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Show e desabafo de Pelé: a última façanha na Bombonera antes do Corinthians

Pelé em ação contra o Boca Juniors, em foto de época - Santos / Acervo
Pelé em ação contra o Boca Juniors, em foto de época Imagem: Santos / Acervo

Matheus Brum

Colaboração para o UOL

08/07/2022 04h00

O Corinthians, para a catarse do seu torcedor, conseguiu uma daquelas classificações épicas, que serão contadas por anos e décadas a fio. Afinal de contas, eliminar o Boca Juniors, em casa, na mítica Bombonera, pela Copa Libertadores da América, não é tarefa das mais simples. Para o futebol brasileiro, então, nem se fale.

O feito do Corinthians veio 59 anos depois da última, e única vez, que um time brasileiro eliminou o Boca em sua casa pela Libertadores. Em 1963, em plena final da então quarta edição da Libertadores, o Santos de Pelé conseguiu vencer, de virada, os argentinos.

E esse jogo é repleto de grandes histórias. Para os críticos, trata-se de uma das maiores atuações de Pelé. Então com 23 anos, bicampeão mundial com a Seleção, o camisa 10 colocou os argentinos "no bolso". Foi dele, inclusive, o gol do título, aos 37 minutos do segundo tempo.

Libertadores era diferente

Para chegar neste jogo, é preciso traçar uma linha do tempo. O Santos defendia o título da Libertadores. Por ter sido o campeão em 1962, classificou-se diretamente para as semifinais do torneio. Já o Boca, campeão argentino de 62, precisou passar por todas as fases do torneio.

Nos primórdios da Libertadores, diferente do que temos nas edições atuais, apenas os campeões nacionais participavam do torneio. Como apenas nove times disputavam a competição, foram formados três grupos. Dois com três equipes e um apenas com dois. Em jogos de ida e volta, classificava para a semifinal o primeiro de cada chave.

O Boca caiu no Grupo 3, ao lado de Olímpia (PAR) e Universidad de Chile (CHI). Com três vitórias e uma derrota, foi para a semifinal. No mata-mata, encarou o Peñarol (URU). Ganhou os dois jogos. Na outra chave, o Santos eliminou o Botafogo, com um empate e uma vitória.

Na primeira partida da decisão, no Maracanã, o Peixe ganhou por 3 a 2. O público presente, de 63.376 espectadores, assistiu Coutinho, duas vezes, e Lima, fazerem 3 a 0 apenas no primeiro tempo. No final da primeira etapa, Sanfilippo diminuiu e, no segundo tempo, o mesmo jogador fez o segundo gol.

A decisão, portanto, estava aberta. No dia 11 de setembro de 1963, Boca Juniors e Santos fariam a decisão da Copa Libertadores daquele ano. Antes da bola rolar, vários acontecimentos poderiam ter mudado a história mítica que se criou naquele confronto.

Os percalços antes da final

A final quase foi disputada no Monumental de Núñez, que geraria mais renda para o Boca. Além disso, a Bombonera, na época, apresentava problemas estruturais graves e o gramado estava em má condição. Mesmo assim, o Boca "bateu o pé" e manteve a partida no seu estádio.

Para tentar prejudicar o Santos, os xeneises mudaram o horário da partida. Da noite, foi disputada à tarde. O Peixe tentou adiar o confronto por um dia, para ter mais tempo de preparação, mas foi em vão.

Há quem diga que, naquele dia, 80 mil torcedores abarrotaram a Bombonera. Isso é bem mais do que os registros oficiais de cerca de 50 mil torcedores e abaixo do maior público oficial da história do estádio, que é na inauguração, em 1940, com 57.395.

Essa possível superlotação aumenta ainda mais a história mítica em torno deste jogo.

Desfile e desabafo de Pelé

Em campo, Rei Pelé desfilou. Mas também tomou muita pancada. O camisa 10 precisou trocar o calção e a chuteira devido às porradas que levou. O primeiro tempo terminou sem gols, até porque o goleiro Gylmar, do Peixe, salvou boas chances do Boca.

Só que no primeiro minuto do segundo tempo, Sanfilippo abriu o placar após uma bobeira da zaga santista. Mas, três minutos depois, a dupla Pelé-Coutinho entrou em ação. O Rei recebeu a bola de Dorval, tirou a marcação e entregou para o lendário atacante empatar o placar.

Aos 29 minutos, outra pintura de Pelé. O camisa 10 recebeu a bola na meia-lua, deu um drible desconcertante em Magdalena e mandou no contrapé de Errea. Na comemoração, o Rei desabafou. Comemorou com raiva, como forma de demonstrar a irritação com as pancadas sofridas ao longo da partida.

"Nunca, em parte alguma, me cuspiram tanto. Jogou-se duro. Golpearam-me por todos os lados. O gol da vitória foi o mais emocionante de toda a minha vida. Apesar de tudo, o Boca tem uma equipe muito boa. Falta apenas calma para saber alcançar uma vitória", desabafou Pelé após a vitória.

Apesar da reclamação do Rei, a torcida do Boca aplaudiu o Santos após a conquista do título. Até mesmo a revista Así Es Boca, dedicada à cobertura do clube, elogiou os brasileiros.

"Futebol é isto que o Santos pratica. Inspirado, habilíssimo, com sutilezas enlouquecedoras, capaz de provocar paralisia no adversário. Os alvinegros mostraram que são os primeiros em agilidade, uma agilidade quase alada, que contrastou com o ritmo pesado dos nossos. Tudo dava a sensação de que o Boca jogava um futebol pré-histórico. Tudo resultava do deslumbrante futebol do Santos", destacou trecho da reportagem.

Ficha técnica do jogo de 1963

Boca Juniors: Errea; Magdalena, Orlando e Simeone; Silveira e Rattin; Grillo, Rojas, Menéndez, Sanfilippo e González. Técnico: Aristóbulo Deambrossi.

Santos: Gilmar; Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Geraldino; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula.