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Jogador de futsal emociona com fair play e homenageia a filha no RS

Kaue, jogador de futsal, com a esposa Thaís e a pequena Marthina - Reprodução/Instagram
Kaue, jogador de futsal, com a esposa Thaís e a pequena Marthina Imagem: Reprodução/Instagram

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

13/07/2022 04h00

Kaue retomou a bola e puxou o contra-ataque para o Lagoa Esporte Clube, time da cidade de Lagoa Vermelha, no noroeste do Rio Grande do Sul. Pela frente, teria apenas o goleiro da Assoeva, importante equipe da cidade de Venâncio Aires, na região central do Estado, em jogo do Gauchão de Futsal. Mas, ao perceber que o adversário estava caído e lesionado, o atleta de 27 anos surpreendeu. Em atitude de fair play, colocou a bola para fora e abriu mão do gol. Por trás da conduta exemplar estava a filha, Marthina, que sofreu com problemas de saúde, mas ganhou um motivo e tanto para se orgulhar do pai.

Ao UOL Esporte, Kaue Araújo contou o todo drama que passou recentemente. Desde os três meses de idade, a filha sofre com problemas respiratórios. Agora aos cinco, ainda está em recuperação.

"Tivemos 30 dias com a Marthina em hospitais. Ela estava bem, do nada ficou ruim, com falta de ar, vômitos. Levamos no posto de saúde de Lagoa Vermelha, mas a cidade não tem muitos recursos. Optamos por levar até Carlos Barbosa, que é a cidade onde minha esposa tem familiares", disse Kaue.

"Nos informaram que ela precisaria ser encaminhada com urgência para a UTI. Ficamos o dia esperando vaga, pois todas estavam ocupadas. Ela estava muito mal. A classificação era zero, que quer dizer que precisava ir de qualquer forma para UTI. Conseguiram, então, uma vaga em Caxias [na serra gaúcha]. Chegando lá, ela foi entubada. Ficou 13 dias entubada, ficamos 20 dias no hospital. Graças a Deus ela melhorou e voltamos para casa."

Mas engana-se quem pensa que o pior já tinha passado. Logo, os sintomas voltaram e novamente a busca incessante pela saúde da filha esteve em primeiro lugar para o jogador de futsal.

"Aconteceu tudo de novo. Nos quatro primeiros dias só diziam que o estado dela era gravíssimo, que poderíamos perder ela. Mas ela se recuperou. Era bronqueolite [infecção nos bronquiolos que costuma acontecer em crianças até dois anos]. Voltamos para Carlos Barbosa e, novamente, ela precisou de uma UTI, dessa vez em Bento Gonçalves [também na serra]. Foi quando descobriram que ela teve uma lesão na laringe por causa da entubação. A garganta estava quase fechada, precisava de uma cirurgia, que só poderia ser feita em Porto Alegre", continuou.

O drama não acabou. Os hospitais da capital gaúcha também estavam com suas vagas de UTI ocupadas e demorou até que a cirurgia pudesse ser realizada. Só depois do procedimento da filha Kaue partiu de volta para Lagoa Vermelha, pois precisava cumprir sua função de atleta.

O regresso aconteceu na segunda-feira da semana passada. Ele treinou até quinta e foi para o jogo na sexta-feira. Foi quando aconteceu o lance em que ele optou por não marcar o gol pelo fair play.

"Eu roubo a bola, saio no contra-ataque e me deparo com o goleiro deitado no chão. Ele tinha se machucado. Parei, joguei a bola para fora e saí. A arquibancada toda me aplaudiu, meus companheiros me cumprimentaram, os jogadores da Assoeva também", relatou.

"No tempo em que ficamos no hospital, vimos muita coisa. Depois que se vira pai, se começa a viver pelo filho, ver as coisas de formas diferentes na vida. Quando eu jogo a bola para fora, eu imagino os pais dele [Vitinho, o goleiro] vendo isso. Ele mal, ali, deitado, jogando fora de casa, fatalmente os pais não estariam ali... Tudo que passamos no hospital... Não teria como eu fazer diferente do que fiz. Não muda nada se estivéssemos perdendo ou ganhando. Ali nem pensei no placar. Independente de qualquer coisa, eu não faria o gol", contou

Repercussão maior que o gol e homenagem

Evidentemente que o gol seria em homenagem à pequena Marthina. Mas ela ganhou algo ainda maior. A atitude de Kaue emocionou os presentes e atingiu pessoas que talvez jamais soubessem da história caso a bola tivesse ido para a rede.

"Eu tenho recebido muito apoio. Quando a gente fica tanto tempo no hospital, desacredita de muita coisa, pensa que o mundo está contra ti. Agora, eu recebendo essas mensagens, o vídeo com um milhão de visualizações, o estádio todo me aplaudiu, foi algo incrível", disse o jogador.

Kaue segue em Lagoa Vermelha. Marthina está com a mãe, Thaís Cristina, em Carlos Barbosa, se recuperando para rever o pai, que não esconde a saudade e o orgulho da pequena guerreira que tem.

"Eu não sei dizer de onde tive forças para jogar. Não tinha nem vontade, não conseguia raciocinar. Mas, com certeza, foi o lance que mais marcou a minha vida. Foi muito intenso, não sei explicar. Foi por ela que tudo isso aconteceu. Minha atitude, não posso dizer como seria se fosse antes de tudo isso. Mas meu pensamento, na hora, foi nos pais do goleiro, em tudo que passamos com ela... Com certeza, quis mostrar para ela um exemplo bom. E quando ela entender as coisas, vou mostrar tudo isso para ela", finalizou.

A pequena tem motivos de sobra para ficar orgulhosa do gol que o pai optou por não fazer, mas que acabou virando um golaço para o time da honestidade.