolores pendura as chuteiras que calçaram os pés que tanto fizeram a torcida vibrar.
Para alívio dos adversários, o Fred não vai mais "te pegar", como já cantou inúmeras vezes uma orgulhosa arquibancada. A palavra "Eterno" esteve estampada nas mais diversas ações nos últimos dias, inclusive, no ingresso do jogo de hoje. Indício de que, ao apito final, a figura de Fred vestindo as três cores que traduzem tradição passará a ser uma doce lembrança, lembrada e contada com o passar dos anos.
O começo
O ciclo que se encerrará s em um dos cartões-postais do Rio de Janeiro teve os primeiros capítulos em Teófilo Otoni, Minas Gerais, sob os ensinamentos de Seu Juarez, pai de Fred e considerado por ele seu primeiro treinador.
Em 2000, o centroavante desembarcou no América-MG, ainda para a base, e se destacou em uma Copa São Paulo de Futebol Júnior, o que, segundo ele, evitou a dispensa. No clube, se profissionalizou e, posteriormente, foi negociado para Cruzeiro. Na Raposa, não demorou a mostrar o cartão de visitas, e explodiu no futebol brasileiro.
"Estava como treinador interino do Cruzeiro, em 2004. À época, o Fred e Wagner foram contratados junto ao América-MG. Como o Fred teve a formação na base do América-MG, era um jogador que a gente já conhecia. Dirigi o time em um jogo contra o Internacional e foi o primeiro jogo que ele entrou. Era um jogador que tinha uma expectativa enorme, tanto da diretoria quanto da torcida. Entrou no segundo tempo, um jogo equilibrado, em que ganhávamos de 1 a 0, e já estreou com gol. Já veio com essa carta de apresentação, de goleador. Ali ele começou uma trajetória muito interessante no Cruzeiro", lembra Ney Franco.
Ida para a França
Do Cruzeiro, Fred foi para o Lyon, da França, clube que já contava com alguns brasileiros, como Juninho Pernambucano, Cris e o também mineiro Claudio Caçapa.
"Foi muito legal ter sido companheiro do Fred no Lyon. Um cara espetacular, sensacional. Passamos ótimos momentos juntos, e, lógico, ele me deu muito bicho em campo porque é um artilheiro nato (risos)", conta Caçapa.
"Como todos nós, chegar a um clube sem falar a língua, é muito difícil. Nos aproximamos muito, todos os brasileiros. Acredito que isso deu uma tranquilidade para ele se concentrar em campo e fazer os gols que fez", completou.
O ex-zagueiro lembra de um episódio fora da quatro linhas que ficou marcado.
"A filha do Fred nasceu no dia 8 de março, e o meu filho nasceu no dia 11 de março de 2006. Nossas esposas ganharam os bebês no mesmo hospital. Lá na França, depois que ganha o bebê, precisa ficar cinco, seis dias até ser liberada. Eu ia visitar o meu filho e visitava também a Giovanna. Isso foi algo inesquecível"
Por que não a Europa?
A distância da filha Giovanna foi um dos principais fatores que fez o atacante olhar novamente para o futebol brasileiro, em um movimento quase que inverso ao natural naquele contexto. Além disso, havia um olhar para a Copa do Mundo que aconteceria na África do Sul
"O movimento natural era sair e, de lá [Lyon], ir para outros clubes. O Fred recebeu proposta de clubes da Itália, da Inglaterra e da Espanha. Ele tinha opções, mas ele estava longe da filha, porque tinha se separado. Ele queria muito ficar perto da filha e houve essa discussão sobre ficar na Europa ou voltar ao Brasil. Ficar perto da seleção também foi colocado à mesa, à época", disse Francis Melo, assessor de imprensa na ocasião e hoje agente do jogador.
Com a camisa do clube francês, foram 43 gols em 125 jogos, ao longo de quatro temporadas.
O início de uma história Tricolor
Fred, então, escolheu retornar ao Brasil, e foi aí que o Fluminense viu uma oportunidade. À época patrocinado pela Unimed, o clube, que havia chegado à final da Libertadores no ano anterior, fez os primeiros contatos e as negociações evoluíram. Em 4 de março de 2009, a "novela" chegou ao fim e o Tricolor anunciou o reforço.
"Através de um amigo que foi diretor do Fluminense um tempo, o Alexandre Faria, que é de Minas e conhecia o Fred, soubemos que ele estava meio triste lá, pela distância da filha. Surgiu a oportunidade e houve um contato que fomos evoluindo até chegar à contratação. Não foi muito simples. Depois de um tempo, conseguimos fechar e, naquele momento, criou um impacto grande", lembra Celso Barros, presidente da patrocinadora na ocasião.
