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Recuperação judicial: entenda o passo do Cruzeiro por reestruturação

Reunião do Conselho do Cruzeiro em que as exigências de Ronaldo foram aprovadas para a compra da SAF - Gustavo Aleixo/ Cruzeiro
Reunião do Conselho do Cruzeiro em que as exigências de Ronaldo foram aprovadas para a compra da SAF Imagem: Gustavo Aleixo/ Cruzeiro

Lohanna Lima

Do UOL, em Belo Horizonte (MG)

26/07/2022 04h00

Se dentro de campo as coisas caminham bem para o Cruzeiro, que lidera a Série B com vantagem em busca do acesso à elite do Brasileirão, fora das quatro linhas a Raposa ainda vive situação financeira delicada. Por isso, no último dia 11, a associação entrou com o pedido de recuperação judicial na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, com o objetivo de apresentar um plano de recuperação para quitar as dívidas trabalhistas e cíveis, que somam R$ 539 milhões.

Mas afinal de contas, o que essa ação do clube significa na prática? O UOL Esporte ouviu o jurídico do clube e explica a questão.

Antes de entrar no mérito da ação, é importante lembrar que a recuperação judicial foi uma das exigências de Ronaldo Nazário antes de finalizar a compra dos 90% das ações da SAF. Além da medida, o dirigente também exigiu o repasse dos centros de treinamentos Tocas I e II, após a quitação das dívidas tributárias do clube, que passaram a ser controladas pela nova gestora do clube. Em contato com o advogado Daniel Vilas Boas, ele explicou os caminhos que o seu cliente percorreu até chegar na decisão e como funcionará a partir de agora.

"O Cruzeiro fez quatro movimentos para se reestruturar: o primeiro foi organizar os custos e tornar o orçamento da associação mais viável. Em segundo lugar, constituir a SAF com a vigência da nova lei. E, depois, celebrou um acordo de investimento com a Tara Sports, empresa liderada pelo Ronaldo. Agora, faz o movimento da recuperação judicial com o objetivo de reestruturar as dívidas financeiras até a data do pedido, que serão pagas na forma de um plano responsável adequado e que será apresentado em 60 dias após a data em que o juiz aceitou o pedido do Cruzeiro", explicou.

Ronaldo e Sérgio Rodrigues, presidente do Cruzeiro, durante reunião do Conselho Deliberativo - Gustavo Aleixo/Cruzeiro - Gustavo Aleixo/Cruzeiro
Ronaldo e Sérgio Rodrigues, presidente do Cruzeiro, durante reunião do Conselho Deliberativo
Imagem: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Qual o principal desafio?

A partir do momento em que o juiz aceitou o pedido, o Cruzeiro precisa negociar com cerca de 800 credores que aparecem no documento apresentado à Justiça por meio de um plano. A tarefa do clube é sensibilizar a maioria deles, enquanto apresenta uma solução que buscará a redução dos valores e também o alongamento do prazo para quitar as dívidas. Se mais da metade aceitar, automaticamente os demais credores serão obrigados a receber seus valores de acordo com o plano.

"O principal desafio é aprovar junto aos credores o plano. Nele, estão contidas as condições de pagamento de dívidas sujeitas à Recuperação Judicial. É comum que esses planos prevejam desconto pelos credores e também prolongamento do prazo de vencimento dessas dívidas. Na forma da Lei de Recuperação, os credores devem consentir com o plano, que seja responsável e compatível com sua situação financeira. E espera sensibilizar os credores que essa seja a melhor proposta", completou Vilas Boas.

Principais credores

No levantamento apresentado pelo clube, aparecem 807 credores que somam o valor da causa de R$ 539 milhões. Entre as dez maiores dívidas que o Cruzeiro possui, sete delas são com ex-jogadores da Raposa: Fred (R$ 48 milhões), Fábio (R$ 20,7 milhões), Marcelo Moreno (R$ 25 milhões), Dedé (R$ 16,6 milhões), Dodô (R$ 15 milhões), Léo (R$ 9,6 milhões) e Thiago Neves (R$ 10 milhões)

Fred e Thiago Neves são alguns dos principais credores do Cruzeiro atualmente  - Vinnicius Silva/Cruzeiro - Vinnicius Silva/Cruzeiro
Fred e Thiago Neves são alguns dos principais credores do Cruzeiro atualmente
Imagem: Vinnicius Silva/Cruzeiro

O que fez o Figueirense?

Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina homologou o plano de recuperação extrajudicial apresentado pelo Figueirense. Vale ressaltar que no caso do clube catarinense, primeiro houve uma negociação com os credores - que aprovaram em maioria o plano - e depois a entrada na Justiça.

É um movimento contrário ao que o Cruzeiro faz com a recuperação judicial e é o que, basicamente, difere as duas ações. As dívidas trabalhistas e cíveis do Figueirense ultrapassavam R$ 180 milhões quando o clube optou pela Recuperação Judicial.

Disputando a Série C do Campeonato Brasileiro e com pouquíssimos recursos, a solução foi adotada para que o clube conseguisse frear os constantes bloqueios em suas contas e conseguisse manter as atividades essenciais da associação, como explica o presidente do clube, Norton Flores Boppré.

"Conseguimos apresentar um plano que estava de acordo com a legislação e foi homologado no último mês de dezembro. O efeito desse plano nos permitiu o alongamento das dívidas que exigiam pagamento imediato e o estabelecimento de carência e amortização. Estancamos aquela sangria, já que todo dia antes do plano nós tínhamos confiscos nas contas do clube. Tudo isso cessou com a homologação e nos deu a tranquilidade para seguirmos com o trabalho de reestruturação que estamos desenvolvendo", disse Boppré ao UOL Esporte.

Norton Flores Boppré, presidente do Figueirense  - Foto: Patrick Floriani/FFC - Foto: Patrick Floriani/FFC
Norton Flores Boppré, presidente do Figueirense
Imagem: Foto: Patrick Floriani/FFC

Existe fórmula exata para todos os clubes?

A partir do cenário apresentado tanto pelo Cruzeiro quanto pelo Figueirense, muitos outros clubes podem se utilizar do modelo para tentar equacionar as dívidas em busca da reorganização financeira. No entanto, segundo a advogada empresarial Juliana Biolchi, especialista em revitalização de empresas, negociações complexas e recuperação judicial e extrajudicial, não existe uma escolha única e o melhor caminho a ser seguido na reorganização financeira de um clube dependerá do perfil da dívida e da capacidade de caixa.

"O Regime Centralizado de Execuções (RCE) é um sistema incipiente, pouco estruturado e lacunoso, que não oferece todas as respostas. Além disso, é bipartido, ou seja, há dois responsáveis por tomar decisões, com vieses completamente diferentes. O juiz do trabalho, voltado aos interesses dos funcionários (seu papel); e o juiz cível, que tem outro olhar, não necessariamente pró-negócio. (...) O RCE é ruim? Não. A questão é que ele não é para todo mundo, mas sim para casos em que o endividamento é pequeno em relação à receita gerada pela SAF e, portanto, menos complexo. Resta aos clubes envolvidos em situações mais desafiadoras (grandes endividamentos) olhar para os instrumentos da Lei de Recuperação de Empresas: as recuperações judicial e extrajudicial, como permite o art. 13, da Lei da SAF", opinou.

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