Como funcionará o primeiro time de futebol profissional vegano no Brasil
À medida que o veganismo se torna algo cada vez mais comum dentro da sociedade, mais este estilo de vida começa a ganhar espaço em áreas e atividades que, até pouco tempo atrás, não o consideravam uma opção viável. Quer um exemplo? O futebol.
Você já ouviu falar de algum time vegano? Se a sua resposta foi negativa, prepara-se para conhecer, pois eles existem (sim, no plural). O primeiro foi o Forest Green Rovers, recém-promovido da quarta para a terceira divisão da Inglaterra. E a bola da vez, agora, é do Brasil.
O Rio Grande do Norte será o Estado a receber o primeiro clube de futebol profissional vegano das Américas, e apenas o segundo do mundo inteiro: o Clube Laguna, que, apesar de ainda dar os seus primeiros passos, pretende chegar à Série A em dez anos.
"Abrimos a empresa em abril desse ano, e será a primeira SAF do Rio Grande do Norte", conta Gustavo Nabinger, de 38 anos, ex-jogador, técnico profissional e sócio fundador do Laguna. A estreia está próxima.
"Vamos jogar a Segunda Divisão agora no segundo semestre", diz ele, que também quer implementar ações sustentáveis —como montar um gramado 100% orgânico.
Mas talvez você esteja se perguntando: como funciona um time vegano? Quem for contratado não pode ser visto comendo carne? Haverá uma fiscalização? Calma, não é bem assim e não é nada radical.
Os jogadores não precisam ser veganos, nem mesmo os funcionários. Simplesmente não haverá carne ou qualquer alimento ou produtos de origem animal no dia a dia do clube, seja nas refeições ou no vestuário, por exemplo.
Para quem ainda não está familiarizado, "o veganismo é uma filosofia e estilo de vida que busca excluir, na medida do possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade contra animais na alimentação, vestuário e qualquer outra finalidade", como explica a The Vegan Society, grupo que criou o termo "Veganismo" em 1944, no Reino Unido.
"Não entrou em pauta a opção de não ser vegano"
Um dos três sócios do clube, Gustavo é vegetariano desde 2003 e vegano desde 2019. Assim, ao iniciar o projeto de fundação do Laguna, naturalmente estabeleceu o veganismo como filosofia a ser seguida. "Não entrou em pauta a opção de [o clube] não ser vegano", diz.
O vegetarianismo prevê uma dieta sem carne. Ovo, leite e derivados podem ser consumidos. Existe também o vegetarianismo estrito, isto é, nada de origem animal vai para o prato. Já no veganismo também não se compra nenhum produto que tenha origem animal ou que tenha sido testado em animais. (Ecoa)
"Não faria sentido nenhum, sendo vegano, oferecer carne no clube. Então, era um valor intrínseco. Mas, claro, gera uma curiosidade, e é uma oportunidade de as pessoas conhecerem o veganismo. De repente não vai virar, mas pode diminuir o consumo de carne e, por que não, aumentar o consumo de produtos veganos, que são muito bons", pontua.
"Os jogadores não são obrigados a serem [veganos], claro. Não é esse o intuito. O clube nasceu como um clube de futebol, baseado numa ideia de futebol diferente. O veganismo é um valor intrínseco, de dois dos três sócios. O terceiro não é vegano, mas a filha é, e ele está no meio do caminho [risos]", brinca Gustavo, ex-jogador profissional e treinador das categorias de base de times como Guarani, Vila Nova e Figueirense —sendo, inclusive, o primeiro técnico de Gabriel Menino, do Palmeiras.
"Nosso posicionamento não é de ser radical. Somos um time com valores de futebol muito claros, e além disso somos veganos. Não queremos impor nada", diz.
Muito mais que futebol
Além de vegano, a promessa é de que o clube fuja totalmente da mentalidade imediatista que há no Brasil. A ideia é criar uma equipe em que a continuidade do projeto prevaleça.
"Tive relativo sucesso no trabalho de técnico, mas ao mesmo tempo pensava no futebol de uma forma diferente do que estava encontrando nos clubes. Falta gestão da forma como imagino, com continuidade, e com uma política mais voltada para a base. E uma visão de futebol mais norte-americana, como entretenimento, com uma proximidade entre jogadores e torcida", comenta.