O começo da caminhada no clube das Laranjeiras teve obstáculos. Naquela temporada, o time contrariou a matemática e evitou um rebaixamento que era tratado como favas contadas. Para o camisa 9, a vitória contra o Cruzeiro por 3 a 2 no dia primeiro de novembro de 2009, quando marcou duas vezes, importante para aquela arrancada, virou uma chave.
"O início dele foi conturbado, então, realmente, a gente se perguntava [sobre a decisão de voltar ao Brasil]. Mas a partir daquele jogo contra o Cruzeiro, aquele 3 a 2 no Mineirão, naquela arrancada, nunca mais isso foi cogitado e nunca mais houve a vontade de sair do Fluminense. Aquele "time de guerreiros" consolidou um relacionamento muito sólido", afirma Francis Melo.
Fred é meu amigo particular. Vou citar até um fato que é pitoresco. Sempre gostei de cachorro e o nome de um buldogue francês que tenho é Fred, e, a meu pedido, o Fred veio batizar o Fred (risos). Juntou foi gente aqui no Cosme Velho. E o Fred [cachorro], hoje, é mais conhecido que eu aqui no bairro. Está com 12 anos atualmente", Roberto Horcades, presidente do Fluminense à época da contratação.
Na primeira passagem pelo Tricolor, Fred conquistou o Carioca de 2012, e as edições do Brasileiro de 2010 e 2012, sendo artilheiro nesta edição. O tetra do clube na competição nacional aconteceu sob a batuta de outro nome histórico: Abel Braga.
"Tive a sorte e a oportunidade de trabalhar com vários craques, e o Fred é um deles. Em duas passagens pelo Fluminense, na fase dos títulos carioca e brasileiro de 2012 e nessa última, quando conquistamos outro Estadual, e também no Cruzeiro, quando ele foi um dos que me ligou para tentar ajudar o clube. É um líder nato e uma pessoa fora de série, acima da média em todos os sentidos. Até conversei um bom tempo com ele, insistindo para que esticasse a carreira até o fim do ano, mas ele disse que não conseguiria. Depois, cheguei a dizer a ele que até seria legal pararmos juntos, mas daí fui eu que não aguentei e larguei antes. Não deu. Não estava mentalmente e fisicamente bem, como todos já sabem. Agora, o Fred encerra uma carreira linda, fantástica, e merece todo esse reconhecimento pelo jogador que sempre foi e pela pessoa que é", apontou o, agora, ex-treinador.
A mão após 'ter ido à lona' em 2014
O bom desempenho pelo Fluminense fez Fred retornar à seleção brasileira, já sob o comando de Tite. Campeão da Copa das Confederações de 2013, com gol na final contra a Espanha, chegou ao Mundial de 2014 como titular. Mas o cenário não foi favorável, e o centroavante se viu alvo de duras críticas e brincadeiras.
"O Fred foi à lona. Ele ficou muito triste. Ele é muito forte, mas ali ele foi à lona e ficou mal. Só falava em parar. Pediu uns dias ao Fluminense para repensar e foi se esconder na fazenda com o pai dele. E o pai dele, em uma conversa com ele, falou que ia ele voltar. Deu um choque, coisa de pai, e foi determinante", relatou Francis.
O atacante avisou à diretoria que retornaria. E no dia, nas ruas na proximidade da sede, onde aconteciam os treinos à época, encontrou uma corrente de torcedores, que tinham balões e placas com uma contagem regressiva até ele chegar às Laranjeiras.
Fred é um exemplo a ser seguido pelos mais jovens e por quem ainda está jogando. Um verdadeiro capitão dentro e fora de campo. Com quem tive a oportunidade de jogar, com certeza, foi o melhor camisa 9. Tomara que continue trabalhando de alguma forma dentro do futebol. Além de um amigo é uma pessoa sensacional e que vive o esporte", Thiago Neves, companheiro de Fred no Flu e no Cruzeiro.
O hiato no Flu e a recusa ao Fla
Em 2016, a relação entre Fred e Fluminense sofreu uma pausa. Havia um vínculo até dezembro de 2018, mas por decisão da gestão encabeçada por Peter Siemsen, que indicou questões financeiras como explicação, os próximos passos não foram no clube. O atacante rescindiu com o Tricolor e assinou com o Atlético-MG, onde foi campeão mineiro em 2017.
Ao fim daquele ano, o Galo quis negociá-lo. O Flamengo — que à época viu Guerrero ser punido por doping — surgiu como um clube interessado e chegou a tratar as bases com o Atlético-MG. A diretoria mineira viu a transação com bons olhos, mas Fred não topou, por gratidão ao Flu.
O Atlético-MG fechou o acordo com o Flamengo, era só o Fred dar o OK. Na hora H, ele falou: 'Impossível. Nada contra o Flamengo, mas não posso estragar o que construí no Fluminense. Pelo que eles fizeram por mim em 2014, não posso fazer isso'. Qualquer um queria jogar no Flamengo naquela altura. Por gratidão à torcida do Fluminense, ele não foi", Francis.
O atacante, então, acertou o retorno ao Cruzeiro, o que rendeu um imbróglio judicial trabalhista. Na Raposa, levantou o Mineiro de 2018 e 2019, e a Copa do Brasil de 2019. Mas também amargou o único rebaixamento na carreira.
"Foi reparado um erro histórico"
Em maio de 2020, o Fluminense anunciada, com toda a pompa, a volta de Fred. Já presidente na ocasião da negociação, Mario Bittencourt afirma que a contratação foi a reparação do que ele considera "um dos maiores erros da história" do Tricolor.
"Foi reparado um erro histórico. Talvez, um dos maiores erros da história do Fluminense: se desfazer, pela porta dos fundos, de um dos maiores ídolos naquele momento. Hoje acho que se torna o maior da Era moderna. Ele sempre vai dividir este posto com o [goleiro Carlos] Castilho, que amputou um dedo para jogar pelo Fluminense. Mas são épocas diferentes. Acho que na era da modernidade, de tudo que é o futebol hoje, ele é o maior ídolo da História do clube. Ao menos, é o meu maior ídolo, como torcedor do Fluminense", assegurou.
Após o rebaixamento com o Cruzeiro, Fred viu, novamente, a fazenda como refúgio. E pensou em parar outra vez, mas o mandatário tricolor, que já o conhecia há anos e com quem nutriu uma amizade, foi, aos poucos, o fazendo mudar de perspectiva. Após o "sim", uma novidade: o atacante saiu da capital de Minas rumo do Rio de Janeiro de bicicleta, em uma aventura que os tricolores acompanharam pelas redes sociais.
A reestreia foi contra o Volta Redonda, em 28 de junho, pelo Carioca. E já na reta final, o fim de um jejum. Fred participou ativamente da conquista do Carioca deste ano, título que não ia para as Laranjeiras desde 2012, quando ele também estava no elenco.
"Acho que, no futebol moderno, no Fluminense não terá outra história igual a essa e acho difícil que aconteça em outro clube. Pela volatilidade hoje de troca de clube pelos atletas, pela questão dos atletas irem embora muito cedo para a Europa. Então, ele termina a sua carreira como, talvez, do futebol brasileiro, o último jogador que tem uma relação verdadeiramente de amor com uma instituição, com um clube de futebol", reforçou Bittencourt.
O Fred, ao longo deste tempo, foi um dos grandes artilheiros do Fluminense e virou, efetivamente, um ídolo da torcida tricolor. Não só porque é um grande artilheiro, mas também pela empatia que criou com a torcida e do amor pelo Fluminense", Celso Barros.
Números e marcas
Fred vai se despedir dos gramados com algumas marcas expressivas atingidas. Nesta temporada, por exemplo, ele se tornou o maior artilheiro da história da Copa do Brasil, com 37 gols, ultrapassando Romário.
[A contratação] Foi um sucesso total, como é até hoje. O Fred é meu grande ídolo, é o ídolo dos meus netos tricolores e é ídolo do Fluminense. É um exemplo de atleta e de pessoa que defendeu a camisa do Fluminense", Horcades
O camisa 9 se aposenta também como o segundo maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro, com 157 gols, atrás apenas de Roberto Dinamite, que tem 190, sendo o maior do período em que a competição passou a ser disputada em pontos corridos, em 2003.
O atacante, que já ultrapassou a barreira dos 400 gols na carreira, tem 199 com a camisa do Flu, sendo o segundo maior artilheiro da história do clube. Waldo, com 319, lidera a lista.
E o futuro?
Fred já afirmou que, após a aposentadoria dos gramados, quer curtir a família, mas ainda não foi mais a fundo quando o assunto é profissional. Mario Bittencourt não esconde o desejo de que o atacante assuma um cargo no Tricolor, porém, salienta que ainda não há nada mais concreto:
"Ainda está indefinido. Eu tenho a leitura de que ele vai querer ficar em alguma função, seja no Fluminense ou em outro lugar, caso ele dê sequência à carreira em outro lugar, em algo ligado ao campo. Em alguma função perto do campo. É o que me parece, é o que ele tem manifestado, e estou tentando convencê-lo de que seja aqui".
Quem pode ocupar o posto?
Ao apito final, o Fluminense vai iniciar uma nova fase. Agora, sem Fred, há uma trilha vaga a ser caminhada por possíveis candidatos a cair nas graças da torcida. Reforço no início da temporada, Cano vive boa fase e parece já ter conquistado a torcida, que tem feito o "L" com frequência.
Cria da base, o volante André vem sendo ovacionado nas partidas e também desponta como candidato. Também oriundos de Xerém, os atacantes John Kennedy e Matheus Martins aparecem no horizonte nesta disputa.
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