"Não é só a vitória que importa. Não ganhou, beleza, mas foi um jogo bonito, ofensivo, chances de gol, atmosfera do estádio bacana... Me diverti indo ali e me identifico com os valores."
Desde os tempos de técnico, Gustavo já pensava na possibilidade de criar um time, mas foi depois de um projeto social de futebol na periferia de Paulínia, interior de São Paulo, em 2011, que a ideia acelerou. Especialmente depois de comprovada a força que o esporte tem como agente de impacto social.
"Atendemos uns 150 jovens. Pessoas com familiares que estavam presos por tráfico... Resultado: em torno de 40 a 50 fizeram faculdade, e nenhum deles passou para o crime. Ali ficou muito clara a força que o futebol tem de ser um agente de impacto social", conta.
"Sempre tive essa vontade de fazer algo diferente, que tivesse alinhado com os meus valores pessoais e com os meus valores de futebol. Não só pelo jogo, mas por tudo envolvido. Para mim, futebol é muito mais que o jogo. E o Laguna nasceu disso", acrescenta.
Meta ousada: Série A em dez anos
O Laguna não inicia sua história pensando como coadjuvante. Se tudo acontecer dentro do planejado, a meta do clube é já fazer parte da elite do futebol nacional daqui a dez anos.
"Somos uma startup. Fizemos um investimento de capital próprio e estamos buscando investidores para acelerar o crescimento. A gente tem uma projeção de dez anos para estar na Série A do Brasileiro", diz Gustavo.
Ao menos 14 jogadores já assinaram pré-contrato e outros 12 estão com propostas em mãos, sendo que todos os acordos vão de encontro a uma das principais filosofias do clube.
"Eles estão fazendo contratos de dois, três, quatro anos, porque a ideia é manter a equipe. Subindo ou não [no Estadual], o calendário é um semestre só, mas vamos manter o elenco e aproveitar para fazer jogos-treino, contra Ceará, Santa Cruz, Sport, etc.", esclarece.
E agora, uma curiosidade. "De início, quase todos os jogadores não vão ser veganos", conta, até reforçando a ideia de que o veganismo não é algo imposto pelo clube, e sim uma escolha de cada um. "A ideia é que as pessoas possam experimentar, por exemplo, no bar do estádio. Você pode abrir a mente das pessoas", acredita Gustavo.
A cidade que receberá o Laguna ainda é surpresa, e será anunciada daqui a dez dias. Já é possível adiantar, porém, que o Estado escolhido foi totalmente estratégico.
"Recife é a terceira maior cidade do Brasil com o maior número de vegetarianos e veganos, e o Ceará é um Estado em que isso está crescendo muito também. Tirando Salvador, são as capitais de mais influência no Nordeste. E o Rio Grande do Norte está no meio. Há uma tendência de que ali vão acontecer as coisas em breve", acredita Gustavo.
Atleta tem melhor desempenho se comer carne?
Precisamos quebrar os mitos. A gente tem uma mania de achar que precisamos consumir uma quantidade colossal de proteínas quando você faz atividade física. Quando a gente fala de tirar a carne e os alimentos de origem animal, parece que a proteína vai sumir do prato, e isso não é verdade. Hoje a gente sabe que a base proteica da alimentação é mais vegetal que animal.
Não existe nenhum tipo de fator negativo em ser vegano e praticar esportes. Pelo contrário. Existem vários indícios que uma alimentação 100% à base de vegetal, mais natural e íntegra, consegue ser melhor que uma dieta onívora para quem faz atividade física de alta intensidade. Não existe a possibilidade de uma alimentação vegana gerar deficiência se ela for bem feita.
O estereótipo daquele vegano fraco, magro, já caiu por terra. Não somente é possível como é benéfico ter uma alimentação vegana no esporte. Mais do que ciência, temos hoje diversos atletas emblemáticos que são veganos, como Macris e Carol [do vôlei], Lewis Hamilton, Serena Williams, Djokovic, Patrik Baboumian, maior levantador de peso do mundo... Diversas pessoas que não são só atletas, como profissionais e recordistas em suas categorias, isso fala por si só.
Alessandra Luglio, nutricionista e diretora do departamento de campanhas da Sociedade Vegetariana Brasileira
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